15 Novembro 2025
O grande sociólogo teria completado cem anos no dia 19 de novembro. Ninguém entendia tão bem quanto ele a fragilidade das ferramentas que havíamos criado para proteger empregos, direitos e a democracia.
A reportagem é de Ezio Mauro, publicada por La Repubblica, 14-11-2025.
A essa altura, ele já estava sentado, acampado na última linha de falha da contemporaneidade, onde a modernidade se estilhaça, a comunidade se dispersa e as ondas do caos batem, ameaçando, como uma tentação, subjugar a racionalidade: com duas mechas de cabelo laterais, como o ícone de um cientista do século XX, com todas as rugas do século na testa e, sob as longas sobrancelhas brancas, aqueles olhos escuros que nunca paravam de sondar, porque ainda havia, e sempre havia, algo a compreender.
Zygmunt Bauman não era inquieto: era intelectualmente curioso, aguardando constantemente a última mutação da realidade, um fenômeno que surpreende ao se manifestar, mas que, ao mesmo tempo, explica, revela, expande as fronteiras do conhecimento, nos ajuda a compreender. Já idoso, não temia o novo nem o exorcizava fechando-se em suas certezas, mas o acolhia como objeto de estudo, estímulo, ponto de partida para a contradição, mudança de perspectiva. Pronto, amanhã, para lhe dar um nome e classificá-lo com um juízo em seu interminável catálogo de sociólogo, filósofo, fenomenólogo e, sobretudo, testemunha de seu tempo.
Sua ciência, em vez de brotar do novo mundo, surgiu da ruptura do século em que passou quase toda a sua vida e onde sua experiência se concretizou. Observando os resultados do século XX, percebemos hoje quão rígidos, duros, até mesmo mecânicos eram os trilhos aos quais havíamos confiado nossos caminhos, das ideologias aos atos de fé, da divisão de classes aos muros, às instituições produzidas pelo encontro entre os pares dominantes do século: cultura e política, trabalho e direitos.
Como se precisássemos nos proteger de nós mesmos, havíamos codificado a transição da misericórdia para a solidariedade com o bem-estar social, e confiado o progresso à aliança entre capital e trabalho, sob a garantia que imaginávamos ser perene — após o horror da guerra — da democracia, finalmente hegemônica sobre os dois totalitarismos. Tudo tinha uma substância quase material, tudo era sólido, ou pelo menos havia sido construído para durar, para resistir e para dominar o futuro: que, de fato, era chamado de futuro.
Bauman foi o primeiro a testemunhar o desmoronamento dessa utopia do século XX e a dispersão anônima de seu legado político, social, cultural e moral. Ele conheceu em primeira mão o abismo do comunismo estatal, vivenciado em sua Polônia natal e indelével no legado de uma trágica consciência da história. Além disso, ele também sabia que a experiência do mal não surge da barbárie, mas da ordem sem pensamento, da obediência obtusa, da racionalidade como um fim em si mesma, na busca por um sistema tão perfeito quanto uma máquina, de uma ordem sem alma. A verdadeira desordem, sugeriu ele, é a perda de sentido, a renúncia à significância, quando uma civilização gera seu oposto. Inevitavelmente, ele deslocou seu ponto de observação da certeza para a dúvida, da mecânica para a flexibilidade, introduzindo-nos a uma nova era de instabilidade, do precário, onde tudo é móvel e provisório, até mesmo as identidades.
Sem intenção, ele se tornou uma estrela do pensamento em uma era imemorial que se reconheceu em sua radiestesia definidora, quando intuiu e trouxe à luz essa realidade secundária pouco atraente e frequentemente oculta: frágil, intermitente, efêmera, incapaz de durar o suficiente para se desdobrar e sempre esquiva. Conceitualmente, ele presidiu o ponto de ruptura e, como um alquimista moderno, investigou o momento exato em que o aço dá lugar ao silício, a fábrica à rede, quando a solidez se estilhaça e desmorona, o mundo ao nosso redor se torna líquido, tudo flui e passamos da verticalidade da construção para a horizontalidade da flutuação.
Em seu panorama cultural e social, todas as certezas estão sendo revogadas; nenhum mecanismo nos protege da incerteza. A era da supertecnologia não inventou um mecanismo capaz de salvaguardar a história, a memória e os sentimentos, tão mutáveis quanto as opiniões que se tornam impressões e, muitas vezes, param antes mesmo disso, no estágio das emoções. Inevitavelmente, a celebridade substitui a fama, a notoriedade desloca a estima, a aparência se sobrepõe à reputação, a representação confisca a verdade. Na era da velocidade, da contemporaneidade e da ubiquidade, as coisas que vivenciamos mudam antes mesmo de tomarem forma; nada dura o suficiente para se tornar um ponto de referência seguro.
As repercussões são políticas e até morais. Num mundo compacto, vivíamos juntos; num universo fluido, navegamos sozinhos, para onde a corrente nos leva. Até mesmo a moral comum é despedaçada por práticas privadas e abusos individuais. Falta uma Causa coletiva com a qual nos identificarmos e pela qual lutarmos juntos. Regredimos à dimensão da multidão, que se contenta em simplesmente ouvir, enquanto o público precisa compreender. Na explosão de opiniões privadas, através das redes sociais, esse elemento delicado e decisivo da democracia — a opinião pública — se perde, e entramos mais uma vez no que Walter Lippmann chamou de fase da anemia, quando todo o apetite pelo futuro se esvai e toda a curiosidade pela condição humana desaparece.
O homem de Bauman é mais solitário, desiludido e perdido em meio a formas sociais transitórias, incapaz de gerar verdadeira responsabilidade política, em uma sociedade que, depois de ter sido protagonista, volta a ser apenas um palco, muitas vezes vazio. Até os dilemas são simplificados em sua radicalidade, e o pêndulo de nossas vidas oscila agora entre o exercício da liberdade e a necessidade de segurança, negociando uma troca diária de ações com um Estado-nação que já não consegue garantir o que promete, devido à dimensão universal dos problemas que o assolam. E, no entanto, diz Bauman, uma certeza sobrevive, que preserva o que resta de esperança: não estamos determinados, somos autônomos, armados com aquela palavrinha de duas letras que protege nossa liberdade: não. Mais uma vez, e felizmente, ele concluiria, tudo depende de nós.
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