18 Outubro 2025
"Talvez a verdadeira revolução educacional comece quando a escola voltar a ser um espaço de vínculos onde: o olhar, a escuta e o respeito recobrem o seu valor. Porque, enquanto o desrespeito gritar mais alto que o diálogo, estaremos condenando não apenas a aula, mas o próprio futuro."
O artigo é de Robson Ribeiro, teólogo, historiador e filósofo.
Eis o artigo.
“A crise não nos autoriza o desespero, mas nos obriga a repensar — e a começar de novo.” — Hannah Arendt
O desrespeito em sala de aula tornou-se o novo ruído da educação brasileira. Não é apenas o som das conversas paralelas, dos celulares vibrando ou das risadas descompromissadas: é o barulho de uma geração que perdeu o vínculo com o sentido de aprender e com o valor do outro. O professor, que antes ocupava o lugar de autoridade e referência, hoje precisa disputar atenção com telas, algoritmos e um mundo saturado de estímulos imediatos. Em meio a esse cenário, a figura do educador é constantemente deslegitimada, não pela escola, mas pelos grupos de WhatsApp dos pais que insistem em determinar o que ele deve lecionar.
O desrespeito não nasce do nada. Ele é fruto de uma sociedade que, há muito tempo, deixou de valorizar o conhecimento como caminho de libertação. Cresce uma geração que enxerga o estudo como obrigação, não como possibilidade. A escola, para muitos, tornou-se um cenário de passagem, um espaço sem pertencimento, sem propósito e sem escuta. Falta o compromisso com o aprender porque falta o reconhecimento do porquê se aprende. Quando o saber perde sua razão de ser, o esforço perde sentido e o respeito desaparece.
Vivemos um tempo em que a autonomia foi confundida com indiferença, e a liberdade, com a ausência de limites. O estudante de hoje já não se reconhece nos velhos vínculos que estruturavam o ato de aprender, como: o respeito à autoridade, a valorização do silêncio, a admiração pelo conhecimento. Tudo parece relativo, líquido e passageiro. Como diria Zygmunt Bauman, a modernidade líquida dissolveu não apenas os laços sociais, mas também os vínculos de sentido. O resultado é uma geração que sabe muitas coisas, mas não sabe por que saber importa.
E no centro desse turbilhão está o professor, detentor do conhecimento que sobrevive e é testemunha de um tempo em que o saber foi substituído pelo “achar”, e o esforço, pelo imediatismo. Diante de olhares distraídos e gestos desrespeitosos, o educador insiste e resiste. Continua acreditando que o conhecimento ainda pode atravessar o muro da apatia e alcançar o coração. É ele quem sustenta, com dignidade silenciosa, o pouco que resta de sentido dentro da escola.
O desrespeito em sala de aula, portanto, não é apenas um problema disciplinar, é o sintoma de uma crise mais profunda: a crise de sentido do aprender. Quando o estudante não vê futuro, quando o estudo não faz sentido e quando o professor não é reconhecido como mediador do mundo, a educação deixa de ser um encontro e se torna um desencontro coletivo.
Talvez a verdadeira revolução educacional comece quando a escola voltar a ser um espaço de vínculos onde: o olhar, a escuta e o respeito recobrem o seu valor. Porque, enquanto o desrespeito gritar mais alto que o diálogo, estaremos condenando não apenas a aula, mas o próprio futuro.
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