19 Setembro 2022
Em 13 de março de 2013 Jorge Mario Bergoglio tornou-se papa. No trono papal, pela primeira vez na história, sentava-se um jesuíta e uma figura do continente sul-americano, do chamado sul do mundo. Uma característica que se revelou relevante na determinação da política externa que o Vaticano tem seguido nos últimos nove anos, cada vez menos eurocêntrica e mais aberta às periferias do mundo.
A reportagem é de Luca Sebastiani, publicada por Domani, 16-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma conotação confirmada pela escolha do Papa Francisco de nomear o cardeal Pietro Parolin como secretário de Estado. Descendente da famosa escola diplomática do Vaticano, Parolin foi o máximo intérprete da "geopolítica bergogliana".
"Ajudar a deixar de lado as divergências da convivência humana, favorecer a harmonia e experimentar como, quando superamos as areias movediças do conflito, podemos redescobrir o sentido da unidade profunda da realidade". Para o Papa Francisco esse é o sentido e o propósito da diplomacia, como recordou em janeiro de 2022 durante o encontro com os membros do corpo diplomático da Santa Sé. A política externa do Vaticano estabeleceu como meta "construir pontes", colocar no centro os fenômenos migratórios, a questão ambiental ou o comércio de armas, um dos maiores obstáculos à paz para Bergoglio.
Em mais de uma ocasião, no que diz respeito à política internacional, o pontificado do Papa Francisco divergiu do passado, abrindo novas perspectivas para a Santa Sé, como a relação de Xi Jinping com a China, que foi seguida pelas tensões com Washington, as primeiras aberturas para a Rússia e a Igreja Ortodoxa, antes que a guerra na Ucrânia prejudicasse as relações.
O ponto de virada mais importante do Papa Francisco é o de fortalecer as relações com Pequim, uma relação que se desenvolveu cada vez mais ao longo dos anos. Já a partir da coincidência temporal em que os dois líderes foram eleitos: Bergoglio foi eleito em 13 de março de 2013 e Xi Jinping tornou-se presidente da República Popular no dia seguinte.
Contatos positivos foram iniciados desde os primeiros meses após anos nada simples nas relações entre a Santa Sé e Pequim. Um sinal significativo veio de Pequim em 2014, quando permitiu que um papa pela primeira vez sobrevoasse o espaço aéreo da China para sua viagem apostólica à Coreia do Sul. Os diálogos continuaram ao longo do tempo, especialmente entre 2016 e 2017, o que levou à assinatura do Acordo Provisório em 22 de setembro de 2018 na capital chinesa, que entrou em vigor um mês depois. Um documento "resultado de uma aproximação gradual e recíproca", como está escrito no comunicado do Vaticano, que diz respeito à nomeação de bispos na China. Uma questão decisiva para garantir que todos os bispos chineses, aprovados pelo governo chinês, estejam em comunhão com o bispo de Roma, que tem a última palavra sobre as nomeações.
Dado o seu caráter provisório, o acordo foi depois renovado em 2020 e deveria ser novamente prorrogado nas próximas semanas. No momento, porém, o conteúdo oficial do texto é mantido em segredo tanto pelo Vaticano quanto pela China.
O Papa Francisco não escondeu sua atenção especial à China e ao continente asiático.
Em uma reunião com o cardeal filipino Luis Antonio Tagle em 2015, ele afirmou: "O futuro da Igreja está na Ásia". Um conceito que encontrou confirmação nas viagens apostólicas realizadas até agora por Bergoglio, que, mesmo sem ir a Pequim, de fato cercou a China passando pela Coreia do Sul, Sri Lanka, Filipinas, Birmânia (Myanmar, no Brasil), Bangladesh, Tailândia e Japão.
Alguns canais de comunicação com Pequim também foram abertos com João Paulo II e Bento XVI, mas foi a abordagem jesuíta de Francisco que impulsionou para uma busca de relações mais estreitas com o Extremo Oriente.
A abertura da Santa Sé para a China, no entanto, também encontrou opositores ferrenhos e atraiu várias críticas. As mais veementes vieram de Washington, rival de Pequim na competição em curso entre grandes potências, com quem as relações tiveram uma desaceleração acentuada.
Como demonstrado quando o então secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, durante uma visita a Roma em outubro de 2020, não foi recebido pelo papa, mas por Parolin. Uma reação à dura acusação de Pompeo que havia alertado o Vaticano para não renovar o acordo com Pequim.
Além disso, naquela ocasião, os expoentes da Santa Sé acusaram o governo do ex-presidente Donald Trump de querer "explorar" o papa na campanha presidencial.
A relação entre a Igreja e os Estados Unidos ainda é sólida, como demonstram as visitas institucionais de presidentes estadunidenses ao papa, a mais recente de Joe Biden no final de outubro de 2021. Mas com o Papa Francisco, a situação tornou-se complicada, também dada a divergência entre os interesses da geopolítica vaticana do pontífice em relação aos raciocínios clássicos de uma superpotência nacional.
Bergoglio, de fato, devido às suas origens não euro-atlânticas e sua visão de "defensor dos últimos", não fez avanços nas administrações dos EUA nem entre os católicos estadunidenses. Também porque entre 2016 e 2020 Trump sentava-se na Casa Branca, incitando aqueles setores de direita ultracatólica no país que não viam com bons olhos as políticas e o pontificado de Francisco.
Divisões dentro do mundo católico que até aventaram a possibilidade de um cisma entre a Igreja nos Estados Unidos e a de Roma. Emblemáticas foram as respostas do papa aos jornalistas durante os voos de ida e volta que o levaram a Moçambique, Madagascar e Maurício em setembro de 2019.
Ele recebeu um livro intitulado "Como a América quis mudar o Papa", escrito por um jornalista do jornal católico La Croix, em que são contadas as pressões da extrema-direita católica em direção a um novo conclave. O Papa Francisco respondeu de maneira lapidar: "Para mim, é uma honra que os estadunidenses me ataquem". Como se isso não bastasse, no voo de volta, falando da possível fratura interna, ele disse: “Houve muitos cismas na igreja. Não tenho medo, mas rezo para que não aconteça.'
Outra importante diretriz da política externa do Papa Francisco diz respeito ao diálogo com as Igrejas ortodoxas. De fato, melhorar as relações com os ortodoxos foi um objetivo constante de Bergoglio.
Prova disso é a viagem do Papa à Turquia em 2014, na qual se encontrou com o patriarca ecumênico Bartolomeu I, com o desejo de "continuar o caminho fraterno" e a "comunhão completa" com a Igreja Ortodoxa.
Outra confirmação desse empenho da Santa Sé ocorreu em 12 de fevereiro de 2016, quando o Papa Francisco se encontrou em Cuba com Kirill, o patriarca de Moscou. Um encontro histórico porque nunca havia acontecido, aquele entre o bispo de Roma e o representante da chamada "terceira Roma", o patriarcado com o maior número de fiéis ortodoxos. Também naquele caso, a cúpula realizada no aeroporto de Havana foi o culminar de um longo caminho anterior de aproximação entre as partes. Um evento recebido com grande satisfação pelo patriarca ecumênico de Constantinopla Bartolomeu I.
Um caminho de distensão que com a guerra na Ucrânia se interrompeu abruptamente, devido à total adesão do patriarca de Moscou às posições do presidente russo Vladimir Putin. O possível encontro entre Kirill e Francisco, sobre o qual tanto se discutiu, ainda não acontecido e sobre o diálogo com os ortodoxos em Moscou, até o momento, só silêncio.
Ao longo dos anos, o Papa Francisco foi protagonista de outras iniciativas semelhantes, confirmando um maior diálogo com todos os ortodoxos. Como em dezembro de 2021, quando em sua viagem à Grécia encontrou-se com Jerônimo II, o arcebispo de Atenas. Naquela ocasião, o papa pediu perdão pelos erros cometidos pelos católicos contra os ortodoxos e falou de “raízes comuns” entre as duas igrejas.
À margem do encontro em Cuba, Francisco e Kirill assinaram uma declaração conjunta na qual foi dada particular atenção à perseguição de cristãos em todo o mundo, especificamente no Oriente Médio e Norte da África. “Na Síria e no Iraque, a violência já causou milhares de vítimas”, lê-se no texto, que recorda “com tristeza o êxodo maciço de cristãos da terra de onde a nossa fé começou a difundir-se”. O documento também enfatizava como o diálogo inter-religioso "nesta época inquietante" era "indispensável".
Um conceito expresso pelo pontífice em 4 de fevereiro de 2019, por ocasião de sua viagem aos Emirados Árabes Unidos. Lá, junto com Ahmad al Tayyib, grande imã de al Azhar e uma das figuras mais importantes do mundo islâmico sunita, o papa assinou o "Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum". Um texto que condena o terrorismo, o fundamentalismo, as violências e as perseguições realizadas inclusive instrumentalizando a religião, ao mesmo tempo que estabelece o direito à liberdade religiosa.
Além disso, um passo importante nas relações entre a Igreja Católica e o mundo islâmico sunita foi dado pelo papa com sua visita ao Iraque em março de 2021. Uma viagem com conteúdos religiosos e políticos, na qual se encontrou com figuras de destaque cristãs e muçulmanos.
A primeira viagem oficial do Papa Francisco fora da diocese de Roma teve um forte caráter simbólico. O pontífice foi a Lampedusa, a ilha no meio do mar Mediterrâneo, onde desembarcam milhares e milhares de migrantes. Era 8 de julho de 2013 e o papa denunciava a “globalização da indiferença” e o hábito de ver o sofrimento alheio, inclusive o dos migrantes.
Sobre a questão da imigração, Francisco chamou a atenção várias vezes. Por exemplo, com suas viagens na ilha grega de Lesbos, onde milhares de pessoas estão amontoadas em campos de refugiados esperando a liberação para entrar na União Europeia. A primeira data de 16 de abril de 2016, junto com o patriarca Bartolomeu I e Jerônimo, durante a qual o papa – do campo de refugiados de Moria – lançou um apelo “para não perder a esperança”. A segunda viagem à ilha do mar Egeu foi feita por Francisco cinco anos depois, em dezembro de 2021, e dali partiu a invocação para parar o "naufrágio da civilização", para evitar passar do "mare nostrum" ao "mare mortuum". Frases, que mais tarde se tornaram famosas, representam a mensagem básica de Francisco sobre os migrantes.
Justamente pela questão da migração passa a relação que o pontífice cultivou nesses nove anos com as instituições da União Europeia, muitas vezes incentivadas por Francisco a fazer mais. Tanto que, por ocasião da entrevista ao “Che tempo che fa” em fevereiro de 2022, o papa falou de uma gestão “criminosa” por parte da Europa do acolhimento dos migrantes.
E algumas semanas depois, durante sua viagem a Malta em abril, declarou: "O Mediterrâneo precisa da corresponsabilidade europeia para se tornar um teatro de solidariedade". Em seguida, ressaltou: “Alguns países não podem assumir todo o problema diante da indiferença dos outros. E países civilizados não podem sancionar para seu próprio interesse acordos obscuros com criminosos que escravizam pessoas”.
Desde que se torno bispo de Roma, Bergoglio nunca voltou à Argentina, sua terra natal. E foi ele mesmo quem confessou que não retornará no caso de sua renúncia ao trono papal. As razões para não realizar a viagem para sua terra natal não são conhecidas. De 2015 a 2019, em Buenos Aires, o presidente foi Mauricio Macri, com quem as relações não eram idílicas. Além disso, seu papel controverso durante a ditadura da junta militar entre os anos 1970-80 ainda pesa sobre a figura de Francisco na Argentina.
Mas desde 2013, o papa tem viajado bastante pelo continente sul-americano, incluindo Brasil, Equador, Bolívia, Paraguai, México, Colômbia, Chile, Peru e Panamá. Durante a crise presidencial na Venezuela em 2019, no entanto, o papa manteve uma atitude de diálogo, buscando a mediação entre o líder Nicolás Maduro e Juan Guaidò, nome apoiado pelos Estados Unidos. Uma equidistância que foi vista por muitos no Ocidente como um apoio a Maduro.
A última viagem apostólica do Papa Francisco, antes da viagem ao Cazaquistão de 13 a 15 de setembro, foi o voo para o Canadá em julho passado. Uma visita que teve como objetivo uma pacificação com a comunidade indígena. Uma "peregrinação penitencial", como definiu o próprio pontífice, para pedir perdão pelos crimes cometidos nas escolas católicas entre os séculos XIX e XX contra as populações indígenas. Mais uma prova de respeito pelos "últimos".
Uma "guerra mundial em pedaços" ou fragmentada, é o que está acontecendo hoje na opinião do Papa Francisco. E da qual o conflito na Ucrânia é apenas uma parte. As declarações do bispo de Roma após a invasão do exército russo em 24 de fevereiro foram numerosas, todas direcionadas a um pedido de cessar-fogo. A invasão foi "uma loucura" para o papa, que condenou a ação de Putin, mas o pontífice também convidou a "não reduzir para bons e maus” a complexidade da situação, implicando possíveis responsabilidades iniciais da Otan. Frases que previsivelmente geraram polêmica.
Como aqueles sobre a morte em um atentado de Darya Dugina, filha de Aleksandr Dugin, definida como "pobre jovem" por Francesco no final de agosto. "A Ucrânia está profundamente decepcionada com as palavras do pontífice", respondeu o ministro das Relações Exteriores de Kiev Dmytro Kuleba, convocando o núncio apostólico na Ucrânia.
Os esforços pela paz e pela mediação de Francisco - que gostaria de ir a Kiev e Moscou – apesar de tudo continuam, mesmo durante a guerra na Ucrânia que polarizou todo o tema.
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Nove anos de política externa franciscana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU