As Igrejas depois de Gaza. Artigo de Fulvio Ferrario

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02 Dezembro 2025

"A compreensão teológica cristã de Israel modificou-se profundamente e, em alguns aspectos, reverteu-se, a ponto de levar a repensamento geral da autoconsciência da Igreja", escreve Fúlvio Ferrario, teólogo italiano e decano da Faculdade de Teologia Valdense, em Roma, em artigo publicado por Confronti, dezembro de 2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo. 

Todos e todas parecem concordar de que também para as Igrejas, para o Judaísmo, para o diálogo inter-religioso, existe um antes e um depois de Gaza. Durante dois anos, a tragédia se desenrolou diante dos olhos de um mundo e de uma política internacional em parte impotentes, em parte (os EUA de Trump) decididamente cúmplices do massacre perpetrado por Israel após o massacre de 7 de outubro.

O próprio Trump, apesar disso, conseguiu impor uma trégua: precária e altamente equívoca, mas ainda assim uma trégua, que até as Igrejas saudaram com bastante cautela, embora constatando a diminuição do número de vítimas da fúria desencadeada pelo Estado de Israel. Porque, é preciso que seja dito, com muita dor (pelo menos de quem sempre se considerou amigo de Israel e fervoroso defensor de seu direito de existir): Netanyahu não agiu sozinho.

Mas voltemos às Igrejas. O que elas podem fazer diante dos escombros de Gaza, dos mortos, do desrespeito a todo direito internacional e do triunfo de uma política brutal, mesmo quando arranca resquícios de trégua? As Igrejas, em primeiro lugar, rezam. Nesse cenário trágico, parece ao autor que há bons motivos para preferir a oração silenciosa no quarto, da qual Jesus fala (Mt 6,6), a manifestações espetaculares organizadas por um chefe ou um lobby religioso, com a presença de outros e outras para dar aval. Observo, porém, que não há unanimidade sobre esse ponto.

O essencial, contudo, é que a oração exista, porque a Igreja não pode renunciar a clamar ao seu Senhor sua angústia e desorientação.

As Igrejas, em segundo lugar, podem ajudar. Nisso, elas têm séculos de experiência, estruturas organizacionais comprovadas e, ainda hoje, uma capacidade razoável de arrecadar fundos. Sua intervenção, é claro, não pretende ser decisiva, mas pode ser relevante e ecumênica.

Na realidade, ainda não sabemos quando chegará o momento da reconstrução; em todo caso, não será amanhã: mas certamente chegará. Será um momento repleto de esperança, mas também a seu modo terrível, pois será marcado por imensa miséria e permeado por ódio, terror desconfiado e um luto que parece inextinguível nos tempos históricos.

A atuação das Igrejas não será inútil. É claro que também não poderá reivindicar algum tipo de inocência ou pureza: ninguém está isento da história e, nesta história, ninguém está isento de culpa. Dito isso, entre o Hamas e as Igrejas, entre Trump e as Igrejas, entre Netanyahu e as Igrejas, eu escolho as Igrejas.

Finalmente, as Igrejas podem contribuir para a luta contra o antissemitismo e o anti-islamismo. É sobremodo evidente, claro, que sua história não lhes confere credenciais particularmente confiáveis em nenhuma das frentes. Nas últimas décadas, porém, pelo menos no âmbito do catolicismo e do protestantismo, algo aconteceu e bases significativas foram postas para um futuro diferente.

A compreensão teológica cristã de Israel modificou-se profundamente e, em alguns aspectos, reverteu-se, a ponto de levar a repensamento geral da autoconsciência da Igreja. Primeiro Karl Barth e depois o Concílio Vaticano II forneceram os impulsos teológicos que estão começando a dar frutos: ainda modestos, mas que vão além do exercício acadêmico.

A incompatibilidade entre a fé em Jesus e o antissemitismo é adquirida por toda pessoa cristã consciente, católica ou evangélica; ela pode coexistir (infelizmente, tornou-se necessário reiterar isso) até mesmo com a crítica dura, não apenas da política do governo de Israel, mas também com a ideologia que aparentemente domina naquele país.

Com relação ao anti-islamismo, as Igrejas cristãs estão engajadas em duas áreas em particular. Uma delas é a compreensão da pluralidade e da riqueza do Islã, contra simplificações grosseiras; o segundo aspecto, mais visível, é o encontro concreto com as pessoas islâmicas que vivem ou transitam pelo nosso país, com o consequente empenho social, mas que nem sempre encontra consenso social.

Oração, solidariedade, conscientização: não é muito e não altera os equilíbrios da política global, mas é o desafio do presente, para além da conversa fiada.

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