27 Novembro 2025
Falta de metas sobre fósseis e desmatamento na COP deve acentuar racismo climático, aponta movimento
A informação é de Dyepeson Martins, publicada por Agência Pública, 26-11-2025.
O saldo da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém-PA, entre 10 e 21 de novembro, ficou longe do esperado por entidades ligadas ao movimento negro no Brasil. A conclusão foi apontada por ativistas pela justiça ambiental durante a Marcha das Mulheres Negras, que ocorreu em Brasília, nesta terça-feira, 25.
“Não conseguimos avançar numa rota para deixar de usar combustíveis fósseis, então os eventos extremos passam a ser ainda mais frequentes. Quando nós estamos lidando com mais chuvas, com mais calor, com mais impossibilidade de um bom planejamento urbano, você está afetando diretamente essas populações [negras]”, ressaltou Fernanda Lopes, diretora de programas do Fundo Baobá. A entidade apoia mais de 1,5 mil iniciativas voltadas à equidade racial e ao enfrentamento do racismo.
As insatisfações de Lopes, que se somaram a de outras lideranças presentes na Marcha, acompanham o coro de ambientalistas e cientistas que criticam a ausência de metas claras para a redução do desmatamento e de emissões de gases de efeito estufa no documento final da COP30. Esses são fatores que acentuam o racismo climático, segundo os participantes da Marcha ouvidos pela Agência Pública.
O governo federal chegou a apresentar, na COP30, o “mapa do caminho” para reduzir a dependência a esse tipo combustível e zerar o desmatamento em âmbito mundial. Entretanto, não houve consenso, mesmo com a pressão de dezenas de países favoráveis à iniciativa brasileira. Índia e China estavam entre as nações que barraram a proposta.
Mulheres são mais afetadas
A presidente da União de Negros e Negras pela Igualdade (UNEGRO Brasil), Marina Duarte, avaliou que as mulheres negras sofrem ainda mais com os efeitos da emergência climática. Elas somam 60,6 milhões de pessoas no país, quase 28% da população nacional, segundo dados do Ministério da Igualdade Racial.
“Somos o maior braço de trabalho do país, mas também somos o menos remunerado e o menos reconhecido. Isso transcorre no racismo ambiental, porque se recebemos muito menos, trabalhando muito mais, a gente mantém uma moradia muito mais precária”, frisou.
Pessoas negras (pretas e pardas) representam 72,9% da população das favelas, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, um relatório da ONG Habitat mostra que 66% dos moradores de áreas de risco são negros. Conforme o levantamento, cerca de 2 milhões de casas foram danificadas e 107 mil destruídas por desastres ambientais, entre 2013 e 2022 no Brasil.
Foz do Amazonas ignorada
Pouco antes da COP30, o movimento responsável pela Marcha das Mulheres Negras lançou um manifesto por justiça climática e um comitê específico sobre o tema. O objetivo é reunir diversas organizações nacionais na construção de um relatório com demandas de combate à desigualdade racial e social. O documento deve ser apresentado a autoridades, como parlamentares e ministros de Estado.
Para a representante do comitê de Justiça Climática da Marcha das Mulheres Negras, Simy Corrêa, a autorização da Petrobras – concedida em outubro para a perfuração de um poço de petróleo na Foz do Amazonas – foi outro aspecto ignorado na COP30. O empreendimento, segundo Corrêa, pode causar prejuízos mais diretos e imediatos na vida de mulheres negras que moram na costa marítima da região.
“O licenciamento ambiental [que permitiu a busca de petróleo na Foz do rio Amazonas] não considerou toda a sua área de impacto. Isso impacta especificamente mulheres negras porque os maretórios [territórios de comunidades costeiras] ao longo da costa do Pará, que vão até o Maranhão, têm as principais rotas de pescado e marisqueiras. Estamos falando de mulheres ribeirinhas, que têm ascendência indígena e quilombola”, destacou Corrêa, que também é membro da Associação de Juristas pela Democracia (ABJD).
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