30 Junho 2025
As autoridades da Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, consideram a publicação mais uma prova de crimes de guerra.
A reportagem é de Luís de Vega, publicada por El País, 27-06-2025.
As alegações vêm à tona há semanas: o novo sistema de distribuição de ajuda imposto por Israel em Gaza tornou-se uma armadilha, onde centenas de milhares de pessoas que aguardavam ajuda humanitária foram mortas a tiros pelas tropas de ocupação, de acordo com o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlado pelo Hamas. Sabe-se agora que o exército israelense ordena diretamente às suas tropas que atirem deliberadamente em moradores de Gaza desarmados, que não representam nenhuma ameaça, quando se aglomeram nesses centros de distribuição caóticos, que acabaram sendo convertidos em um "campo de extermínio", segundo uma reportagem do jornal israelense Haaretz na sexta-feira. Enquanto isso, a promotoria militar indica que está investigando possíveis crimes de guerra.
Este jornal, que avaliou 19 tiroteios em torno dos pontos de distribuição da Fundação Humanitária de Gaza (GHF), que operam desde o fim de maio com o apoio de Israel e dos Estados Unidos, reuniu depoimentos de oficiais e soldados destacados na Faixa de Gaza. Segundo eles, os tiroteios ocorrem principalmente pouco antes da abertura das instalações e após o seu fechamento, algo que os próprios palestinos desconhecem, segundo uma autoridade israelense. Segundo dados fornecidos pelo governo do Hamas na Faixa de Gaza, em apenas um mês desde o lançamento, 549 pessoas morreram e 4.066 ficaram feridas em ataques israelenses enquanto buscavam por comida.
O impacto da publicação levou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu ministro da Defesa, Israel Katz, a reagirem em uma declaração conjunta. Trata-se de "mentiras cruéis destinadas a desacreditar as Forças de Defesa de Israel (IDF), o exército mais moral do mundo". Em outra declaração, o exército nega ter dado tais ordens e afirma que "quaisquer alegações de violação da lei ou das diretrizes do exército serão analisadas minuciosamente". Tanto o governo quanto o exército apontam o Hamas como responsável pela situação na Faixa de Gaza, onde o número de palestinos mortos já ultrapassa 56 mil.
O exército está ciente de que as autoridades israelenses conseguiram manter a população israelense, graças ao apagão da mídia, indiferente a tudo o que acontece em torno da distribuição de ajuda em Gaza. A Faixa de Gaza "se tornou um lugar com suas próprias regras. A perda de vidas humanas não significa nada", disse um soldado ao Haaretz.
“Onde eu estava alocado, entre uma e cinco pessoas morriam todos os dias. Eles os tratam como uma força hostil: sem medidas de controle de multidões, sem gás lacrimogêneo, apenas fogo real com tudo o que se possa imaginar: metralhadoras pesadas, lançadores de granadas, morteiros. Então, uma vez que o centro é aberto, os tiros param e eles sabem que podem se aproximar. Nossa forma de comunicação é o fogo de artilharia”, relata outra fonte militar.
“Abrimos fogo de manhã cedo se alguém tenta se alinhar a algumas centenas de metros de distância, e às vezes simplesmente atacamos à queima-roupa. Mas não há perigo para as forças”, acrescenta. Este soldado não tem notícias de “nenhum caso de fogo de retorno. Não há inimigo e nem armas”. Eles até atiram em pessoas que tentam escapar.
Há uma tripla camada de segurança, segundo o jornal israelense: o terreno e o acesso à instalação são controlados por funcionários americanos; os arredores são controlados por palestinos armados perto de uma milícia anti-Hamas cujo líder colabora com Israel; e, mais longe, soldados israelenses munidos de todos os tipos de armas. O jornal menciona um oficial de alta patente cujo nome aparece repetidamente em depoimentos sobre os disparos contra palestinos.
Trata-se do Brigadeiro-General Yehuda Vach, comandante da 252ª Divisão, que já foi implicado em outros escândalos dentro de Gaza durante o conflito atual.
Os depoimentos publicados no Haaretz constituem um reconhecimento documentado de "crimes de guerra e assassinatos em massa sistemáticos contra o povo de Gaza, que suportou meses de cerco e fome", de acordo com uma declaração de autoridades na Faixa de Gaza, onde o Hamas governa.
Um oficial da equipe de segurança de um centro de distribuição descreveu a abordagem das Forças de Defesa de Israel (IDF) como profundamente falha: "Trabalhar com uma população civil quando a única maneira de interagir é abrir fogo é, no mínimo, muito problemático", disse ele ao Haaretz. "Não é ética nem moralmente aceitável que as pessoas tenham que chegar, ou não, a uma [zona humanitária] sob fogo de tanques, atiradores de elite e morteiros".
O notório Fundo Humanitário de Gaza (FGH) é uma rede obscura imposta por Israel e pelos Estados Unidos que tenta controlar exclusivamente a distribuição de ajuda humanitária na Faixa de Gaza desde o final de maio. Faz isso contra as Nações Unidas e organizações humanitárias que trabalham com os palestinos em terra há décadas. "O novo mecanismo de ajuda é uma abominação que fere e mata seres humanos. É uma armadilha mortal que custa mais vidas do que salva", disse Philippe Lazzarini, chefe da Agência da ONU para Refugiados da Palestina (UNRWA), esta semana em Berlim.