06 Outubro 2025
Para Ilan Pappé, Israel vive uma crise política, moral e institucional que marca o fim de um capítulo de sua história: o início do fim do projeto sionista.
A entrevista é de Francesca Mannocchi, publicada por La Stampa, 05-10-2025.
Renomado historiador israelense, uma das vozes mais fortes dos novos historiadores do país, ele é professor de história na Universidade de Exeter, na Grã-Bretanha, onde também dirige o Centro Europeu de Estudos Palestinos. Mais conhecido por seu livro de 2006, "A Limpeza Étnica dos Palestinos", ele lançará seu novo livro, "O Fim de Israel", nas livrarias italianas a partir de 7 de outubro.
Eis a entrevista.
Eu gostaria de começar com os eventos das últimas horas: as respostas do Hamas e de Netanyahu ao plano de paz de Trump. O otimismo do presidente dos EUA e o ceticismo dos analistas. Vamos começar por aqui. Como historiador, como o senhor avalia o plano de vinte pontos para o período pós-Gaza?
O plano de Trump tem todas as características de propostas de paz anteriores e processos fracassados até agora. A primeira: ninguém conversa com os palestinos. Todos lhes dizem qual deve ser o futuro da Palestina, sem entender que qualquer proposta que não seja discutida com os palestinos está fadada ao fracasso.
E esta também fracassará. Depois disso, em um futuro próximo, acredito que haverá uma troca de reféns e prisioneiros. Acredito que o exército israelense dará algum alívio ao povo de Gaza, mas não acho que isso resolverá o principal problema que temos em Israel e na Palestina, que é a incapacidade dos israelenses de aceitar os palestinos como cidadãos com direitos iguais, como seres humanos iguais. O programa não responde à natureza básica do projeto sionista, que é um projeto que visa eliminar os palestinos na Palestina, não necessariamente por meio de genocídio, mas confinando-os em enclaves como pequenos bantustões, algo que a maioria dos palestinos nunca aceitará. Portanto, é um plano que não aborda realmente a raiz do problema. É em parte uma farsa, em parte um jogo, em parte a maneira de Trump pensar que tudo é um problema de negócios, e muitos outros, como Tony Blair, que acham que há muito dinheiro envolvido em tudo isso. Então, acho que sim, haverá uma tentativa, mas não terá sucesso.
Vamos começar com o título do seu livro: Israel on the Brink of the Abyss [Israel à beira do abismo] na versão em inglês, La fine di Israele [O fim de Israel] na versão em italiano. Onde você vê os sinais do fim de Israel?
Israel como o vemos hoje não pode sobreviver por muito tempo, porque estamos vivenciando o fim de um capítulo na história do sionismo. Já está diante dos nossos olhos. O sionismo tornou-se colonialismo quando europeus, judeus não europeus e uma minoria de judeus na Europa decidiram que os judeus não tinham futuro na Europa, mas deveriam, de alguma forma, "permanecer europeus". Assim, o sionismo visava estabelecer um Estado europeu no mundo árabe, com a ideia de que o futuro dos judeus seria melhor atendido por um Estado judeu no coração do mundo árabe e às custas dos palestinos. Algo que só poderia ser alcançado e sustentado pela força, pela limpeza étnica, e que, com o tempo, se tornou uma ideologia de Estado. Uma ideologia de apartheid.

Livro "La fine di Israele: Il collasso del sionismo e la pace possibile in Palestina", de Ilan Pappé (2025).
Que questões considera cruciais para compreender a crise do projeto sionista que o senhor descreve no livro?
O primeiro é um problema interno do sionismo: tentar definir o judaísmo como nacionalismo.
Hoje, depois de oitenta anos, sabemos que isso não funciona. É como se fosse impossível falar sobre o cristianismo como nacionalidade, ou o islamismo como nacionalidade. Também é impossível falar do judaísmo como nacionalidade, e o resultado dessa impossibilidade é que judeus seculares e mais religiosos agora acham impossível concordar sobre o que significa ser judeu. E este não é apenas um problema individual, é um problema coletivo, do espaço público, isto é, do caráter do Estado: ele é governado por ideias judaico-teocráticas ou é governado por ideias modernas? Este problema, sem solução há oitenta anos, hoje se transformou em um conflito social. Então, este é o primeiro fato: o fracasso em fazer o judaísmo e o nacionalismo coincidirem.
Em seu livro, o senhor descreve e divide entre um Estado secular, Israel, e um Estado religioso, o Estado da Judeia. Como essa divisão se tornou irreversível na sociedade e na política israelense?
É uma divisão muito aguda. Estou falando do Estado da Judeia, o tipo de Estado alternativo ao atual Estado de Israel que surgiu primeiro nos assentamentos judaicos na Cisjordânia, mas que, na prática, se espalhou por todo Israel. A melhor maneira de descrever esse processo é que o Estado da Judeia está engolindo o Estado de Israel.
Os expoentes e representantes do que chamo de Estado da Judeia já têm uma presença dominante na política, nos serviços de segurança, entre os generais.
Devemos lembrar que há muitos israelenses que não sabem o que é o Haaretz, e agora estão atacando o sistema judicial.
