09 Agosto 2025
"Quando se fala de religião, é difícil não pensar nas hierarquias de gênero e nos papéis conservadores e tradicionalistas atribuídos (ou impostos) às mulheres. Nesse sentido, um dado alarmante vem dos Estados Unidos: pela primeira vez, com a Geração Z, há mais homens cristãos e católicos do que mulheres, que tradicionalmente constituíam a maioria dos frequentadores de igrejas".
O artigo é de Anna Ferri, publicada por Domani, 05-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Anna Ferri é jornalista e autora, vive em Modena. Escreveu o romance Basquiat: viagem à Itália de um gênio formidável (Aliberti) e os contos Madre padre e Opera struggente a Modena di un formidabile genio: Basquiat (Il Dondolo).
Se há algo que torna a humanidade fascinante, é sua imprevisibilidade: a Geração Z pode ser lembrada como a geração que remodelou a participação pública e privada na vida religiosa, tentando preencher o vazio existencial da sociedade ocidental contemporânea, em grande parte causado pelo capitalismo, com espiritualidade e fé, ao contrário de quem a precedeu.
Em um contexto onde prevalece o senso comum de desorientação – guerras, crise climática, precariedade, individualismo, consumismo, solidão – a religião é vista pelas novas gerações como uma oportunidade de dar sentido à sua existência, de compartilhar ideias e valores com outras pessoas, de construir uma bolha (mais uma) onde sentir-se compreendidas e acolhidas. Na perene busca por respostas online para as nossas fragilidades, podemos encontrar uma influenciadora católica que nos convida a seguir a palavra de Deus, da mesma forma como Kim Kardashian nos oferece suas novas faixas faciais modeladoras.
A Geração Z, filha de uma época marcada pelo desencanto, neta da era berlusconiana, criada com biscoitos orgânicos e redes sociais, está transformando a religião em um produto digital de sucesso: reel para montar um guarda-roupa de verão "que agrade primeiro a Deus e depois a nós", fotos sofisticadas de tatuagens com o rosto da Virgem Maria, padres e freiras compartilhando o Evangelho no TikTok. Um fenômeno tão significativo que foi reconhecido no Jubileu, onde foi realizado pela primeira vez o dia dos missionários digitais e influenciadores católicos: milhares de celulares levantados porque se você não posta, você não existe.
Dez anos e dez milhões de seguidores após o debute de um Papa - Francisco - no Instagram, o catolicismo está se tornando um trending topic, e o número de pessoas que decidem ser batizadas nunca foi tão alto nos últimos vinte anos.
Na primavera passada, o Financial Times dedicou dois artigos ao aumento dos jovens nas fileiras dos católicos. Em ‘Encontrar sua religião: porque a Geração Z está se voltando para a fé’ explora como o novo despertar do interesse religioso está ligado a uma busca de significado pessoal, em parte desconectado da religião tradicional, mas ainda assim fascinado por rituais litúrgicos como experiência analógica coletiva.
Poucas semanas depois, no mesmo jornal, em ‘Jovens, liberais e abraçam o cristianismo’, a escritora Lamorna Juliet Ash, autora de ‘Don't Forget We're Here Forever: A New Generation's Search for Religion’ (Bloomsbury), relata sua viagem pela Grã-Bretanha, entrevistando jovens da Geração Z que estão se aproximando do cristianismo, que ela encontra em festivais evangélicos, quakers e retiros jesuítas, e explorando seu objetivo compartilhado de encontrar um (novo) sentido de comunidade e uma resposta à alienação pós-pandemia, à solidão digital e ao individualismo contemporâneo.
A primeira geração nativa digital poderia se tornar aquela a redescobrir uma conexão religiosa após décadas de afastamento, críticas, declínio na participação, abandono da fé e busca por sentido em outros contextos — civil, artístico, político, científico. Recordemos Hipátia de Alexandria: "Eu acredito na filosofia" — utilizando o instrumento que melhor os identifica: a internet, aquele que os líderes católicos por muito tempo definiram de desumanizante. É impossível não perceber a sutil ironia.
A Páscoa de 2025 fez as estatísticas explodirem: na França, quase 18 mil pessoas foram batizadas, 45% a mais do que em 2024. Destas, 42% são jovens adultos entre 18 e 25 anos. Para Catherine Lemoine, delegada nacional para a pastoral do adolescente na França, esse crescimento responde a uma sede de interioridade, a uma necessidade de encontro e referências: "É a era das grandes questões existenciais", conta ela em um artigo na La Croix, que reúne depoimentos de párocos que, do campo às cidades, viram suas igrejas ficarem lotadas durante a missa da Quarta-feira de Cinzas, e explicam que "o entusiasmo dos jovens crentes é contagiante. Eles não têm mais medo de convidar seus amigos para a missa, uma liberdade paradoxal em uma época em que não se fala mais de Deus".
No Reino Unido, o relatório da Sociedade Bíblica, "The Quiet Revival", baseado em pesquisas conduzidas pela YouGov, chama o aumento da frequência à igreja impulsionado pela Geração Z de "despertar silencioso". O coautor do relatório, Rob Barward-Symmons, explica: "Para grande parte da população, especialmente os jovens, às voltas com problemas de saúde mental, solidão e perda do sentido da vida, a igreja parece oferecer uma resposta".
A mesma tendência também é registrada nos Estados Unidos, com uma pesquisa conduzida pela Barna: 66% dos adultos estadunidenses afirmam ter assumido um empenho pessoal com Jesus, representando um aumento de 12% em relação a 2021, quando os números atingiram o nível mais baixo em mais de três décadas de monitoramento. De acordo com David Kinnaman, CEO da Barna, "muitos previram a crescente irrelevância do cristianismo; no entanto, esses dados demonstram que as tendências espirituais têm dinamismo e podem, efetivamente, mudar. Essa é a indicação mais clara de uma renovação espiritual que constatamos em mais de uma década, e é a primeira vez que é impulsionada pelas gerações mais jovens".
Na Itália, os dados da Arquidiocese de Milão se alinham com os dados internacionais, mostrando um crescimento de catecúmenos, com um aumento de pessoas de origem italiana com menos de 30 anos em comparação com aquelas com background migratório. Talvez a resposta seja sim: é o fim da geração laica.
O que está transformando a religião numa tendência é o enorme número de influenciadores, como o pe. Ambrogio Mazzai, com 105 mil seguidores no Instagram e 460 mil no TikTok, que combina uma busca estética na narrativa por imagens com a difusão do Evangelho, escolhido pela revista Telegraph como exemplo de uma nova geração de padres digitais.
Além disso, muitas celebridades foram vistas ao longo dos anos em cultos religiosos, especialmente ligados às megaigrejas — as grandes congregações cristãs evangélicas e protestantes — como Justin e Hailey Bieber, Kendall e Kylie Jenner e Selena Gomez, que têm o poder de mudar a narrativa sobre qualquer coisa, quanto mais transformar a percepção da religião de constrangedora para cool.
Para se ter uma ideia da dimensão do fenômeno, há alguns meses, em Modena — cidade na província da Emília-Romanha, com uma administração desde sempre de esquerda, Feste dell'Unità em todos os municípios, mas cheia de contradições: é a capital nacional das maratonas de oração pelo fim do aborto —, foi inaugurada uma filial da Vive Church, movimento religioso nascido no Vale do Silício pelos pastores Adam e Keira Smallcombe, que lançaram o projeto com o slogan "Você não é religioso? Nós também não".
Hoje, depois de Londres, Chicago, São Francisco, Frankfurt, Roma e Milão, eles chegam a Modena com o objetivo declarado de "ver cada vez mais pessoas despertarem para a realidade de Jesus" e uma identidade visual a meio caminho entre o dress code chique e saídas divertidas com amigos em clubes, onde estética, fé e rito coletivo se fundem, onde o conteúdo não existe (mais) sem imagem.
Afinal, como explica Fabrizio Vicoli, "a internet é o novo mar em que o homem pós-moderno navega ou fica à deriva" (La Religione al tempo del web, editora Laterza), e em um período histórico de desorientação como aquele em que vivemos, não é reconfortante encontrar um pastor que aponta o caminho a seguir? Cabe se perguntar se essa tendência (também) pode ser considerada a medida do fracasso da comunidade educacional laica em fornecer respostas às novas gerações.
Provavelmente sim.
Quando se fala de religião, é difícil não pensar nas hierarquias de gênero e nos papéis conservadores e tradicionalistas atribuídos (ou impostos) às mulheres. Nesse sentido, um dado alarmante vem dos Estados Unidos: pela primeira vez, com a Geração Z, há mais homens cristãos e católicos do que mulheres, que tradicionalmente constituíam a maioria dos frequentadores de igrejas.
Para os observadores, como explicado em um artigo de Austin Ashburn no Impact, essa mudança pode ser uma resposta direta à sensação de ameaça ou desorientação que alguns jovens homens sentem diante de tentativas de desconstrução das estruturas patriarcais tradicionais da sociedade. Isso, em poucas palavras, significa que os jovens se aproximam da religião considerando-a um espaço protegido onde manter os papéis tradicionais de gênero e uma posição de poder, que provavelmente é o mesmo motivo pelo qual as jovens mulheres, em sentido oposto, se distanciam e se declaram principalmente sem credo.
Em tudo isso, o algoritmo desempenha um papel de protagonista, capaz de se insinuar em nossa fragilidade, oferecendo-nos a ilusão de que não estamos sozinhos: se considero que a emancipação feminina é um impedimento à minha afirmação como homem, tanto nos relacionamentos quanto no trabalho, encontrarei segurança em um modelo sociocultural que garanta o privilégio masculino.
O desafio é enorme: será que a Geração Z, a geração dos protestos transfeministas e da justiça climática, conseguirá encontrar uma nova modalidade de coexistência entre empenho civil pelos direitos e a fé? Qual será o impacto do despertar religioso nas agendas políticas? As respostas a essas perguntas desenharão as fronteiras ideais das comunidades em que viveremos, que eventualmente serão muito diferentes daquelas imaginadas — sonhadas — pelas gerações anteriores, aquelas laicas.