27 Junho 2025
“Com Walter Rodney, e com aqueles que antes e depois dele se engajaram criticamente com o marxismo enquanto desenvolviam análises históricas do colonialismo e da escravidão, aprendemos que questionar as premissas profundamente arraigadas do capitalismo sobre a natureza humana e o progresso é uma das tarefas mais importantes para teóricos e ativistas que buscam desmantelar as estruturas e a ideologia do racismo”. A reflexão é de Angela Y. Davis, em artigo publicado por El Diario, 24-06-2025. A tradução é do Cepat.
O texto é, na realidade, o prólogo para o ensaio do renomado ativista pan-africanista Walter Rodney Como a Europa subdesenvolveu a África, publicado em espanhol pela editora Capitán Swing. No Brasil, o livro é editado pela Boitempo Editorial.
Quando Walter Rodney foi assassinado em 1980, prematuramente aos 38 anos, já havia alcançado o que poucos acadêmicos são capazes de realizar em carreiras consideravelmente mais longas que a sua. A disciplina da história africana nunca mais seria a mesma após a publicação de Como a Europa subdesenvolveu a África (Boitempo, 2022).
Ao mesmo tempo, esta análise meticulosamente documentada das repercussões persistentes do colonialismo europeu no continente africano radicalizou as posições do ativismo antirracista em todo o mundo. De fato, o termo “ativista acadêmico” adquire seu significado mais poderoso quando usado para descrever a paixão generativa que liga a pesquisa de Walter Rodney à sua determinação de livrar o planeta de todos os frutos do colonialismo e da escravidão.
Quase 40 anos após a sua morte, certamente precisamos desses exemplos brilhantes do que significa ser um intelectual convicto que reconhece que a maior importância do conhecimento é sua capacidade de transformar nossos mundos sociais.
Com Walter Rodney, e com aqueles que antes e depois dele se engajaram criticamente com o marxismo enquanto desenvolviam análises históricas do colonialismo e da escravidão, aprendemos que questionar as premissas profundamente arraigadas do capitalismo sobre a natureza humana e o progresso é uma das tarefas mais importantes para teóricos e ativistas que buscam desmantelar as estruturas e a ideologia do racismo.
Ao refutar o argumento de que a subordinação da África à Europa era decorrente de uma propensão natural à estagnação, Rodney também rejeita a presunção ideológica de que somente a intervenção externa poderia trazer progresso ao continente. Embora a colonização tenha durado oficialmente apenas cerca de setenta anos – um período relativamente curto, como assinala Rodney –, foi durante esse período que mudanças colossais ocorreram tanto no mundo capitalista (isto é, na Europa e nos Estados Unidos) como no emergente mundo socialista (especialmente na Rússia e na China). “Observar a passagem do tempo – insiste –, ou mesmo avançar lentamente enquanto outros saltam à frente é praticamente o mesmo que andar para trás”.
Em Como a Europa subdesenvolveu a África, Walter Rodney argumenta exaustivamente que o imperialismo e os vários processos que alimentaram o colonialismo criaram bloqueios estruturais impenetráveis ao progresso econômico e, portanto, também político e social do continente. Ao mesmo tempo, seu argumento não busca absolver os africanos da “responsabilidade última pelo desenvolvimento”.
Sinto-me extremamente privilegiada por ter conhecido Walter Rodney durante a minha primeira viagem ao continente africano, em 1973. Menciono a visita a Dar es Salaam porque ocorreu logo após a primeira publicação de Como a Europa subdesenvolveu a África e porque, por um breve período, testemunhei em primeira mão a urgência revolucionária que se desenvolvia nos círculos acadêmicos e ativistas que o cercavam.
Tive a oportunidade de não apenas assistir às palestras e debates que ele organizou na Universidade de Dar es Salaam sobre a relação entre a libertação africana e a resposta global ao capitalismo. Também visitei os campos de treinamento do MPLA, onde conheci Agostinho Neto e a estrutura militar que combatia o exército português.
As análises de Walter Rodney refletiam tanto uma pesquisa histórica sóbria e bem fundamentada, informada por categorias e críticas marxistas, como um profundo senso da conjuntura histórica, que foi definida pelos movimentos revolucionários globais, especialmente as lutas de libertação africanas da época.
Sendo um estudioso tão metódico como era, ele não ignorava as questões de gênero, mesmo quando escrevia sem o benefício dos vocabulários e das estruturas analíticas feministas que se desenvolveram posteriormente. Outros apontaram que ele, sem dúvida, teria dado maior ênfase a essas questões se tivesse trabalhado mais tarde. No entanto, Rodney aborda o papel do gênero em vários pontos estratégicos do texto, fazendo uma pausa para observar que, sob as condições do colonialismo, os “privilégios e direitos sociais, religiosos, constitucionais e políticos das mulheres africanas desapareceram, enquanto a exploração econômica prosseguia e frequentemente se intensificava”.
Ele enfatiza que, na África, o impacto do colonialismo sobre a mão de obra redefiniu o trabalho dos homens como “moderno”, ao mesmo tempo em que caracterizava o trabalho das mulheres como “tradicional” ou “atrasado”. “Assim, a deterioração das condições de trabalho das mulheres estava ligada à consequente perda do direito de estabelecer regras autóctones sobre qual trabalho tinha mérito e qual não”.
Na época da publicação de Como a Europa subdesenvolveu a África, o ativismo negro – pelo menos nos Estados Unidos – era influenciado não apenas por ideias nacionalistas culturais sobre a intrínseca inferioridade feminina, frequentemente atribuídas de forma falaciosa a práticas culturais africanas, mas também pela atribuição oficialmente incentivada de uma estrutura familiar matriarcal – ou seja, defeituosa – às comunidades afro-americanas (por exemplo, o Relatório Moynihan de 1965). Este livro foi uma ferramenta importante para aqueles de nós que buscavam rebater tais noções essencialistas de gênero dentro dos movimentos radicais negros daquela época.
Se as contribuições acadêmicas e ativistas de Walter Rodney exemplificaram o que era mais requisitado naquele momento histórico específico – ele foi assassinado por acreditar na possibilidade real de uma mudança política radical, inclusive em sua terra natal, a Guiana –, suas ideias assumem uma importância ainda maior hoje, quando o capitalismo reafirmou seu domínio de forma tão agressiva e as forças de oposição organizadas que outrora existiram (não apenas a comunidade de nações socialistas, mas também as nações não alinhadas) foram virtualmente eliminadas.
Aqueles de nós que se recusam a admitir que o capitalismo global representa o melhor futuro para o planeta e que a África e o ex-Terceiro Mundo estão destinados a permanecer para sempre na pobreza do “subdesenvolvimento” enfrentam a seguinte e crucial questão: como podemos encorajar uma crítica radical do capitalismo que seja parte integrante das lutas contra o racismo, ao mesmo tempo em que promovemos o reconhecimento de que não podemos conceber o desmantelamento do capitalismo enquanto as estruturas do racismo permanecerem intactas? Nesse sentido, cabe a nós continuar, expandir e aprofundar o legado de Walter Rodney.
Walter Anthony Rodney (23 de março de 1942, Georgetown – 13 de junho de 1980, Georgetown) foi um proeminente historiador, ativista político e acadêmico da Guiana. Foi assassinado no verão de 1980.
Viajou muito e tornou-se conhecido internacionalmente como ativista, acadêmico e palestrante. Era um contundente crítico do capitalismo e argumentou que somente sob o “socialismo e por meio da liderança das classes trabalhadoras” a África estaria em condições de romper com o imperialismo.
Em 15 de outubro de 1968, o governo jamaicano declarou Rodney persona non grata. A decisão de impedi-lo de retornar à Jamaica e sua subsequente demissão pela Universidade das Índias Ocidentais, Mona, desencadearam protestos de estudantes e trabalhadores em West Kingston, que levaram a revoltas, conhecidas como Revoltas de Rodney, que resultaram em seis mortes e milhões de dólares em prejuízos, de acordo com a editora Capitán Swing.
Em 13 de junho de 1980, aos 38 anos, foi assassinado em Georgetown por um explosivo colocado em seu carro, um mês após retornar das comemorações da independência do Zimbábue, em um momento de intenso ativismo político.