29 Abril 2025
"Francisco lembrou incessantemente que Deus prefere um ateu sincero à hipocrisia servil de um crente e que Jesus não veio para salvar os justos, mas os pecadores, porque, como as palavras do Eclesiastes nos lembram com força, “não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e nunca peque” (Ec,7,20). Nenhum homem, de fato, como até mesmo o judeu Freud bem sabe, foi feito para a Lei."
O artigo é de Massimo Recalcati, psicanalista italiano e professor das universidades de Pávia e de Verona, em La Repubblica, 25-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "é um fato: em seu magistério, a teologia nunca foi um sistema, mas uma ferida: uma abertura ao grito dos pobres, ao lamento da terra, à vertigem da dúvida, à dimensão humana e, portanto, falível da fé".
A morte do Papa Francisco não decreta o fechamento de seu pontificado porque traz consigo uma questão destinada a permanecer em aberto: a Graça pode subverter a Lei? Sua última escolha, a de não ser sepultado no templo de São Pedro, mas em Santa Maria Maior, seria a última manobra para evitar uma canonização falsamente comemorativa de seu pontificado? Seu legado claramente abre um conflito que coloca em jogo não uma simples sucessão, mas a identidade cristã como tal.
De um lado, uma Igreja que gostaria de enterrar Francisco no mármore austero e grandioso do templo, domesticando sua mensagem escandalosa, considerando seu pontificado uma espécie de parêntese populista-pauperista que deve ser fechado o mais rápido possível. De outro, aqueles que insistem em ver em seu testemunho a retomada de um cristianismo radical em que a anarquia sem Lei da Graça parece mais forte do que os dogmas consolidados na doutrina. Francisco não foi, de fato, um pontífice entre outros, mas um verdadeiro trauma na história da Igreja. Seu legado não é, portanto, uma herança já definida a ser preservada, mas uma abertura que continua sendo incerta, um sismo cujos efeitos ainda não se revelaram plenamente.
Uma das dimensões mais desconcertantes de sua pregação foi a convergência entre o teólogo e o pescador. Não o pescador contra o teólogo - como afirmam alguns de seus críticos dogmático-clericais, condenando um seu populismo subjacente - mas o pescador como coração profundo, como ponto singular de enunciação do teólogo. É um fato: em seu magistério, a teologia nunca foi um sistema, mas uma ferida: uma abertura ao grito dos pobres, ao lamento da terra, à vertigem da dúvida, à dimensão humana e, portanto, falível da fé. Daí a centralidade assumida por seu corpo, que se tornou - como também aconteceu com o de Francisco de Assis identificado com seus estigmas - ele próprio uma oração capaz de denunciar uma verdade escandalosa: a santidade não está na emenda da carne, na sua purificação ascética, mas na plena adesão ao corpo. A verdade do Verbo coincide, de fato, com sua encarnação.
É a kenosis paulina. Daí a centralidade da pobreza, que antes ainda de ser um tema justamente social, encontra sua raiz mais profunda nessa mesma encarnação. O glorioso templo da Igreja Católica é então povoado por corpos feridos: os pés cansados dos migrantes, as cicatrizes dos detentos, o desespero dos sem-teto e dos dependentes químicos, o sofrimento dos doentes, os rostos e os corpos das crianças mutiladas pelas guerras. Não esconder o próprio corpo exposto em sua fragilíssima humanidade subverte a teologia do poder: não é o templo que torna o corpo santo, mas o corpo que torna o templo santo. Sua própria morte, então, não pode ser lida como o fechamento de um parêntese, pois mantém aberta a ferida original da kenosis cristã, o escândalo de Deus que, ao se fazer homem, apaga a si mesmo como Deus.
Por essa razão, coerente com o espírito dos Evangelhos, Francisco sempre subordinou o rosto de Deus ao do próximo. Aqui o pescador se confunde com o teólogo e vice-versa. Essa é sua maior aposta: não o exercício pastoral contra a teologia, mas a teologia como exercício pastoral. O pescador encarna um conhecimento que não vem apenas dos livros, mas do vento que rasga as velas e as redes, da espera, da fé, do mistério da noite que precede à pesca. Do teólogo ao pescador, da Lei à Graça são dois movimentos plenamente sintonizados: Deus não é um contador, mas um pai que, como na parábola lucana do filho pródigo, corre feliz ao encontro de seu filho perdido sem a preocupação de ter que punir ou castigar. Por esse motivo, sua herança não será uma mera sucessão, mas um campo de batalha. De um lado, o impulso em direção a uma Igreja que reconhece no Espírito um vento capaz de soprar além dos muros do clericalismo e, de outro, a resistência daqueles que veem na anarquia da Graça uma ameaça à ordem estabelecida.
Francisco lembrou incessantemente que Deus prefere um ateu sincero à hipocrisia servil de um crente e que Jesus não veio para salvar os justos, mas os pecadores, porque, como as palavras do Eclesiastes nos lembram com força, “não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e nunca peque” (Ec,7,20). Nenhum homem, de fato, como até mesmo o judeu Freud bem sabe, foi feito para a Lei. Nisso a teologia de Francisco relê o Evangelho por meio da centralidade absoluta do amor. A Lei não é um código ao qual se submeter, mas o que torna possível que a vida se abra à plenitude da vida. Deus não está nos céus, mas no leproso que ninguém toca, no inimigo como figura extrema de uma alteridade que nunca está à nossa disposição. Cumprir a Lei significa reconhecer a existência de uma Lei sem medida, uma Lei além da Lei. Significa reconhecer que essa nova Lei é a desconcertante Lei do amor que traumatiza a simetria do mérito, pois, como lembra Jesus, “há mais felicidade em dar do que em receber” (Atos 20,35).
Nesse sentido, a insistência de Francisco sobre a centralidade do amor não é a expressão de uma retórica populista, mas um verdadeiro trauma: o que salva não é a obediência à Lei, mas o encontro com a própria vocação, com aquilo que chama, com a causa que direciona nosso desejo mais próprio. Francisco mostrou que Deus não é um árido legislador, mas um apaixonado que bate imprevisivelmente à nossa porta. A Igreja, após a sua morte, deve escolher se quer se tornar um cemitério de preceitos morais ou um canteiro de obras aberto, onde a única Lei que conta é a do amor que não calcula.
Do teólogo ao pescador: o salto mortal acontece na carne. É um despertar, mas também um verdadeiro apocalipse. A resistência que sua mensagem encontrou nos círculos mais conservadores do catolicismo revela a verdade do trauma que representou: a abertura da Graça assusta muito mais do que o fechamento do pecado.