O último bastião que eles precisam conquistar é a Suprema Corte de Israel, e eles estão a caminho de conquistá-lo. Eles já têm o parlamento. Eles têm o governo.
Agora, mesmo que algumas mudanças possam ocorrer devido à personalidade particular de Netanyahu, ele continuará sendo uma força dominante na política e na vida israelense. E é muito difícil imaginar uma dinâmica de mudança que possa realmente desafiar sua predominância na política e na vida israelense.
Falemos sobre a importância da memória coletiva e o apagamento da história palestina, a catástrofe do deslocamento e da limpeza étnica na esfera pública israelense.
Esta questão diz respeito à relação histórica com os palestinos. O DNA do projeto sionista é um projeto colonial de colonização que considera a população indígena nativa um problema que deve ser resolvido. Geralmente removendo-a ou eliminando-a. E isso é algo que permeia o sistema educacional, o sistema político, o sistema cultural. Os israelenses, desde a infância, são doutrinados a pensar nos palestinos como seres humanos inferiores, como um problema demográfico, como um obstáculo à sua vida em "segurança". Se você pensar bem, é realmente notável que o sionismo esteja presente na Palestina há 120 anos e que 99% dos judeus israelenses não saibam árabe. Isso diz muito sobre o quão distantes eles estão da sociedade, da comunidade e da cultura palestinas.
Qual o papel das narrativas históricas e da memória, e qual o papel que poderiam ter, no questionamento do projeto sionista?
Veja bem, nos últimos vinte ou trinta anos, o que parecia ser uma posição ideológica palestina — a memória da catástrofe, da Nakba — foi apoiada por pesquisas acadêmicas.
Até trinta anos atrás, quando os palestinos alegavam ter sido vítimas de limpeza étnica em 1948, as pessoas ao redor deles diziam: "É a sua propaganda, não a verdade". Então, hoje, pesquisadores concordam que um crime contra a humanidade ocorreu em 1948 contra os palestinos. Da mesma forma, a alegação de que Israel não é uma democracia é corroborada por acadêmicos e organizações de direitos humanos — Human Rights Watch, Anistia Internacional — o Tribunal Internacional de Justiça, o Tribunal Penal Internacional. Então, algo mudou na percepção da narrativa sionista como propaganda não baseada em fatos, mas como manipulação e fabricação da verdade.
A esquerda israelense hoje parece paralisada.
A esquerda sionista mal funciona. Mas é claro que não se pode ser um colonizador de esquerda.
A esquerda antissionista é crucial, muito corajosa, mas uma minoria. Eles são os únicos se manifestando contra a guerra porque um genocídio está em andamento em Gaza. Uma das histórias tristes aqui é que a força opositora — vamos chamá-la de elite liberal e secular em Israel — decidiu, em vez de lutar, deixar o país, e aqueles que permaneceram, especialmente em Tel Aviv, aqueles que chamamos de kaplanistas e que lideraram as manifestações de sábado, realmente não têm uma visão alternativa para o Estado da Judeia. O que eles querem é continuar suas vidas privilegiadas em Tel Aviv sem serem afetados, mas não têm uma percepção alternativa de qual é o problema com os palestinos e como lidar com ele; portanto, acredito que eles perderão, ou talvez já tenham perdido, porque o outro lado — o Estado da Judeia — é muito claro em sua visão, sua ideologia, seus meios e a maneira como quer se mover avança para atingir seus objetivos, e está conseguindo.
No livro, o senhor defende a descolonização em vez de ajustes à solução de dois Estados. A descolonização como a única estrutura moral e política duradoura. E a partir da descolonização, um caminho que combina medidas de justiça restaurativa, reorientação legal, reparações, indenizações. Como o senhor responde às críticas que caracterizam a solução política que o senhor propõe no livro como inatingível e impraticável?
É uma utopia? Talvez, mas não há nada de errado nisso, porque utopias podem fornecer direção.
Mas acredito que os processos de desintegração — que talvez não sejam visíveis para todos — já começaram. Sou historiador e sei que o colapso de Estados e regimes pode, a princípio, ser muito lento e depois acelerar rapidamente. O exercício do poder, especialmente o poder militar, pelo Estado messiânico e populista de Israel instintivamente nos faria pensar nele como um Estado forte. Mas pensemos nisso: um Estado que lança bombas no Catar, no Iêmen, que ocupou parte da Síria e parte do Líbano, que comete genocídio em Gaza, é um Estado que só pode gerar hostilidade e alienação. Um Estado que, com esse comportamento, não pode ser tolerado e apoiado por muito mais tempo. Sabe, Egito, Jordânia, Síria e Líbano — aos quais podemos adicionar Iraque e Arábia Saudita — agora acham que podem tolerar Israel; eles até acham que esse tipo de Israel lhes traz dividendos. Mas esta não é uma posição compartilhada por suas populações.
Portanto, qualquer mudança na relação entre sociedades e regimes no mundo árabe mudaria a posição dos países ao redor de Israel. Há um ponto — digo isso como historiador, é claro que não estou prevendo o futuro — em que tal comportamento não é mais tolerado; Israel está alienando todos ao seu redor, até mesmo muitos, muitos amigos. Isso é algo com que os israelenses precisam começar a lidar.
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