22 Outubro 2025
O sociólogo Douglas Massey argumenta que os tipos de migração estão mudando: as pessoas não estão mais deixando os países em busca de um futuro melhor, mas fugindo das ameaças do tempo presente.
A entrevista é de Claudia Lorenzo Rubier, publicada por Telos, 17-10-2025. A tradução é do Cepat.
O sociólogo americano Douglas Massey é o vencedor do Prêmio Princesa das Astúrias de Ciências Sociais 2025 por ter feito, segundo o júri, “contribuições fundamentais para a compreensão da migração internacional e suas consequências para a segregação urbana e a estratificação social”.
Às vésperas de ir para as Astúrias, onde nunca esteve, Massey não se deixa abalar pela possibilidade de o clima do norte o receber com chuva. “Sem problema, eu cresci perto de Seattle”, diz.
Efetivamente, ele nasceu no estado de Washington em 1952. Sua família materna é da Finlândia, de onde se mudou para os Estados Unidos no início do século XX; por isso, sempre sentiu afinidade pelos migrantes. E quando começou a estudar espanhol (língua que ainda fala), interessou-se pela cultura latino-americana, pois seus professores eram em sua maioria mexicanos.
Assim, Massey estudou especificamente a migração mexicana e centro-americana para os Estados Unidos. Durante anos, foi codiretor, juntamente com Jorge Durand, da Universidade de Guadalajara, do Mexican Migration Project (Projeto de Migração Mexicana): “Quando terminei meu doutorado, sobre a segregação residencial dos latinos, fui apresentado a um aluno que estava concluindo sua graduação em Antropologia. Passamos um ano no México, no estado de Michoacán, onde 75% dos domicílios tinham alguém trabalhando nos Estados Unidos. Percebi que informações muito precisas sobre o processo migratório poderiam ser coletadas in loco; então decidi estudar comunidades específicas e criar um banco de dados, que eventualmente se tornou o Mexican Migration Project”.
Após a aposentadoria de ambos, o projeto migrou (“como todos nós migramos quando as circunstâncias mudam”, acrescenta Massey) da universidade onde leciona há décadas, Princeton, para Brown. Atualmente, é codirigido por um de seus ex-alunos, David Lindstrom, e por Silvia Giorguli Saucedo e Jéssica Nájera Aguirre, do Colégio do México, sob o nome de Mesoamerican Migration Project.
Atualmente, comenta, “o mundo está mudando muito rapidamente, e não necessariamente para melhor. A hostilidade em relação aos migrantes faz parte de uma reação muito mais ampla contra a globalização, com as classes média e baixa ressentidas com a desigualdade que ela causou. Além disso, demagogos surgiram para explorar esses sentimentos. A globalização baseou-se na expansão dos mercados e da democracia, e nenhum dos dois está se expandindo mais; em vez disso, estão recolhendo. Estamos caminhando para sistemas políticos mais autoritários e um sistema comercial em que os poderosos impõem acordos aos países mais fracos”.
E prossegue sua reflexão: “Os migrantes são alvos fáceis porque são vulneráveis, diferentes e podem ser apresentados como uma ameaça à sociedade. Na história dos Estados Unidos, houve muitas reações contra a imigração, e elas sempre coincidem com o aumento da desigualdade e da insegurança. Isso aconteceu na década de 1840 contra os católicos irlandeses e alemães, e na década de 1920 contra os europeus do sul e do leste. Agora, os latinos são o grupo racialmente marginalizado”.
Eis a entrevista.
É curioso que esses ciclos se repitam em uma nação que foi construída por imigrantes.
Os estadunidenses são péssimos em história. Sempre olham para frente, não para trás. Se você conversar com ítalo-americanos da terceira geração, eles dirão que seus pais chegaram legalmente, aprenderam inglês muito rapidamente e trabalharam para se integrar. Mesmo que não tenha sido isso que realmente aconteceu. Some-se a isso a ascensão de demagogos, e o fato de que não houve nenhuma contranarrativa. Ninguém se levantou para dizer que os imigrantes construíram os Estados Unidos e que, se tiverem a oportunidade, construirão os Estados Unidos do futuro. Isso pode ser comprovado pelas ciências sociais, mas todos têm medo de dizê-lo.
Será que estamos perdendo uma oportunidade de abordar a questão de forma diferente, de uma perspectiva política?
Muitas pessoas da esquerda migram para a direita pensando que talvez assim cheguem a um acordo, mas isso nunca funciona. Obama assumiu o cargo pensando que poderia unir os Estados Unidos e, antes mesmo de começar a negociar, reforçou a vigilância nas fronteiras e aumentou as deportações para níveis recordes. Em sua mente, ele pensava: “Vou mostrar a eles que posso estar mais em sintonia com a aplicação da lei. Então, eles concederão alguma reforma migratória”. Mas isso nunca iria acontecer. E essa parece ser a direção que a esquerda está tomando em todo o mundo. Eles acreditam na retórica da ameaça em vez da retórica da oportunidade.
Além disso, a situação da migração está mudando.
Atualmente, ninguém está usando argumentos humanitários. O que costumava ser um fluxo de trabalhadores migrantes mexicanos chegando aos Estados Unidos em busca de oportunidades econômicas está se tornando cada vez mais refugiados em busca de asilo. E a resposta do governo Trump é criminalizá-los, rotulando-os como parasitas e criminosos que devem ser exterminados.
O que você, como especialista, gostaria de dizer sobre este tema?
Os migrantes só se tornam um problema quando tentamos impedir algo que ocorre naturalmente. As pessoas migram, e o fazem por boas razões. É melhor considerar os migrantes como um recurso potencial: dar-lhes oportunidades e ajudá-los a construir a sociedade. A maior parte do que ouvimos na esfera pública sobre eles é falsa, baseada em atitudes preconceituosas e explorada por pessoas que buscam poder e influência ilegitimamente. A globalização corre grave risco de entrar em colapso, e é por isso que Donald Trump é tão perigoso: os Estados Unidos foram um ator fundamental na construção e manutenção da economia global, e seu presidente está fazendo tudo o que pode para destruí-la.
Em um estudo sobre a influência da violência vocês concluíram que, no México, este não era um fator significativo na migração ilegal para os Estados Unidos.
O que descobrimos foi que a violência no local de origem prenunciava a migração, mas dentro do próprio México. Mas devemos ter em mente que, naquela época, os Estados Unidos estavam abrindo muitas vias legais e a migração ilegal estava em declínio. No entanto, os dados mudam muito rapidamente. A violência é cada vez mais um fator de pressão, assim como as mudanças climáticas, tanto no México como em outras partes da América Latina.
Minha ex-aluna Filiz Garip, que me substituiu em Princeton, está analisando dados de satélite sobre mudanças territoriais e circunstâncias ecológicas e climáticas, que depois cruza com a migração. E ela observa que o número de migrantes no mundo está aumentando, assim como a proporção daqueles que o fazem para escapar de ameaças.
Você também estudou a discriminação residencial nos Estados Unidos.
Quando comecei a estudar a segregação latina, havia três grupos básicos: mexicanos no sudoeste, porto-riquenhos no nordeste e cubanos no sul da Flórida. Em relação à discriminação, o grupo porto-riquenho se destacava. A raça era um fator importante, e isso tornou a assimilação mais lenta: os porto-riquenhos eram prejudicados por seu baixo status socioeconômico e muito racismo. Mas os mexicanos e os cubanos não eram tão segregados.
O que mudou ao longo do tempo é que a população latina aumentou muito, e grande parte dela está em situação irregular. Essa “ilegalidade” se tornou uma desculpa para demonizá-los e também é uma enorme barreira à mobilidade social e espacial, o que fomenta a guetização: os bairros que abrigam latinos ficaram lotados de latinos, isolando-os ainda mais. O problema agora é que a maioria são pais de cidadãos estadunidenses.
Portanto, mesmo quando esses filhos são residentes legais, beneficiários permanentes do DACA (que permite que aqueles que chegaram ilegalmente quando crianças tenham acesso a autorizações de trabalho) ou cidadãos naturalizados, elas têm medo de progredir socialmente por receio de chamar a atenção para seus pais e serem deportados. Isso é um fardo enorme para a próxima geração.
No ano passado, estive em Nova York e, pela primeira vez, vi famílias latino-americanas mendigando, algo que eu nunca tinha visto antes. O que mudou no contexto atual?
As políticas são agora muito mais excludentes. No início dos anos 2000, os migrantes eram principalmente mexicanos e centro-americanos. Estes últimos tiveram mais dificuldade de integração porque não tinham redes sociais. Os jovens, especialmente os adolescentes, eram velhos demais para ter um bom desempenho no sistema escolar e foram os que acabaram nas ruas, em gangues como a Mara Salvatrucha, que nasceu em Los Angeles.
Mas devemos ter em mente que a origem de tudo isso foi a intervenção militar e política dos EUA na América Central, que levou a deslocamentos em massa de pessoas que não tinham um caminho legal para se refugiar. Aqueles que vemos nas ruas hoje são venezuelanos que não têm para onde retornar. Eles têm o direito, sob a lei americana e internacional, de cruzar a fronteira dos Estados Unidos e solicitar asilo para que seus casos sejam julgados, mas isso não está sendo feito.
No entanto, essas não são pessoas com pouca formação. São migrantes que seriam bons para nós, mas não os queremos. Embora precisemos de mão de obra, embora tenhamos a capacidade de absorvê-la, embora tenhamos assimilado e integrado 1,3 milhão de vietnamitas na década de 1970, não fazemos mais esse tipo de coisa.
Os países anfitriões têm capacidade para absorver mais pessoas do que alegam?
Sim, uma capacidade muito maior. As taxas de fertilidade na Europa são ainda mais baixas do que nos Estados Unidos, a população está envelhecendo muito rapidamente e há escassez de mão de obra. Os migrantes venezuelanos não têm dificuldade em encontrar trabalho nos níveis mais baixos da escala profissional na Espanha. Eles são necessários, mas há uma resistência alimentada pelo medo. E as políticas são insanas. Então, acolhemos um monte de requerentes de asilo, os abrigamos e não os deixamos trabalhar. Depois os culpamos por usar os recursos públicos. É autodestrutivo.
A reação aos migrantes sempre tem um componente econômico, não é mesmo?
É uma combinação de status socioeconômico, mas também racial. Eu concluí o ensino médio em 1970. Naquela época, setores inteiros de emprego eram reservados para pessoas como eu, homens brancos. Muitos empregos estavam fora do alcance das mulheres. Os negros eram segregados em ocupações de status inferior, e os latinos e asiáticos eram populações minoritárias. Hoje, os latinos representam 14% da população. Uma grande parcela deles não possui status legal, e outra grande parcela é formada por minorias visíveis, com pele escura e características africanas, o que sempre foi uma dimensão importante da estratificação nos Estados Unidos.
Um anterior vencedor do prêmio que você está prestes a receber, o sociólogo Alejandro Portes, disse nas Astúrias que a imigração para a Espanha era tão recente e tão rápida que não houve tempo para desenvolver uma cultura racista.
Grande parte da migração inicial para a Espanha, após a adesão à União Europeia, foi bem-vinda. Os turistas alemães e britânicos traziam dinheiro. O maior problema de integração pode ser com os africanos, porque eles tinham pele escura, mas muitos outros migrantes falavam espanhol. Ao acolher migrantes, a Espanha tem sido um verdadeiro modelo para a Europa sobre como pagar as dívidas de seu passado colonial na América Latina.
Atualmente, fala-se em aceitar migrantes que tenham uma “cultura próxima” daquela do lugar do destino.
Faz sentido pensar nisso como um critério. Procuram-se pessoas que se encaixem, o que, no caso da Espanha, é fácil de ver com a migração latino-americana. Mas, moralmente, significa dividir as pessoas entre aquelas que são dignas e aquelas que são indignas. E, em termos práticos, a diversidade que a pesquisa em ciências sociais mostra ser benéfica se perde. Se houver homogeneidade, tomam-se decisões estúpidas porque ninguém as questiona. A diversidade torna a sociedade flexível e com visão de futuro.
Qual farsa mais o assusta sobre a migração?
Trump está tentando retratar as cidades estadunidenses como lugares perigosos onde os militares precisam intervir. E os migrantes e os afro-americanos são uma parte importante dessa narrativa. Então, ele envia tropas ou o ICE para Chicago, Portland ou qualquer outro lugar. Mas não há nenhum problema real ali que não exista há anos e não tenha sido resolvido pelas autoridades locais. As intervenções militares provocam reações, e essas reações se tornam justificativas para uma maior militarização. É algo que os nazistas fizeram na Alemanha na década de 1930.
Outro dia, li o escritor mexicano Jorge Volpi dizer que, dada a perda de esperança no mundo de hoje, “se alguém ainda tem esperança no futuro, são os migrantes”.
Esperança e, com base nisso, motivação para se integrar. Eles não têm nenhum incentivo para serem preguiçosos e não fazerem nada. Querem trabalhar. Querem progredir e que seus filhos também prosperem. E isso é benéfico para a sociedade. Um dos projetos em que trabalhei com Jorge Durand foi “Milagres na Fronteira”. Estávamos interessados na arte popular mexicana, então viajamos até o Santuário da Virgem de San Juan de Los Lagos, no planalto de Jalisco, para ver os retábulos que cobrem todas as paredes. Tudo o que pode acontecer a um ser humano acaba exposto ali, em uma daquelas pinturas que agradecem à Virgem por um milagre concedido ou um favor recebido.
Descobrimos que muitos deles tinham a ver com experiências de migração para os Estados Unidos. Então decidimos criar uma coleção e reunimos cerca de 60 retábulos, que foram expostos pela primeira vez na Cidade do México. A exposição fazia parte da nossa tentativa de permitir que os migrantes contassem suas próprias histórias. Quando Jorge e eu nos aposentamos, deixamos o acervo para o Museu de Arte da Universidade de Princeton, que agora o expõe na ala dedicada à arte latino-americana. Um dos vigias da galeria nos contou que as pessoas normalmente entram e saem rapidamente da maioria das galerias. Mas nesta, elas entram e demoram muito para sair.
Bibliografia
Durand, J., Massey, D. S. (2001): Milagros en la frontera. Retablos de migrantes mexicanos a Estados Unidos. San Luis Potosí, El Colegio de San Luis, А.C.
Massey, D. S. (2017): Comprender las migraciones internacionales: Teorías, prácticas y políticas migratorias. Manresa, Bellaterra Edicions.
Massey, D. S., Durand, J., & Pren, K. A. “Lethal Violence and Migration in Mexico: An Analysis of Internal and International Moves”, em Migraciones Internacionales (2020, Vol. 11).
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