12 Outubro 2024
Os trabalhadores do Hospital Laura Bonaparte, uma instituição líder em saúde mental na Argentina e que leva o nome de uma das Mães da Praça de Maio, resistem à ameaça de fechamento do governo no âmbito do seu plano de cortes.
A reportagem é de Mercedes López São Miguel, publicada em El Diario, 08-10-2024.
"Não se fecha, o Bona não se fecha", cantam trabalhadores da saúde na porta do Hospital Nacional de Saúde Mental e Adições "Laura Bonaparte", localizado no sul de Buenos Aires, para onde se dirigem pacientes, vizinhos, delegados sindicais, militantes de direitos humanos e políticos de esquerda em solidariedade. Desde sexta-feira, realizam jornadas de protesto e vigílias para resistir ao plano de fechamento do governo de Javier Milei, anunciado sob o eufemismo de "reestruturação".
A ameaça de que o governo de extrema-direita execute uma fase cruel de seu programa de cortes, agora com os hospitais públicos, acendeu os alarmes. O "Laura Bonaparte" é o único hospital nacional de saúde mental. É uma instituição modelo na Argentina e, desde 2016, leva o nome de uma Mãe da Praça de Maio como parte da mudança de paradigma impulsionada pela Lei Nacional de Saúde Mental, aprovada em 2010, com um enfoque nos direitos humanos.
Além disso, é uma instituição que acompanha a comunidade LGTBIQ. Sua fachada está hoje coberta de cartazes, como o que diz "Minha saúde mental está em risco". Ou o que, diante do iminente fechamento, é levantado com orgulho pelo aposentado Guillermo Romero: "Aposentados com Bonaparte". O Ministério da Saúde, chefiado por Mario Lugones, antecipou que o funcionamento atual do hospital requer um orçamento elevado de 17 bilhões de pesos anuais (15,8 milhões de euros), o que "não condiz com a baixa ocupação que tem", com uma "média de internação anual de 19 pacientes diários". Em um comunicado sucinto, informaram que iniciava-se a "reestruturação com a transferência de pacientes para outras instituições".
O diretor do Laura Bonaparte, Christian Baldino, comunicou na sexta-feira passada o fechamento dos serviços de emergência e internação. Na instituição, trabalham 612 pessoas, profissionais que, no decorrer deste ano, prestaram atendimento a 25 mil pessoas, mesmo em meio aos cortes no setor. O hospital perdeu 60 profissionais nos últimos dois meses: metade foi demitida e a outra metade deixou o cargo devido à precariedade das contratações trabalhistas. A instituição é referência em políticas públicas de saúde mental.
Sebastián Rigolino, psiquiatra de consultas externas, expressa indignação com o argumento do governo Milei. "Há 900 tratamentos ambulatoriais mantidos diariamente, entre adultos e crianças. A internação é o último recurso. O governo demonstra desconhecimento do assunto, vendo apenas uma faceta da saúde mental. A vanguarda é propor uma saúde mental comunitária que aposte no tratamento ambulatorial. No hospital, há uma creche com 80 crianças, um centro cultural; está sempre cheio", aponta Rigolino ao elDiario.es, explicando que, desde a pandemia, houve um aumento nos casos de depressão, transtornos de ansiedade e dependências químicas.
Esse aumento na demanda por atendimento pós-pandemia não se reflete no reconhecimento dos médicos que tratam pacientes em situação de especial vulnerabilidade. Segundo Rigolino, "desde dezembro, os contratos passaram a ser renovados a cada três meses (antes eram anuais), e não temos mais um dia de capacitação por semana. Eu recebo 1 milhão e 600 mil pesos (1490 euros). Somos cinco psiquiatras, antes éramos doze, porque os contratos não são competitivos, e muitos colegas se foram. Em outubro, eu atendia 40 pacientes, agora atendo 80".
Pacientes e ex-pacientes mostram apoio unânime ao hospital. "Sou artista. Fui atendida aqui por muito tempo, por dependência química, participei de várias atividades e consegui me recuperar, por isso estou aqui. É um espaço de muita acolhida, os profissionais são muito atenciosos e se importam com seus pacientes", diz Michel Lacrouix, uma pessoa trans, enquanto toca percussão.
Em uma carta dirigida à família Bonaparte, a organização H.I.J.O.S. (Filhos pela Identidade e a Justiça, contra o Esquecimento e o Silêncio) destacou que "hoje mais pessoas do que nunca sabem quem foi Laura Bonaparte. Porque defender o hospital é defender seu nome e sua memória. Hoje mais pessoas dizem não ao fechamento".
Diante deste cenário preocupante, Victoria Argañaraz, terapeuta ocupacional e representante da Associação de Trabalhadores do Estado (ATE), afirma ao elDiario.es que o governo não garante a continuidade dos postos de trabalho e não especifica seu plano, então eles continuarão na luta. "Eles dizem que transfeririam os internados, mas há pacientes que não estão em condições de serem transferidos. Não há resposta para isso. Hoje, os 40 leitos de internação estão todos ocupados. Não houve novas internações. Os pacientes ambulatoriais estão angustiados, muitos vieram apoiar as medidas dos trabalhadores porque eles ficariam sem tratamento", explica.
Não parece fácil entender para onde irá a população atendida no Laura Bonaparte. Ao contrário de outros centros de saúde, aqui são tratados transtornos mentais graves e também questões relacionadas a dependências químicas.
Sebastián Varela, enfermeiro do Hospital Garrahan, um centro de saúde pediátrica emblemático, juntou-se ao protesto do Bonaparte: "Vim aqui porque podem ir atrás de outros hospitais. É grave, para onde vão os internados? E os profissionais, onde vão trabalhar? A saúde pública é um negócio para eles (o governo). Eu também trabalho como motorista de aplicativo, porque meu salário não é suficiente para chegar ao fim do mês". Há dois meses, o Garrahan realiza ações contra o corte orçamentário, e desde terça-feira, uma greve de 48 horas.
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Próximo passo de Milei: fechar hospitais públicos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU