22 Setembro 2025
A entrevista com o escritor: "O presidente parece embriagado de poder, um pouco fora de si e certamente sob a influência de pessoas muito más. Ele está no centro de uma espécie de vórtice sobre o qual não tem controle".
A entrevista é de Annalisa Cuzzocrea, publicada por La Repubblica, 21-09-2025.
Às vésperas da última eleição presidencial nos EUA, Richard Ford — autor de obras como Independence Day, Sorry to Bother You e Forever, publicadas na Itália pela Feltrinelli — disse não acreditar que Donald Trump realmente quisesse ser um ditador. Mas que muitas pessoas más ao seu redor certamente queriam que ele fosse um. O escritor nascido no Mississippi, que viveu entre Nova York — onde lecionou na Universidade de Columbia — e Nova Orleans, Montana, agora está respondendo do Maine. Ele não acredita ter subestimado Trump, mas acredita que chegou a hora de agir para detê-lo.
Eis a entrevista
Os Estados Unidos correm o risco de se tornar o oposto de uma democracia?
Trump parece embriagado de poder, um pouco fora de si e certamente sob a influência de pessoas terríveis. Ele está no centro de uma espécie de vórtice que não controla de fato. É presidente há apenas oito meses e, até agora, tem sido, sem dúvida, terrível, mas ainda não sei se ele é um ditador. Stalin quis ser um a vida toda, e conseguiu. Trump age, brinca de tudo sem levar nada a sério. Ele não tem convicções, não é bolchevique, não tem vocação revolucionária.
É apenas uma criança nas mãos de adultos muito perigosos.
O que o assassinato de Charlie Kirk significa para os Estados Unidos?
Antes de Charlie Kirk ser assassinado, um assassinato injusto e sem sentido, eu nem sabia quem ele era. Posso ter ouvido seu nome, mas nada mais, e certamente não sei. Uma coisa é esta: sua morte não significa muito para a maioria dos americanos. Os republicanos do MAGA, por outro lado, estão tentando santificá-lo. Eles estão explorando sua morte muito mais do que sua vida, para ganho político. Como sempre, eles contam mentiras: que ele era um homem pacífico, quando na realidade ele era muito violento; ele apoiou o governo israelense, que estava envolvido em genocídio em Gaza; ele fomentou o ressentimento contra pessoas transgênero. Em vida, ele promoveu divisão e violência.
Agora eles estão transformando-o em um ícone, um símbolo útil para sua causa.
Você esperava que eles usassem sua morte contra a oposição, tentando silenciá-lo?
Isso não é novidade. Trump já havia declarado abertamente durante a campanha eleitoral o que faria. Estou em parte surpreso porque acredito que os americanos não deveriam fazer essas coisas: silenciar a imprensa, demonizar seus oponentes, que é o que déspotas fazem. Mas conhecendo Trump, seu caráter e sua história, era de se esperar. O que me surpreende é o Congresso, que fica parado sem fazer nada. Eu entendo Trump: ele não tem a mínima ideia. Mas os parlamentares que optam por ignorar a realidade — esse definitivamente não é o caso.
Você descreveu, especialmente por meio de Frank Bascombe, a classe média americana: seus sonhos, decepções, medos e a busca incansável pela felicidade. Tudo mudou?
Nos meus romances, nunca tentei descrever "o americano", mas apenas uma pessoa específica, Frank Bascombe. De fora, da Europa, você pode pensar: "Bem, esse é o americano", mas não era essa a minha intenção. Se você sobrevoar um subúrbio e vir um homem cortando a grama, e depois se aproximar, poderá descobrir que o homem é paquistanês. Os americanos nunca são uma coisa só.
Acha que a ideologia Maga está se tornando predominante? Invencível?
Não. Eles são barulhentos, têm seguidores, mas não são centenas de milhões. E é por isso que Trump está tentando manipular as eleições de meio de mandato: se fossem completamente legítimas, ele perderia muito apoio. A maioria dos americanos acha que ele é irresponsável, que ele é louco.
A demissão de Jimmy Kimmel, o fim do show de Colbert...
Não me importo com essas pessoas. Eu estava dizendo ao governador do Maine outro dia: há muitas coisas terríveis que Trump quer fazer com a mídia, mas Jimmy Kimmel não é o cara para morrer. Não é onde eu escolho fincar minha bandeira. O que realmente importa para mim é que o presidente da Comissão Federal de Comunicações pressionou a ABC a demiti-lo para que ele pudesse aprovar uma grande fusão corporativa. O problema não é Kimmel; o problema é que a mídia está sendo controlada para fazer negócios com Trump.
É chocante quantas grandes corporações estão se curvando ao novo poder. A independência da mídia está em risco?
Sempre houve uma luta entre a independência da mídia e a pressão governamental. Hoje, o equilíbrio está mais à direita, mas a dinâmica não é nova. É apenas mais óbvia e brutal. Mas o problema subjacente continua o mesmo: a ganância. Eu me pergunto: de quanto dinheiro essas pessoas ainda precisam? Por que Bezos, Zuckerberg e outros de repente estão apoiando Trump? Eles já têm tudo. É como se quisessem conquistar o mundo, sem saber o que fazer com ele.
Colum McCann falou ao Repubblica sobre o medo crescente no país. Ele também falou sobre sua esposa, Allison, professora em uma escola cheia de crianças refugiadas, que está apavorada com a chegada de agentes do ICE.
Eu entendo perfeitamente a Allison. Ela está sendo alvo: se o ICE entrasse na escola dela para levar aquelas crianças, a vida dela estaria em risco. Eles poderiam matá-la. Chegariam mascarados, com armas. É isso que eles estão fazendo. Eu moro em uma fazenda no Maine, não estou exposto como ela, mas entendo o medo. A pergunta que precisamos nos fazer é: o que podemos fazer?
A resposta?
Exponha esses comportamentos, traga-os à atenção pública. Não basta escrever artigos, é preciso agir: votar, ir às ruas, assumir riscos pessoais. É preciso fazer como Allison, envolver-se. Pode não funcionar imediatamente, mas pode funcionar a longo prazo. Alguém terá que pagar um preço, alguém terá que perder algo. A solução não é a violência: eles têm mais armas, têm o exército. Os americanos — e eu diria que não só eles — precisam entender uma coisa fundamental: eleger um presidente é um ato grandioso e não pode ser feito de ânimo leve. Se você escolher a pessoa errada, as consequências podem ser desastrosas. Em outras palavras: os americanos — e não só eles — precisam se tornar cidadãos melhores.
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