24 Abril 2025
A política externa de Francisco o colocou em desacordo com Trump, buscou se aproximar da China, o afastou de Israel e tem sido um dos equilíbrios complexos na Ucrânia.
A reportagem é de Lorena Pacho, publicada por El País, 23-04-2025.
O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio alertou sobre isso em suas primeiras palavras após assumir a liderança da Igreja Católica em 2013, na varanda da Basílica de São Pedro: "Parece que vieram me procurar no fim do mundo, mas aqui estamos". Essa frase, que despertou a simpatia e a curiosidade dos fiéis, foi gradualmente ganhando significado ao longo de um pontificado que descentralizou a Igreja, tirou-a de sua órbita eurocêntrica e a levou para as periferias. Desde o início, o Papa enviou sinais apontando nessa direção. Também com o nome que escolheu como pontífice, Francisco, em homenagem ao santo que dedicou sua vida a servir os pobres e os mais necessitados.
Francisco, um jesuíta com forte vocação missionária, abalou a geopolítica habitual dos papas até então, mudando o foco da Europa como eixo do catolicismo e colocando "as periferias do mundo" no centro de seus ensinamentos — um dos temas-chave de seu pontificado, também no sentido existencial, como ele mesmo recordou em inúmeras ocasiões. Ele foi um dos pontífices mais atentos à dimensão global da Santa Sé.
Em 2015, durante seu primeiro jubileu extraordinário, dedicado à misericórdia, num gesto inédito, decidiu não abrir a primeira Porta Santa em Roma, epicentro do cristianismo, mas na República Centro-Africana, país que visitou apesar de estar imerso em uma sangrenta guerra civil.
Sua primeira viagem oficial foi à ilha italiana de Lampedusa, em julho de 2013, época emblemática da crise dos refugiados, e denunciou a "globalização da indiferença" à tragédia migratória de milhares de pessoas que perderam a vida no mar tentando chegar às costas europeias. Suas críticas a certas políticas de imigração foram a principal causa de tensão com o presidente americano, Donald Trump, sobre o muro que dividia os Estados Unidos e o México, que ele prometeu durante seu primeiro mandato, e as deportações em massa que ele defendeu durante seu segundo. “Quem pensa em construir muros e não pontes não é católico”, disse Francisco em 2016. Ele expressou recentemente sua discordância com a política de deportação, que “deteriora a dignidade humana”.
Um dos marcos do pontificado de Francisco, convencido de que a Igreja do terceiro milênio crescerá na Ásia, foi a reaproximação com a China, um país com enorme potencial religioso, cobiçado também por seus antecessores, onde a Igreja Católica era perseguida e relegada à clandestinidade e que não mantinha relações diplomáticas com a Santa Sé desde 1951. Em 2018, Bergoglio chegou a um acordo histórico com Pequim que foi fundamental para iniciar o degelo nas relações entre as duas partes e consistiu basicamente em chegar a um consenso sobre a nomeação dos bispos. Foi concebido como um teste que se arrastou por anos sem chegar a um acordo estável e definitivo, e que enfrentou uma boa dose de controvérsia. As relações ainda não foram restauradas, mas este é um primeiro passo significativo. O próprio Francisco explicou recentemente que as relações entre as duas partes são "muito respeitosas" e que os canais de diálogo estão abertos. O Vaticano estava ansioso para deixar para trás um período de distanciamento e conflito com um país onde especialistas acreditam que há cerca de 40 milhões de cristãos.
Francisco também se concentrou em países e conflitos esquecidos e alcançou as periferias por meio de suas viagens apostólicas. Em Ciudad Juárez, no México, a poucos quilômetros da fronteira com os EUA, ele celebrou uma missa histórica em 2016 e abençoou uma cruz dedicada aos migrantes que arriscam suas vidas tentando chegar aos Estados Unidos. Em um Iraque devastado, que tentava se recuperar dos estragos do grupo terrorista autodenominado Estado Islâmico (ISIS), ele celebrou outra missa em 2021, como o primeiro pontífice a pisar naquele país. Esta missa também serviu para alcançar os cristãos de lá e construir pontes com o islamismo, outro foco importante do pontificado de Francisco. Em 2019, ele também se tornou o primeiro papa a visitar a Península Arábica, com uma viagem aos Emirados Árabes Unidos, que culminou na assinatura do Documento sobre a Fraternidade Humana e a Convivência Comum, com o Grande Imã de al-Azhar, para fortalecer o diálogo entre cristãos e muçulmanos.
Em 2019, ele fez uma importante viagem ao Japão, destino especial para Bergoglio, que na juventude sonhava em ser missionário neste país asiático. A viagem foi cheia de simbolismo, com visitas a Hiroshima e Nagasaki e alertas sobre o perigo de uma guerra nuclear. Em 2017, ele viajou para a Colômbia para oferecer seu apoio aos acordos de paz do governo com as FARC e apoiar o processo de reconciliação. Em 2015, ele viajou para Cuba e para os Estados Unidos para ajudar a desbloquear as relações entre os dois países. O então presidente dos EUA, Barack Obama, pediu diretamente a Francisco sua mediação no estabelecimento de relações diplomáticas com Cuba. O Pontífice fez um discurso histórico no Congresso dos EUA.
Francisco também propôs uma mediação entre a Rússia e a Ucrânia, embora neste caso a Ucrânia tenha recusado a oferta de mediação em larga escala e a Rússia não tenha respondido. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky visitou o Papa Francisco no Vaticano e pediu apoio diplomático para libertar alguns detidos ucranianos sob controle de Moscou.
O Papa acompanhou o conflito de perto e enviou um enviado papal em diversas ocasiões para monitorar o progresso do conflito e tentar promover o diálogo entre os dois lados. Ele também enviou ajuda humanitária à Ucrânia por meio de seu doador de esmolas em inúmeras ocasiões. A Ucrânia criticou repetidamente as declarações do Papa. No ano passado, ele criticou seus comentários em uma entrevista à televisão suíça de que Kiev deveria ter a “coragem” de negociar o fim da guerra com a Rússia, o que foi interpretado como um apelo à rendição da Ucrânia. Mais tarde, o Vaticano esclareceu que o Papa apoiava "uma cessação das hostilidades e uma trégua alcançada pela coragem das negociações" e não uma rendição aberta da Ucrânia.
A posição do Papa sobre o conflito entre Israel e Palestina também tem sido delicada. Francisco, que há muito tempo defende a solução de dois Estados proposta pelas Nações Unidas para acabar com o conflito árabe-israelense, criticou duramente os ataques de Israel a Gaza, chamando-os de "imorais e desproporcionais". O Papa chegou a pedir uma investigação para apurar se estaria a ocorrer um “genocídio” em Gaza. A diplomacia vaticana tenta evitar palavras como genocídio e terrorismo e tenta permanecer neutra no conflito, limitando-se a pedir paz e a chegada de ajuda humanitária para a população civil, mas houve alguns momentos tensos. Como o que ocorreu após o duplo encontro de Francisco com familiares de reféns israelenses capturados pelo Hamas nos atentados de 07-10-2023, e com familiares de palestinos afetados pela guerra. Os palestinos disseram que Francisco falou sobre genocídio durante o encontro privado, provocando um alvoroço diplomático que ressaltou que Israel e a Santa Sé estavam passando pelo período mais tenso em suas relações nas últimas décadas.