18 Junho 2025
Três milhões de haitianos entraram em fase de emergência alimentar, segundo a FAO e o PMA. O último relatório também alerta que, na Bolívia e na Colômbia, a inflação, as mudanças climáticas e a violência ameaçam a segurança alimentar.
A reportagem é de Noor Mahtani, publicada por El País, 16-06-2025.
A crise perene do Haiti continua inabalável. O deslocamento forçado devido às mais de 180 gangues criminosas que controlam o país, a quebra de safras e a pobreza estão esvaziando os pratos de milhões de haitianos. O último relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Programa Mundial de Alimentos (PMA) revela que o Haiti é um dos cinco países do mundo com maior risco de fome, um estado avançado de desnutrição em que o corpo começa a decompor tecidos vitais à sobrevivência. Metade da população do Haiti, cerca de 5,7 milhões, está passando fome. Destes, quase 3 milhões entraram em fase catastrófica ou de emergência entre março e junho. Agora, com o início da temporada de furacões, a perspectiva só piora. "Não fazer nada não é uma opção", diz Lola Castro, Diretora Regional do PMA.
O estudo "Hunger Hotspots: Early Warnings on Acute Food Insecurity" da FAO e do PMA identifica a violência e os desastres como as principais causas da insegurança alimentar no país caribenho, que lidera o relatório pelo terceiro ano consecutivo. Desta vez, junta-se à Palestina, Sudão, Sudão do Sul e Mali. Um dos fatores comuns nesses cinco hotspots é a violência armada. Em 2024, os conflitos aumentaram 25% em todo o mundo em comparação com 2023, e dados do início de 2025 mostram a probabilidade de níveis elevados de violência continuarem. Portanto, ambas as organizações alertam que a crise alimentar provavelmente se agravará em 13 países e territórios.
Castro insiste na deterioração da situação no Haiti e admite estar "mais preocupada do que nunca". "Desde 2018, só vimos a situação alimentar piorar. E ouso dizer que isso afeta não apenas os haitianos, mas toda a região", explica ela por telefone. O aumento da violência forçou milhões de haitianos a migrarem para os Estados Unidos ou para a República Dominicana, onde quase um décimo da população sobrevive da agricultura e da construção civil, evitando as duras políticas de imigração do país vizinho.
“O que é preciso para conter a fome no Haiti é a paz e o fim do conflito de uma vez por todas”, afirma a especialista, que visitou o país recentemente. “Visitamos cidades que, de uma semana para a outra, precisam de ajuda humanitária e são deslocadas pela violência. Bairros inteiros são queimados, pessoas abandonam suas plantações, precisam migrar, pessoas amontoadas em centros de deslocados não têm acesso a cozinhas... A violência tem consequências terríveis para a segurança alimentar”, afirma.
Desde 1º de junho, o Haiti também enfrenta outra ameaça: a temporada de furacões no Atlântico, que começou mesmo que a devastação das tempestades do ano passado, como Milton, Beryl e Helene, ainda não tenha diminuído em 2024. As previsões preveem entre 13 e 19 tempestades tropicais, das quais seis a dez podem se tornar furacões que, ao atingirem países com infraestrutura precária e pouca prevenção de desastres, como o Haiti, destroem plantações, casas e até ceifam centenas de vidas.
Castro também lamenta a falta de financiamento de organizações — não apenas devido aos cortes da USAID — para mitigar esses números e as ameaças sentidas a cada hora do almoço. "Para o Haiti, estamos buscando pelo menos US$ 46 milhões nos próximos seis meses. Nossos suprimentos de alimentos para essas estações estão praticamente pela metade. Estamos ouvindo o relógio correndo", diz ele.
O Haiti não é o único país da região que preocupa seriamente ambas as organizações. O relatório também se concentra na Colômbia e na Bolívia, com números críticos, embora por razões muito distintas. Na primeira, cerca de 7,8 milhões de pessoas (15% da população) sofrem de insegurança alimentar aguda e precisam de assistência urgente em 2025. Apesar do trabalho coordenado com o governo nacional, os esforços não são suficientes, afirma Castro. O deslocamento é a principal razão que impulsiona esse problema. Confinamentos e desastres deslocaram 695.000 pessoas em março de 2025. "Houve uma redução notável nos últimos três anos devido ao trabalho com o governo, devido à busca pela paz total, mas há questões subjacentes que ainda não mudaram", lamenta.
O caso da Bolívia, no entanto, está relacionado à inflação do país. Ao contrário de outros países como o Haiti, diz Castro, os alimentos são produzidos no país, mas a cesta básica é tão cara que se torna inacessível à classe trabalhadora.
De acordo com a pesquisa, 19% da população — cerca de 2,2 milhões de bolivianos — não tem acesso a uma alimentação adequada.
A crise climática é outra causa raiz da desnutrição no país. No ano passado, incêndios queimaram 12 milhões de hectares, grande parte deles terras produtivas. Além disso, o presidente Luis Arce declarou estado de emergência nacional, classificando as enchentes de fim de ano como a crise climática mais grave em 40 anos. "Tudo isso impactará a colheita de milho", explica. "As consequências da violência e do aquecimento global são muito graves na região. E, embora haja tentativas de resistência e os agricultores continuem a colocar comida no prato da população, a situação é muito grave", conclui.