07 Outubro 2024
"Na escuridão informativa e na inércia política, no Haiti, no Sudão e em outros 180 buracos negros do mundo, os combates continuam", escreve Lucia Capuzzi, jornalista italiana, em artigo publicado por Avvenire, 05-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A última Assembleia Geral da ONU mais uma vez ofereceu à comunidade internacional a possibilidade (ou o álibi) de perder uma oportunidade. No turbilhão de centenas de líderes que se revezavam na tribuna do Palácio de Vidro, ninguém prestou muita atenção ao enésimo pedido de ajuda lançado pelo representante do Haiti.
No entanto, Edgar Leblanc, presidente do Conselho de Transição - o órgão encarregado de lançar as bases para a reconstrução de um sistema institucional pulverizado por quase uma década de anarquia - não mediu palavras ao descrever a gravidade da crise. “O país está sendo dilacerado pela criminalidade”, disse ele. Não se trata de uma metáfora. O Haiti está desmembrado em pedaços de território: em cada um deles, a única lei é a da gangue que o dominou. Eles chamam isso de República das Gangues. Na realidade, se parece mais com uma confederação sob a égide do “chefão dos chefões”, Jimmy Chérizier, também conhecido como Barbecue. Diante da ameaça de duzentos grupos fortemente armados - graças às receitas de patrocinadores políticos locais, extorsão e acordos com os “chefes do tráfico latino-americanos” - o mundo respondeu, com quase dois anos de atraso, com o envio de uma missão multinacional liderada pelo Quênia que, no momento, consiste em menos de quinhentos policiais barricados na base dos EUA por falta de forças e meios.
É claro que, nas próprias Nações Unidas, o presidente do Quênia, William Rutto, prometeu que um total de 2.500 agentes estaria no local até janeiro próximo. Ou seja, salvo prováveis contratempos, em mais três meses. Nesse meio tempo, a violência ultrapassou os padrões já elevados. Todos os dias, em média, vinte pessoas são assassinadas. Anteontem, uma gangue abriu fogo com fuzis automáticos contra a multidão em Pont Sondé: 70 vítimas ficaram no chão, entre as quais uma dezena de mulheres e três crianças.
Os dados mais recentes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos registraram 3.661 assassinatos somente nos primeiros seis meses do ano: em todo o ano de 2023, foram pouco mais de 4.700. Além das vítimas da violência, há os feridos, os órfãos, os seiscentos mil deslocados internos amontoados em cada prédio disponível em Porto Príncipe e nas ruas, metade da população reduzida ao nível de fome aguda, de acordo com os dados mais recentes do Programa Mundial de Alimentos (PMA). E os números, embora alarmantes, descrevem apenas uma pequena parte de uma realidade terrível.
Com a multiplicação de conflitos em todo o mundo e o risco de uma escalada iminente no Oriente Médio, no entanto, a agenda global está saturada de emergências. E, aos olhos dos Grandes, a do Haiti continua sendo uma “crise menor”. Uma entre muitas. Incluindo a guerra civil sudanesa, a mais grave catástrofe humanitária do planeta: mais de 10 milhões de deslocados, 20 mil mortos confirmados, dois milhões em risco de desnutrição. “O Haiti tem um baixo potencial para desestabilizar a região”, se ouve repetir nas chancelarias e nas cúpulas diplomáticas.
Mesmo que isso fosse verdade - e não é necessariamente assim, dadas as implicações em termos do avanço da criminalidade transnacional e o impacto sobre os fluxos migratórios -, a questão é outra. O nó haitiano é intrincado. Mas não tanto quanto - em termos de complexidade geopolítica - o conflito israelense-palestino que já dura décadas ou o conflito russo-ucraniano. Portanto, dissolvê-lo seria possível com um investimento de recursos humanos e materiais adequado, mas ainda mínimo em comparação com outras urgências. E isso não beneficiaria apenas a ilha do Caribe. Um bom resultado daria à comunidade internacional, cada vez mais desgastada, uma prova tangível de credibilidade.
Seria a prova de que ela ainda pode encontrar uma voz capaz de se sobrepor ao ruído de fundo dos interesses particulares. O mesmo poderia ser dito sobre o Sudão, onde há uma conexão maior entre as partes conflitantes - as Saf do presidente Abdel Fattah al-Burhan e as Rsf do vice Mohamed Hamdan Dagalo - com as potências internacionais de olho no controle do comércio marítimo do Mar Vermelho, das águas da bacia do Nilo, das minas de ouro e dos campos de petróleo.
No entanto, o apelo de Leblanc à sede da ONU para transformar o contingente multinacional em uma missão da ONU não foi ouvido. Sua intervenção ganhou espaço nas mídias e nas redes sociais por um motivo completamente diferente: a água que ele derramou sobre si mesmo enquanto bebia do jarro. O Sudão, no entanto, se saiu pior: não teve nem mesmo a honra de um “meme”. Na escuridão informativa e na inércia política, no Haiti, no Sudão e em outros 180 buracos negros do mundo, os combates continuam.
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O paradoxo das crises menores Haiti, Sudão e a impotência da ONU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU