03 Mai 2025
"O Papa Francisco nunca deixou de nos exortar a nos colocarmos à escuta dos gemidos inexprimíveis da criação (Romanos 8,22-23) que geme com dores de parto: “O grito da terra e o grito dos pobres” (Laudato si', nº 49; cf. Êxodo 3,7; Salmo 34,7). Agradeçamos por essa “pastoral estilística” do engendramento no Espírito, encarnada com tanta força, humor e rigor durante os doze anos do pontificado de Francisco".
O artigo é de Gaël Giraud, publicado por Avvenire, 30-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Gaël Giraud (Paris, 24-01-1970), jesuíta, matemático, economista e teólogo, é pesquisador junto ao Avec Centre de Bruxelas e do CNRS de Paris. Considerado um dos teóricos mais inovadores em nível internacional da transição ecológica, publicou vários livros sobre esse tema, entre os quais citamos: La rivoluzione dolce della transizione ecologica (Lev) e Il gusto di cambiare (Slow Food Editore), juntamente com Carlo Petrini.
Pastoral e profético: esse é o “estilo evangélico” de Bergoglio, no qual se expressa a conversão a uma antropologia e cosmologia relacionais. Que nos reconectam ao coração da Boa Nova e das teologias trinitárias. Por uma Igreja sinodal. E dos pobres.
Agradeço pelo pontificado do Papa Francisco, que, a meu ver, representa o evento eclesial mais importante desde o Concílio Vaticano II. Da profusão de gestos e palavras proféticas que Francisco fez e proferiu durante o seu pontificado, o que me marca acima de tudo é um estilo: é ele mesmo que fala de “estilo evangélico” na exortação Evangelii Gaudium (2013, nº 39), em um sentido que, na minha opinião, encontra uma feliz correspondência na noção de “cristianismo como estilo” elaborada pelo teólogo jesuíta Christoph Theobald.
Trata-se, em primeiro lugar, de um estilo pastoral: a Evangelii Gaudium respira a extraordinária experiência pastoral que caracterizou a vida do padre Bergoglio bem antes de sua eleição para a sucessão de Pedro. Uma experiência que se expressa, em parte, no melhor que a teologia do povo (Aparecida, 2007) pode oferecer: uma atenção vigilante ao direito e à justiça, que, no entanto, reconhece a piedade popular e a “santidade da classe média” (Gaudete et Exsultate, nº 7).
Ao fazer isso, Francisco restituiu honra à tradição mais antiga de nossa Igreja: lex orandi, lex credendi, abrindo, ao mesmo tempo, espaço para o sensus fidei fidelium (1 João 2,27). Em outras palavras: a maneira como os fiéis de hoje, especialmente os pobres, honram a santidade no mundo nos esclarece o que significa ser santos hoje (Mateus 25,40). Nessa perspectiva, Francisco também excomungou a máfia e valorizou a devoção a São José, promoveu certos cultos marianos e assim por diante. Essa pastoralidade do pensamento e da ação de Francisco está totalmente de acordo com a linha traçada pelo discurso de abertura do Papa João XXIII ao Concílio em 11 de outubro de 1962, que preferia uma Igreja pastoral a uma Igreja docente.
Trata-se também de um estilo profético: a primeira viagem do Papa Francisco foi a Lampedusa e, desde então, ele não parou de denunciar a “globalização da indiferença” e especialmente o obsessivo dobramento sobre si mesma da Europa. Em 11 de fevereiro último, condenou novamente as expulsões em massa de migrantes determinada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, atraindo a ira da Casa Branca. Em sua última mensagem, lida no domingo de Páscoa por um colaborador da sacada da Basílica de São Pedro, o Papa denunciou a “situação humanitária dramática e ignóbil” em Gaza, alertando também contra “o crescente clima de antissemitismo”.
Esse estilo profético surpreendeu notoriamente o mundo inteiro com a publicação da encíclica Laudato si' (2015), seguida por Fratelli tutti (2020). Nessas duas encíclicas, encontramos uma vigorosa denúncia da idolatria representada pela economia neoliberal, que provocou uma resistência igualmente vigorosa até mesmo entre alguns católicos. No entanto, o que essas duas encíclicas nos convidam a fazer é a uma conversão antropológica: romper com o que o antropólogo Philippe Descola definiu de “ontologia naturalista” (ou seja, a crença de que somente a humanidade possui uma interioridade), em favor de uma antropologia relacional — e até mesmo de uma cosmologia relacional — em que o que é constitutivo não é a substância, mas a relação.
Nesse sentido, Francisco rompe com quase 2.500 anos de metafísica ocidental, que desde Aristóteles considera a relação como um acidente da substância. Ao fazer isso, Francisco se reconecta com o próprio coração do Evangelho: nossas afirmações “Deus é amor” (1 João 4,8.16) e nossas teologias trinitárias (do Adversus Praxean de Tertuliano) todas dizem, cada uma a seu modo: “Deus é relação”. É exatamente aqui que se enraíza a pastoralidade da Igreja pensada pelo Papa. Uma Igreja dos pobres, que se coloca a serviço da relação vivente, assim como um hospital de campanha (Evangelii Gaudium, nº 49) se coloca a serviço da vida.
