18 Novembro 2025
Davi Kopenawa, Carlos Nobre e Juan Manuel Santos estão entre os líderes que cobraram urgência para proteger povos indígenas e grandes ecossistemas.
A reportagem é de Cristina Serra, publicada por Amazônia Real, 17-11-2025.
O Pavilhão de Ciências Planetárias, durante a COP30, é o primeiro espaço oficial totalmente dedicado à ciência na história das conferências da ONU sobre mudanças climáticas. Com a proposta de integrar pesquisa científica ocidental, conhecimento ancestral dos povos origários e políticas públicas, o pavilhão é copresidido por Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre Impacto Climático, e pelo cientista brasileiro Carlos Nobre, Planetary Guardian e copresidente do Painel Científico para a Amazônia. O espaço abriga painéis de alto nível, encontros entre negociadores e pesquisadores, coletivas de imprensa e lançamentos de relatórios, como o Global Carbon Budget 2025 e 10 Novas Perspectivas na Ciência Climática.
Durante a visita da reportagem da Amazônia Real ao pavilhão, a liderança indígena Davi Kopenawa Yanomami, o ex-presidente da Colômbia Juan Manuel Santos — prêmio Nobel da Paz em 2016 — e o próprio Carlos Nobre falaram sobre expectativas e apreensões sobre as negociações até agora. Ao lado da ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson, Davi e Santos participaram do painel “Três bacias: uma linha de vida”, que destacou o papel das bacias florestais da Amazônia, do Congo e do Sudeste Asiático na estabilidade climática, na resiliência econômica e no crescimento equitativo.
Davi Kopenawa Yanomami, 69 anos, manifestou ceticismo quanto à possibilidade de que a COP30 produza resultados concretos para proteger os povos indígenas e a Amazônia. “Eu não estou acreditando que a COP30 vai trazer resultados, que vai dizer para nós: ‘povos da floresta, povos indígenas, vamos respeitar vocês; ninguém mais vai garimpar, ninguém vai colocar mineração ou fazer estrada em terra indígena’. Eles não vão falar isso, não. As ameaças à nossa terra e à floresta vão continuar. Vão continuar nos atacando. Estão acostumados a fazer maldade contra nós. Eu espero pouco”, afirmou o líder, conhecido mundialmente por sua defesa dos direitos indígenas.
Ele ressaltou, porém, que continuará se manifestando na COP porque essa é a base da luta dos povos indígenas. “Faz tempo que a gente fala. Desde os anos 1980, em Brasília, nós falamos. Eu era pequeno, tinha 14 ou 15 anos. Raoni já era um grande guerreiro e, junto com ele, o primeiro indígena que foi eleito para deputado federal”, disse Davi, referindo-se a Mário Juruna, do povo Xavante, eleito em 1982.
Também presidente da Hutukara Associação Yanomami, Davi afirmou que é necessário cobrar das autoridades a proteção da floresta contra invasores. “Nós continuamos falando com as autoridades brasileiras. Tem muita gente que não quer nos escutar. Querem explorar o subsolo, fazer desmatamento, os madeireiros. Estão acostumados a não ouvir. Não querem saber, não querem falar com os indígenas. Mas nós queremos falar no ouvido deles”, afirmou.
O líder disse ainda que seu povo vai seguir pedindo respeito pela Amazônia, pelo pensamento, pelos costumes e pela língua Yanomami, além da saúde dos rios e montanhas. “As lideranças estão aqui, escutando e falando. Vamos continuar lutando. Os pajés e a nossa mãe vão continuar a cuidar de nós”, afirmou Davi, que se apresentou como xapiri, guardião da cultura e do território. “Sou o sonhador da floresta”, disse.
Amazônia e recifes de corais
A Amazônia e os recifes de corais foram destacados na declaração entregue por cientistas na sexta-feira (14) ao presidente da COP30, André Corrêa do Lago, à ministra Marina Silva e ao vice-presidente Geraldo Alckmin. O documento alerta que o mundo está a poucos anos de ultrapassar 1,5°C e de acionar pontos de inflexão como o colapso da floresta amazônica e a perda dos corais tropicais. Os autores pedem que a conferência estabeleça um roteiro claro para eliminar rapidamente os combustíveis fósseis e encerrar o desmatamento, a única forma de evitar impactos considerados irreversíveis.
Carlos Nobre, um dos autores da carta, disse que a Amazônia e os recifes foram escolhidos para estar na carta porque são dois exemplos dramáticos do chamado “ponto de não retorno”, ou seja, quando um ecossistema está muito perto de atingir um limite crítico a partir do qual muda de forma irreversível e entra em colapso. Nobre destacou, contudo, que existem mais de vinte pontos de não retorno no planeta caso as emissões de gases do efeito estufa não sejam reduzidas drasticamente. “Não podemos perder a Amazônia de jeito nenhum”, afirmou Nobre, preocupado com as secas e incêndios florestais mais frequentes na região.
Na entrevista à Amazônia Real, Nobre fez um apelo para que a ciência oriente as decisões finais da COP30. “A ciência tem que ser ouvida. Há mais de 30 anos, desde o início do IPCC, alertamos para o risco do aquecimento global. Agora estamos na beira do ecocídio, do suicídio ecológico do planeta. A ciência diz que precisamos acelerar muito a redução das emissões, já que 75% delas vêm dos combustíveis fósseis. Temos que ampliar rapidamente o uso de energias renováveis e zerar o desmatamento de todas as florestas, principalmente as tropicais”, afirmou.
Sobre os recifes de coral, o cientista explicou que, se a temperatura dos oceanos tropicais ultrapassar 1,5°C e chegar a 2°C, praticamente todos serão perdidos. “Os recifes mantêm de 18% a 25% da biodiversidade oceânica. Se não reduzirmos rapidamente as emissões, podemos chegar a 2050 com dois graus de aquecimento. Isso é um ecocídio”, disse. Ele lembrou que o mundo já perdeu entre 30% e 50% desses ecossistemas e que, apenas nos últimos três anos, mais de 80% sofreram branqueamento severo.
Nobre acrescentou que, além da eliminação dos combustíveis fósseis, são necessárias soluções baseadas na natureza. “Podemos praticamente zerar o uso de combustíveis fósseis até 2040. E temos que restaurar os biomas. Os estudos mostram que, até 2040, precisamos restaurar de cinco a seis milhões de quilômetros quadrados, principalmente de florestas tropicais. O Brasil pode liderar esse esforço, com a restauração de um milhão de quilômetros quadrados. Isso removeria de seis a sete bilhões de toneladas de CO₂ por ano, de forma permanente, até depois de 2100. É essencial manter a temperatura abaixo de 1,7°C — não pode chegar a dois graus. Então é isso: zerar rapidamente todas as emissões e remover de seis a sete bilhões de toneladas por ano para sempre”, afirmou.
Perguntei a ele se existe, na COP30, vontade política para superar a dependência de combustíveis fósseis, como defendeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no discurso de abertura da cúpula. Nobre respondeu de forma cuidadosa.
“Eu só posso falar da mensagem da ciência. Não sou negociador. A ciência deixa muito claro o que é preciso fazer. Nós temos que torcer muito. E temos que zerar o desmatamento em todos os biomas do mundo e fazer uma mega restauração florestal. A restauração de cinco a seis milhões de quilômetros quadrados não é apenas para remover gás carbônico; é também para proteger a biodiversidade. Se continuarmos a desmatar e degradar as florestas tropicais, vamos gerar inúmeras epidemias e pandemias. A ciência mostra que essa degradação pode provocar de uma a duas pandemias por década”, alertou Nobre, que integrou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) — órgão que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007.
Paz com a natureza
O ex-presidente da Colômbia Juan Manuel Santos, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2016 por liderar o acordo que encerrou mais de cinco décadas de guerra civil com as Farc, também falou sobre a necessidade de construir uma “paz com a natureza”.
Perguntei como a experiência de conduzir um processo tão complexo poderia ajudar a COP a tomar as decisões que o mundo espera para evitar a catástrofe climática. Santos respondeu à Amazônia Real: “A paz se alcança com o que Nelson Mandela chamava de diálogo construtivo. O que é o diálogo construtivo? É sentar-se com os que pensam diferente, escutá-los, aprender com eles e encontrar denominadores comuns. É assim que se faz a paz não somente entre seres humanos, mas também a paz com a natureza. Se não há paz com a natureza, não há paz entre as pessoas”, afirmou.
Santos disse ainda que o cenário geopolítico é complexo, mas que ele espera que os países tomem decisões “audaciosas” na COP30. “É preciso haver vontade política para tomar esse tipo de decisão. Estamos vivendo circunstâncias que dificultam a tomada de decisões, pelo ambiente de polarização no mundo. Mas o que a ciência nos diz é que se não tomarmos essas decisões de maneira contundente, não teremos futuro. Então, os políticos e os que presidem as delegações têm que avaliar o caminho a seguir. Eu espero que sigam pelo caminho correto que é salvar o planeta. Não podemos ficar paralisados simplesmente porque os Estados Unidos não estão aqui. Se os Estados Unidos não querem participar, que fiquem para lá, mas o resto do mundo tem que seguir adiante. Estamos tratando do nosso futuro”, completou.
Segundo Santos, os povos indígenas são os que mais têm conhecimento, experiência e ideias efetivas para proteger as florestas. “Na Colômbia, aprendi com eles sobre o que fazer para proteger a floresta e a biodiversidade. Eles abriram um mundo novo para mim. A ciência e os povos indígenas devem nos guiar. São essenciais para salvar o planeta”.
Durante o painel, a ex-presidente da Irlanda e defensora da justiça climática, Mary Robinson, lembrou que o Acordo de Paris — impulsionado pela sociedade civil, pelos povos indígenas e pelos países insulares ameaçados pela elevação do nível do mar — estabeleceu a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. “Temos muito mais o que temer agora. As pessoas precisam estar no centro das decisões, incluindo os povos indígenas. Gostei muito da proposta do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) e do fato de que 20% dos recursos irão para os povos indígenas”, afirmou. O fundo, proposto pelo Brasil, já reúne compromissos de US$ 5,5 bilhões de quatro países”, afirmou.
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