14 Agosto 2025
"Um abismo se abriu no país entre aqueles que querem seguir Bibi para aquele 'buraco negro' e aqueles que querem salvar Israel e sua moral", escreve Anna Foa, judia da diáspora, historiadora, autora de volumes sobre a história dos judeus na Itália e na Europa, em artigo publicado por La Stampa, 11-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
E assim, no final, aconteceu: o governo israelense decidiu pelo que é essencialmente uma reocupação de Gaza e a transferência de um milhão de palestinos da Cidade de Gaza, com um prolongamento não quantificado da guerra, mas, como Benjamin Netanyahu acrescentou ontem em uma coletiva de imprensa para jornalistas estrangeiros, "breve". Enquanto escrevo, as ruas das cidades israelenses se lotaram de manifestantes pedindo paz, a libertação dos reféns e o fim do massacre de palestinos. Por toda parte, em Tel Aviv e Jerusalém, em outras cidades do país, grandes e pequenas, de maioria judaica ou árabe. A decisão do governo abalou todo o país. As famílias dos reféns, diante do seu abandono em um momento em que não há mais tempo para salvá-los, lançaram a proposta de uma greve geral. A mãe de um refém disse a Netanyahu que, se Gaza for conquistada e os reféns forem assassinados, "caçaremos vocês nas ruas, nas eleições, em qualquer lugar, a qualquer hora". Se o Hamas não fosse liderado por terroristas não diferentes daqueles que atualmente estão no poder em Israel, se realmente quisesse vencer a guerra da propaganda, os libertaria imediatamente e sem condições. De que servem os reféns se quem os deveria libertar não se importa e, em vez disso, os condena à morte?
Multiplicam-se vídeos mostrando jovens se recusando a ir e cometer crimes em Gaza. Citam-se os números alarmantes de suicídios de soldados. Eleva-se a voz de quem convida a desobedecer a ordens injustas. Antes da funesta decisão de Netanyahu, haviam se manifestado as vozes de especialistas, ex-oficiais do exército e dos serviços secretos. E, por último, o exército havia se oposto à perspectiva de continuar essa guerra, criando uma rachadura com o governo que será difícil de consertar. O chefe do Estado-Maior, Eyal Zamir, aparentemente, disse que essa decisão arrastará Israel para um "buraco negro". Ele certamente não é um homem de esquerda; foi colocado em seu cargo pelo próprio Netanyahu.
Enquanto isso, o massacre de civis em Gaza continua imperturbado. Aqueles que esperam por comida continuam sendo mortos, seja pelas Forças de Defesa de Israel (Idf), pelos contratados ou pelos bandos que roubam a comida; pouco importa para quem cai enquanto estende uma tigela vazia. Crianças e adultos chegam ao hospital à beira da morte por fome e são tratados por médicos e enfermeiros igualmente famintos.
Essa última etapa dessa imensa tragédia reunificou, ao que me parece, os vários grupos da oposição ao governo, aqueles que por muito tempo removeram os sofrimentos dos palestinos, privilegiando a terrível situação dos reféns e agora marcham nas manifestações segurando as fotos das crianças de Gaza em uma mão e as dos reféns moribundos na outra. A alma de quem por muito tempo aprovou a guerra, acreditando que servia para se livrar do Hamas, e a alma de quem viu desde o início, ou quase, uma terrível vingança desferida contra inocentes. A mudança de opinião começou com a matança das crianças, com a suspensão das ajudas humanitárias e com a carestia, e agora parece ter atingido um ponto em que judeus e palestinos podem pensar combater contra o mesmo inimigo. Talvez dure, desde que Netanyahu não invente alguma outra ideia de morte.
Nesse interim, nem isso basta para seus ministros mais extremistas. Smotrich ameaça sair do governo porque vê nas declarações de Netanyahu uma possibilidade de recuo dessa decisão. Ele é o ministro que quer bloquear toda a ajuda a Gaza, o fanático que quer basear o sistema político israelense na Torá, assim como o Irã baseia o seu na Sharia.
No momento, também pesa bastante a reação internacional, da ONU, da UE e dos muitos países que condenaram a decisão israelense. Netanyahu respondeu em uma coletiva de imprensa dirigida a jornalistas estrangeiros, os mesmos que, juntamente com jornalistas israelenses, foram até agora impedidos de entrar em Gaza. Ele efetivamente reiterou suas posições, justificando-as com a necessidade de combater os terroristas do Hamas, ainda fortes e em condições de repetir o massacre de 7 de outubro, mas temperando-as com a promessa de ajudas alimentares a Gaza, como as já fornecidas. Uma promessa realmente inquietante, considerando os palestinos mortos pelo exército israelense durante essas chamadas ajudas.
Será que essas promessas acalmarão a onda de raiva e dor que parece ter dominado a angústia desses meses de guerra e que está levantando Israel contra seu governo? Um abismo se abriu no país entre aqueles que querem seguir Bibi para aquele "buraco negro" e aqueles que querem salvar Israel e sua moral.
Será tarde demais? Será que os fanáticos vencerão novamente, como fizeram naquele 70 d.C., quase dois mil anos atrás, quando os zelotes iniciaram a guerra contra Roma e causaram a destruição do reino de Judá? Ou vencerão a razão, o compromisso, a humanidade?