27 Agosto 2025
A dois meses das eleições legislativas na Argentina, o governo de Javier Milei se vê ameaçado por um novo escândalo, com seu círculo de auxiliares mais próximos implicados em um suposto esquema de corrupção.
A reportagem é publicada por DW, 26-08-2025.
O caso veio à tona na semana passada, quando jornais argentinos publicaram áudios vazados atribuídos ao então chefe da Agência Nacional para a Deficiência (Andis), Diego Spagnuolo, amigo e advogado pessoal de Milei.
Nos áudios, Spagnuolo aponta a irmã e braço direito do presidente, Karina Milei, como uma das principais beneficiárias de um esquema de cobrança de propinas em compras de medicamentos para pessoas com deficiência, e acusa o presidente Milei de saber sobre o esquema de corrupção.
"Estão fraudando a minha agência", afirma. "Estão roubando. Você pode fingir que não sabe, mas não joguem esse problema para mim, tenho todos os WhatsApp de Karina".
Segundo os áudios, cuja autenticidade ainda não foi confirmada pela Justiça, Karina – que é secretária-geral da Presidência argentina e, na prática, divide o cargo com o irmão e apita nas decisões da Casa Rosada – e o subsecretário de gestão institucional do governo, Eduardo "Lule" Menem, receberiam propina da indústria farmacêutica em troca de contratos superfaturados para o fornecimento de medicamentos à rede pública.
Esquema renderia até US$ 800 mil em propinas
A propina cobrada por Karina e Menem seria de 8% sobre os contratos com o governo, e o negócio renderia entre 500 mil e 800 mil dólares mensais, sendo que Karina ficaria com a maior parte do dinheiro – entre 3% e 4%.
Menem – que é primo do presidente da Câmara dos Deputados, Martín Menem – foi apontado como o principal operador do esquema, com apoio de empresários ligados à distribuidora Suizo Argentina, que intermedia a venda de medicamentos ao Estado.
Em outro áudio, Spagnuolo teria se queixado de que Karina e Milei não teriam agido para frear os desvios de dinheiro público. "Eles não consertaram nada", diz o áudio.
O caso foi noticiado pela imprensa argentina em 20 de agosto, e deflagrou uma crise inesperada no governo.
Horas depois, o advogado Gregorio Dalbón, que representa a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015) – rival de Milei – denunciou Spagnuolo à Justiça.
Já no dia seguinte, Milei demitiu o auxiliar e anunciou uma intervenção na Andis por parte do Ministério da Saúde. Outro nome afastado da agência foi o diretor Daniel Garbellini, apontado como elo da Andis com os empresários.
Na última sexta-feira (22/08), autoridades argentinas fizeram uma operação de busca e apreensão nas sedes da Andis e da Suizo Argentina.
Na ocasião, foram apreendidos 266 mil dólares em espécie com um dos representantes da Suizo Argentina, Emmanuel Kovalivker. O irmão dele, Jonathan, que era considerado foragido, se apresentou nesta segunda-feira às autoridades.
Também foram recolhidos quatro celulares, incluindo o de Spagnuolo. Os aparelhos são analisados por peritos para confirmar ou refutar as acusações de corrupção.
Milei silencia
O presidente Javier Milei ainda não se pronunciou sobre o caso, mas posou sorridente ao lado da irmã nesta segunda-feira (25/08), na primeira aparição pública após as denúncias, durante um evento com empresários.
Ele chegou a discursar na ocasião, sem comentar diretamente as acusações. Apenas falou em jornalistas "mentirosos e rasteiros" e acusou opositores no parlamento de querer "derrubar o país".
Karina também está em silêncio.
Já Eduardo Menem, que se pronunciou apenas nesta segunda-feira (25/08), questionou a autenticidade dos áudios e negou ter conhecimento ou envolvimento em irregularidades.
"Conheço o trabalho deste governo contra a corrupção e não duvido da integridade de nenhum dos funcionários mencionados", afirmou Menem, atribuindo as denúncias a adversários kirchneristas. A mensagem, postada no X, foi replicada por Karina e Milei.
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