04 Dezembro 2025
Juan Orlando Hernández (JOH) foi trazido de volta à vida política sem ser convidado, transformado em um símbolo manipulado do exterior. Seu retorno revela nossa fragilidade institucional e como Honduras pode ser facilmente usada como um ator secundário em uma disputa onde o papel da cidadania continua sendo tratado como mero figurante.
A reportagem é de Jennifer Ávila, publicada por El País, 04-12-2025.
Honduras foi às urnas mergulhada em desconfiança institucional e uma polarização que prenunciava uma eleição contenciosa. Poucos dias antes, o que acabou por fragmentar o país veio de Washington, quando a interferência do presidente dos EUA colocou mais uma vez no centro da disputa uma figura que muitos hondurenhos acreditavam ter sido relegada a um capítulo encerrado, a uma pequena vitória da justiça conquistada fora de nossas fronteiras: Juan Orlando Hernández, conhecido como JOH, o ex-presidente condenado por tráfico de drogas e recentemente indultado por Donald Trump.
Em 2021, os cidadãos compareceram em massa às urnas para votar contra JOH e o que ele representava na época: o Partido Nacional, após um segundo mandato obtido por meio de uma reeleição inconstitucional e envolto em acusações de corrupção, fraude eleitoral e tráfico de drogas. Quatro anos depois, em 2025, os hondurenhos votaram novamente, embora com menos entusiasmo, conscientes de que desta vez a eleição não era apenas uma questão de debate nacional. A decisão do eleitorado, em vez de um exercício soberano, parece ter se tornado uma arma empunhada por certos atores externos de acordo com seus próprios interesses.
O que Donald Trump ganha ao perdoar JOH um dia após a eleição? O que ele consegue ao apoiar abertamente um candidato hondurenho e demonizar os outros dois? O que ele está tentando fazer ao reintroduzir na consciência política uma figura que manchou a imagem internacional de Honduras como um narcoestado?
O preocupante é que, ao trazê-lo de volta aos holofotes, Trump não apenas ofereceu sua opinião sobre a eleição hondurenha: ele interveio diretamente nela. Transformou JOH — um ex-presidente condenado nos Estados Unidos — em uma peça útil em seu próprio tabuleiro político. Para Honduras, sua sombra tornou-se mais uma vez uma força incômoda e onipresente, capaz de reabrir feridas que muitos pensavam estarem cicatrizadas.
Gostaria de abordar alguns pontos sobre isso. O primeiro diz respeito à mudança na opinião pública em relação a Hernández. A rejeição categórica de 2021 foi diminuindo gradualmente e, em alguns setores, até se transformou em compaixão. O governo de Xiomara Castro contribuiu para isso ao insistir que seus fracassos e ineficiências eram consequência direta da narco-ditadura deixada por JOH. Mas essa narrativa começou a ruir quando vídeos vazaram mostrando o Secretário do Congresso — e cunhado do presidente — Carlos Zelaya, juntamente com o prefeito de Tocoa, Adán Fúnez, negociando dinheiro com narcotraficantes para a campanha do Partido Livre em 2013. Isso foi agravado pela retórica cada vez mais violenta do partido, que acabou se alinhando discursivamente com regimes como os de Ortega-Murillo na Nicarágua e Maduro na Venezuela.
Com esse episódio, o partido que se declarara íntegro passou a integrar as forças políticas ligadas ao crime organizado. O discurso que atribuía todos os males ao governo anterior começou a soar como uma desculpa... até mesmo como hipocrisia. Isso foi agravado pela máquina midiática e por certos analistas que mantiveram a família Hernández em evidência, retratando-a como um clã devoto que rezava pela libertação do ex-presidente. Falou-se mais sobre sua religiosidade do que sobre como ele governou um país onde seu próprio irmão, o deputado Antonio Hernández, e diversos membros do partido — como os prefeitos Alexander Ardón e Arnaldo Urbina — estavam envolvidos com o narcotráfico.
O segundo ponto é que Hernández deixou um longo histórico de abusos de poder. Para muitos, o narcoestado é apenas parte do problema: tão graves quanto foram a corrupção institucionalizada, o controle absoluto do aparato estatal sem mecanismos de controle, a reeleição inconstitucional e a repressão militar que deixou vítimas nas ruas. Seu legado autoritário pesa tanto quanto as acusações de tráfico de drogas, e essas feridas permanecem abertas porque nunca houve um mecanismo real de justiça.
A terceira questão, talvez a mais estratégica em termos geopolíticos, é que o caso dele é extraordinariamente manipulável. Para Donald Trump, o indulto concedido a JOH é uma ferramenta perfeita: mais um exemplo do que ele apresenta como parcialidade por parte do Departamento de Justiça. Em sua retórica, os democratas usaram o sistema judiciário contra Hernández, assim como — segundo ele — o usaram contra ele e seus associados. Dessa forma, Honduras se torna munição para um argumento que não é hondurenho, mas americano. Além disso, sua figura se torna útil para investidores estrangeiros que encontraram resistência de comunidades vulneráveis e da postura do governo Xiomara Castro em relação a projetos que corroem a soberania territorial, como as Zonas Especiais de Desenvolvimento Econômico (ZEDEs), particularmente o projeto Prospera. A recente participação de Carlos Trujillo — ex-embaixador dos EUA e lobista registrado da Prospera — como “analista” em uma sessão da Subcomissão de Assuntos Hemisféricos, liderada pela congressista republicana Maria Elvira Salazar, é um exemplo explícito de como as agendas privadas e políticas convergem em torno do caso JOH.
Além disso, não podemos esquecer que Trump e JOH eram aliados, mantendo uma relação próxima alimentada por poderosos lobistas ligados a igrejas evangélicas nos Estados Unidos, que promoviam agendas fundamentalistas em Honduras. Essas agendas variavam desde a transferência da embaixada israelense para Jerusalém até a incorporação de grupos de estudo bíblico ao Congresso Nacional entre 2017 e 2021, período em que ambos foram presidentes. Essa rede político-religiosa fez de JOH um interlocutor útil para poderosos grupos americanos. Mesmo durante a pandemia, Trump o elogiou publicamente, admirando as "decisões corajosas" do presidente hondurenho, apesar do envolvimento de ambos no uso de tratamentos contra a COVID-19 não aprovados pelo FDA no sistema público de saúde.
Todos esses pontos não conseguem curar a ferida aberta por Trump ao interferir no direito soberano dos cidadãos hondurenhos de elegerem seus líderes; pelo contrário, o resultado é um país debatendo novamente Juan Orlando Hernández, não por necessidade, mas porque outros decidiram que seu nome serve aos seus propósitos. JOH foi trazido de volta à vida política sem que ninguém em Honduras o pedisse, transformado em um símbolo manipulado do exterior. Seu retorno não diz respeito a ele pessoalmente: diz respeito à nossa fragilidade institucional e à facilidade com que Honduras pode ser usada como um ator secundário em uma disputa onde o papel da cidadania continua sendo tratado como mero detalhe.
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