05 Julho 2025
"Essa talvez seja a "devoção" conciliar que seria bom redescobrir: uma confiança no mundo e no outro, lugar sacramental da Sua presença. A teologia continua sendo, assim, uma forma de seguimento aventuroso e sem fim, que tenta acolher e traduzir as intuições dos "Pedro" na linha da encarnação".
O artigo é de Pietro Busti, sacerdote da diocese de Verona, publicado por Andrea Grillo no Come se non, 28-06-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Contra as expectativas de uma parte dos fiéis católicos, que têm lutado para entender por que decidi criticar a teologia subjacente à canonização de Carlo Acutis, está se desenrolando um debate sério e de certa forma surpreendente, que parte de uma avaliação crítica do estilo e da forma da apresentação oficial do novo jovem santo. Nesta intervenção, Pietro Busti, um jovem sacerdote da diocese de Verona, doutorando em Louvain e Paris, parte de uma observação de Giovanni Salmeri, desenvolvendo um discurso muito rico e original sobre o tema da “devoção juvenil”. Parece-me uma retomada muito oportuna e um desenvolvimento sério e sagaz dos impulsos que eu quis imprimir em meus primeiros artigos sobre o "caso Acutis".
No contexto do debate gerado pela crítica de Andrea Grillo à teologia implícita na apresentação da figura de Carlo Acutis, Giovanni Salmeri ofereceu uma "saída" interessante, deslocando a atenção do plano teológico-doutrinário para o afetivo e corporal. Aqui, mais do que uma reflexão sobre a teologia no jovem beato, tratar-se-ia — segundo Salmeri — de falar de devoção, isto é, da forma concreta e pessoal com a qual nos apropriamos da fé. O problema, afirma Salmeri, é que o Concílio não soube traduzir-se em outras formas de devoção e que, portanto, um jovem espiritualmente sensível se vê obrigado a retomar linguagens "obsoletas" para dar corpo à sua fé. Em vez de necessariamente nos esforçarmos para canonizar suas formas de expressão, ou nos resignarmos à dicotomia entre “pensamento” e “afeição”, ou entre “teologia” e “devoção”, talvez precisemos entender como captar sua intuição e tentar traduzi-la hoje com novas linguagens: não seria esta justamente uma responsabilidade eclesial? Sabemos bem que a intuição “afetiva” corre o risco de se tornar (algo que certamente não aconteceu com o jovem beato, que morreu prematuramente) perigosa, quando sua encarnação real é rejeitada. Basta pensar na troca de críticas entre Jesus e Pedro, depois que este último tinha reconhecido Jesus como o Cristo, em Cesareia.
Será então verdade que devemos nos contentar com uma divisão tão precisa entre teologia e devoção? O próprio autor alude a essa crítica. Relanço, portanto, a questão, tentando propor como um dos pontos cruciais da questão tanto a compreensão quanto o uso do que poderíamos definir como affectus [1], como sinal dos tempos que parece marcar a espiritualidade juvenil e, em geral, a contemporaneidade pós-secular. Prefigura-se um terreno potencialmente fértil e perigoso, no qual se pode aninhar a busca por devoções tranquilizadoras e, em última análise, alienantes, ou o elã por um novo impulso do cristianismo no Ocidente.
No primeiro caso, a evolução pós-conciliar parece compreensível como uma reação ao excesso percebido de "racionalização" e "desencanto" da fé, contra o pano de fundo mais amplo da desagregação acelerada do Ocidente. A ideia é que a forma da devoção percebida como "tradicional" e "ingênua" poderia ser a mais "santa"; é privilegiado o que parece mais "místico" e "milagroso" como forma de submissão àquela autoridade de Deus que nos sentimos quase culpados por ter destruído. Certamente, os mistérios do Reino são revelados aos pequenos. Mas isso não invalida o fato de que a tarefa da teologia e do cristão adulto deve ser aquela de traduzir suas intuições, "servindo-as" (em todos os sentidos) a este mundo. Parece-me que o equívoco tenha sido criado justamente em torno dessa tradução, que parece ser uma responsabilidade eclesial.
No segundo caso, esse affectus pode se tornar o motor de um novo impulso para o cristianismo no Ocidente. Tentarei, para tanto, reler a questão articulando algumas alusões e chamando em causa o pensamento de Hartmut Rosa e sua categoria de “ressonância”, para tentar formular uma pergunta que possa se assemelhar a esta, de viés certaliano: o que significa preservar a intuição traduzindo-a como “impulso” para uma espiritualidade que seja ressoante hoje?
Segundo o filósofo alemão, a fragmentação pós-moderna, resultado da aceleração constitutiva da modernidade e de sua tentativa de “tornar-se disponível” para o mundo, revela-se hoje na realidade como a história de uma nova sensibilidade à ressonância, entendida como abertura ao outro e ao transcendente, a um mundo que nos questiona, que nos “afeta” e ao qual respondemos com “emoções” que nos impelem para fora de nós mesmos, fazendo-nos, paradoxalmente, redescobrir a nós mesmos. Nesse sentido, procuro ler o affectus como um sinal dos tempos que uma boa teologia pode reconhecer, ler e orientar, entrando ela mesma em uma forma de “ressonância”. Se o autor reconhece assim no Ocidente um fim da devoção, talvez pudéssemos ler uma sua evolução, que justamente as categorias conciliares nos permitiriam reconhecer. De fato, os próprios jovens parecem, mesmo a partir das pesquisas mais recentes sobre sua religiosidade realizadas na Itália, buscar espiritual e até corporalmente formas de ressonância. Jovens que se acham sensíveis aos sinais dos tempos de forma inconsciente, sensíveis à Palavra como autoridade que quer dialogar com suas vidas, sensíveis a formas de autoridade “dotada de autoridade” e libertadora. Se Salmieri reconhece que hoje a paixão eucarística é inexistente, é interessante notar a busca pelo mistério, pelo que Rosa chamaria de “indisponível”, assim como a sede de comunidade, de boas relações. O problema talvez seja o ponto de partida que utilizamos para os ouvir: precisamos mudar os paradigmas e usar aqueles "conciliares" para reconhecer e nos deixar transformar pelas novas formas de devoção dos jovens... E assim imaginar uma devoção conciliar. De fato, é impensável a transformação direta, isto é, aplicar o pensamento à realidade. Mas a transformação ressonante talvez seja viável.