Durante a audiência que tive com o Papa Francisco em 03-09-2020, na presença de alguns ecologistas franceses militantes (incluindo a atriz Juliette Binoche e o ensaísta Pablo Servigne), evocamos o famoso parágrafo 123 da encíclica Laudato si', no qual o Papa critica o próprio espírito que anima tanto aqueles que cometem abusos de menores, quanto aqueles que abandonam os idosos e aqueles que devastam o planeta com a desculpa de que “o mercado cuidará disso”. O Papa então nos disse que um elemento está faltando nessa lista: as violências contra as mulheres. Em outras palavras: os feminicídios e o ecocídio compartilham o mesmo espírito — aquele do inimigo da natureza humana.
Ora, essa cosmologia relacional atraída pelo Cristo-em-relação tem sido vivida há milênios por aqueles povos indígenas cujo imaginário ainda não foi contaminado pela globalização mercantil ocidental. Acredito que é exatamente aí que se enraíza o amor do Papa Francisco pelos povos indígenas, particularmente — mas não exclusivamente — por aqueles da Amazônia, como bem expresso na Exortação Apostólica Querida Amazonia (2020).
Acredito que seria nesse nível que o tom político de alguns dos escritos do Papa Francisco, e em particular da Exortação Apostólica Laudate Deum (2023), também deveria ser colocado. O Papa tece um elogio a um “multilateralismo vindo de baixo” (nº 38), que talvez ainda não tenha sido suficientemente meditado em nossa Igreja. Em um momento em que Washington parece querer desmantelar o multilateralismo onusiano, para substituí-lo por relações bilaterais de força e violência, o multilateralismo a partir de baixo representa um apelo a uma coordenação internacional baseada na escuta respeitosa das comunidades locais, do que é inventado nelas, da santidade vivida cotidianamente.
Testemunhas disso são os gestos históricos feitos por Francisco durante a primavera de 2020, por ocasião da pandemia de Covid-19 e das experiências de confinamento coletivo a que se submeteu grande parte da humanidade. O Conselho de Segurança da ONU permaneceu mudo enquanto a praga do vírus atingia o planeta inteiro. A Organização Mundial da Saúde foi pouco ou nada ouvida pelos governos. Tantos sinais de fracasso de um multilateralismo onusiano agora já exaurido.
Era isso que significava, em 27-03-2020, durante a pandemia de Covid-19, o ritual celebrado pelo Papa Francisco em uma Praça São Pedro deserta e varrida pela chuva. Avançando sozinho durante essa Statio Orbis e carregando o crucifixo de São Marcelo do Corso, Francisco mostrou, com o gesto, que Cristo consentiu em morrer na cruz para não romper uma aliança com a humanidade que nosso pecado, no entanto, deformou.
É nesse nível — em nome de uma cristologia de um Jesus-em-relação-até-o-fim — que Francisco nos convida a buscar soluções para o sufocamento do multilateralismo das Nações Unidas. Não com uma regressão para algum tipo de feudalismo internacional, que Washington parece querer instaurar, mas aprendendo a entrar coletivamente em um discernimento espiritual global.
Esse discernimento passa necessariamente pela reforma de nossas estruturas econômicas iníquas — e esse é precisamente o coração da Economia de Francisco, aquele formidável movimento em que milhares de jovens já estão inventando a economia de amanhã, baseada em bens comuns, agroecologia, indústria de baixa tecnologia, saída dos combustíveis fósseis, fim das finanças desregulamentadas. Mas o discernimento também, e acima de tudo, passa pela sinodalidade na nossa Igreja (Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão, 2024; números 11,17, Atos 15,28).
A sinodalidade nada mais é do que o aprendizado de uma organização eclesial inspirada pela Regra de Ouro evangélica: “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam” (Mateus 7,12; Lucas 6,31). Isso implica, como frequentemente nos lembra o Pe. Christoph Theobald (teólogo presente no Sínodo sobre Sinodalidade), passar por aquela experiência espiritual fundamental que consiste em tomar o lugar do outro — sem abandonar o próprio.
É essa atitude, esse estilo de relação com o outro, que deveria prevalecer nas nossas comunidades cristãs, nos nossos conselhos pastorais, nas nossas comunidades religiosas. Será que uma família pode se manter se ninguém viver nela — mesmo que de maneira discreta e modesta — algo da Regra de Ouro? Uma empresa ainda pode funcionar? A democracia ainda pode ter sentido?
É por isso que o legado de Francisco é tão importante para o nosso mundo de hoje. O Sínodo sobre a Sinodalidade talvez seja, a seu modo, a iniciativa de uma reforma profunda para virar a página da “reforma” gregoriana, e que, ao mesmo tempo, tenta evitar as armadilhas armadas por aqueles que brandem a chantagem do cisma para bloquear qualquer reforma. É uma maneira de reinserir a nossa Igreja em uma cultura de diálogo plural, confiante de que o Espírito, hoje, fala às Igrejas (Apocalipse 2,7.11.17), às comunidades locais, aos povos indígenas, a todas as mulheres e homens de boa vontade.
O Papa Francisco nunca deixou de nos exortar a nos colocarmos à escuta dos gemidos inexprimíveis da criação (Romanos 8,22-23) que geme com dores de parto: “O grito da terra e o grito dos pobres” (Laudato si', nº 49; cf. Êxodo 3,7; Salmo 34,7). Agradeçamos por essa “pastoral estilística” do engendramento no Espírito, encarnada com tanta força, humor e rigor durante os doze anos do pontificado de Francisco.