É interessante como Rosa reconhece como essa "fome" de ressonância muitas vezes se transforma em uma simples busca por "caixas de ressonância", que se tornam mais câmaras de eco, nas quais, em vez de uma ressonância transformadora, nos tranquilizamos com uma redundância ensurdecedora e alienante. Não é esse justamente o caso de algumas formas de devoção? Não parecem mais reconfortos alienantes, em sua dificuldade em olhar para este mundo com confiança e criatividade? Não se tornam assim fechamentos paradoxais para as experiências autênticas de ressonância? Uma devoção pré-conciliar não corre o risco de se transformar, com frequência e facilidade (mas nem sempre!) em um refúgio pronto em uma época de rápidas mudanças? É claro que ainda vivemos, em alguns aspectos, um momento reacionário: prova disso é o debate que se instaurou, em tons muito acalorados. Como podemos apreender o bem dessa busca de afeições, ou seja, de ressonância? Talvez tentando captar a instância daqueles resíduos de devoção anticonciliar que hoje se expressam com violência. E nos perguntando: essa forma de devoção ressoa? Ou é redundante? Tranquiliza? Ou expõe? “Devoção”, de devoveo, indica a necessidade de uma parte ativa na fé, de se envolver, de “fazer um voto”. De dar corpo, carne, imagem ao afeto sentido, em uma espiritualidade ativa. Não seria essa justamente uma maneira de falar da dimensão sacramental da vida e do mundo? Não continua sendo promissor o canteiro de obra que tenta articular a “indisponibilidade” da celebração com a disponibilidade da vida? Talvez na articulação daquela que Rosa chamaria de dimensão “vertical” da ressonância (aquela com o Transcendente), com as duas dimensões “horizontais” (aquela com os outros) e “diagonal” (aquela com as coisas)? Trata-se de questionar aquelas formas de devoção puramente “verticais”, nas quais o santo, a Eucaristia ou o sacramental são, na realidade, apenas um “sinal” e não a substância de uma presença que escolheu doar-se na carne deste mundo. Devoções que, querendo encarnar-se, parecem produzir exatamente o efeito oposto. Devoções pelas quais grande parte dos jovens italianos contemporâneos parece completamente se desinteressar, porque apenas contam uma outra história, não a do mundo, não a deles.
A devoção pressupõe sempre (e talvez exija) uma teologia, como articulação de pensamentos para compreender e tornar inteligível a singularidade de Deus. A teologia, ecoando A. Gesché, parece ser precisamente a tentativa de preservar na linguagem do tempo a singularidade “alterante” de Deus: o outro que “altera” e não “alheia”. Como então podemos raciocinar teologicamente para preparar (a partir do que existe) a construção de outras estruturas de ressonância que podemos chamar nesse caso de “devoção”?
Na história imaginária proposta por Salmeri, a propósito de uma eventual “devoção conciliar”, o próprio autor pensou em algo muito sugestivo, “vibrante”, já rastreável pelo título do livro encontrado pela jovem garota: “Gesù, la storia di un vivente”. Momentos como esses talvez aconteçam hoje em momentos de adoração, ou de leitura da Bíblia, bem como em encontros e diálogos com amigos. Como podemos acompanhá-los, como podemos construir com eles novas estruturas de devoção?
Talvez a compreensão do Concílio ainda não tenha “ressoado” completamente, porque a redundância de velhos aparatos ainda é forte e reconfortante num mundo tempestuoso. Mas aquela brisa suave permanece viva, à espera de novas estruturas que façam ressoar a novidade criativa do Espírito. Que aguarda homens e mulheres sensíveis e criativos, que com estilo sinodal tentem construir barcos capazes de atravessar esse mar [2]. Talvez essa seja a principal característica de uma devoção conciliar, que já podemos encontrar viva entre nós: a daqueles homens e mulheres que sabem, antes de tudo, viver a construção de pensamentos e instrumentos com confiança no mar deste mundo, que por mais tempestuoso que seja, é habitado pelo Espírito e não nos trairá. Para viver assim um caminho de busca, juntos, de novas linguagens, de novas práticas, trazendo à tona coisas novas e coisas antigas, fazendo sínodo. Os jovens (e os adultos, ao que parece) buscam "vibração", e talvez não a encontrem necessariamente em um manual de teologia, que não responde à sua pergunta, que, no entanto, continua sendo plenamente teológica. É um caminho a ser feito juntos, desarmando as palavras. Essa talvez seja a "devoção" conciliar que seria bom redescobrir: uma confiança no mundo e no outro, lugar sacramental da Sua presença. A teologia continua sendo, assim, uma forma de seguimento aventuroso e sem fim, que tenta acolher e traduzir as intuições dos "Pedro" na linha da encarnação.
[1] Tomo aqui emprestada a intuição de Marcello Neri. Disponível aqui.
[2] Cf. J. Wolfe, The Theological Imagination: Perception and Interpretation in Life, Art, and Faith, Cambridge University Press, Cambridge, 2024, p. 26.