11 Abril 2025
"Uma leitura atenta dos textos e uma historicização da parábola cultural e espiritual de Bonhoeffer evidenciam uma profunda unidade. O seguimento de Cristo, colocado por ele no âmago da experiência cristã, é a maneira pela qual é possível viver uma vida diante de Deus que assume plenamente o hábito da compaixão"
O artigo é de Riccardo Saccenti, filósofo e medievalista italiano, pesquisador do King’s College, de Londres, e da Fundação para as Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 09-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
No Natal de 1942, Dietrich Bonhoeffer dirigiu um texto àqueles que compartilhavam com ele a oposição ao regime nazista na Alemanha. Esse texto questionava até que ponto o mal havia se enraizado na Alemanha e na Europa naquela época, a ponto de revirar a própria linguagem da ética. Era um quadro dramático, contra o qual o teólogo argumentava a necessidade de ir além do mero recurso à razão e do apelo exclusivo à liberdade e à consciência. Perguntando-se sobre quem, em uma situação como essa, poderia permanecer firme, Bonhoeffer respondia: “o responsável, aquele cuja vida não quer ser nada além de uma resposta à pergunta e ao chamado de Deus. Onde estão esses responsáveis?”.
A biografia do teólogo alemão, que participou da conspiração para matar Hitler, foi preso em 5 de abril de 1943 e depois morto em 9 de abril de 1945 no campo de concentração de Flossenbürg, se desenrola em torno da noção de responsabilidade. A responsabilidade, no entanto, não é entendida em termos políticos, mas em termos totalmente teológicos: é o ponto de fusão entre a própria biografia e a fé vivida com plena consciência. Nesse entrelaçamento inextricável entre fazer parte da história de seu próprio tempo e povo e praticar a teologia como um conhecimento que concebe a fé como enraizada no humano, está toda a profundidade da figura de Bonhoeffer. Que explicita sua própria parábola como crente e intelectual à luz do questionamento sobre como viver uma vida cristã neste mundo. Esse é, ao mesmo tempo, o ponto de partida e o ponto de chegada da vida teologal de um homem que, no irremediável desvio histórico que marca o início do século XX - dos campos de batalha da Grande Guerra ao advento do totalitarismo - também vê a crise terminal de uma forma desencarnada de conceber a fé, a religião e Deus.
Mensorando-se com o legado da teologia liberal e com a novidade dos escritos de Karl Barth, Bonhoeffer desloca o centro de gravidade da busca para Cristo, para o mistério da encarnação, no qual acontece a experiência de um Deus que está presente, não, porém, em um único instante, mas em todo tempo e lugar. Aprofundando essa leitura ao longo dos anos, a centralidade da cruz emergirá cada vez mais, revelando como o caráter profundo do ser cristão se resolve no seguimento de Cristo, ou seja, na participação daquela experiência de “ser para os outros” que exemplifica quem é Cristo e o que Deus revela.
O cristão segue a cruz e aceita participar daquela “substituição vicária” que se traduz em atuar no mundo e em expiar pelo mundo. Bonhoeffer insistirá nesse ponto principalmente nos escritos que redigidos nos últimos anos de sua vida, na Ética que ficou inacabada e nas cartas que formarão Resistência e Submissão. Disso emerge a proposta de um modo de viver cristão que consiste em assumir a culpa pelo bem do outro, assim como Cristo fez, em uma verdadeira imitação na qual os dois mandamentos, do amor a Deus e ao próximo, se unem de formam inseparável.
Tudo isso, para Bonhoeffer, se resumia, de forma quase icônica, no Sermão da Montanha.
Um texto que, aos olhos do teólogo alemão, não tem caráter ideal ou normativo, nem deve ser entendido como um sistema de princípios com base no qual se pode determinar a ação por meio de procedimentos dedutivos. A sucessão das bem-aventuranças e de afirmações que compõem aquela perícope do Evangelho são o perfil de uma experiência viva e vital, que já teve seu cumprimento em Cristo e com Cristo foi colocada no meio da história humana.
A teologia de Bonhoeffer é, portanto, uma teologia que opta por não se apresentar como fato acadêmico, mas que emerge da experiência, de uma vivência que alimenta o pensamento e, de fato, faz perguntas que empurram a teologia para o terreno da concretude. O que desponta é quase uma fusão de vida cristã e teologia, que faz do cristão aquele que está em seu próprio tempo orando e fazendo o que é justo entre os homens.
O legado humano, cultural e religioso de Dietrich Bonhoeffer passou por uma experiência nada fácil. Sua participação na conspiração contra Hitler alimentou por anos uma atitude de frieza em relação a ele e colocou o problema da coerência entre essa teologia cristocêntrica e a escolha de um envolvimento político que aceita o uso da violência. E, no entanto, uma leitura atenta dos textos e uma historicização da parábola cultural e espiritual de Bonhoeffer evidenciam uma profunda unidade. O seguimento de Cristo, colocado por ele no âmago da experiência cristã, é a maneira pela qual é possível viver uma vida diante de Deus que assume plenamente o hábito da compaixão. Um termo que é entendido no sentido literal e designa a capacidade de sentir e sofrer com os outros, resumindo a ideia de que o cristão é aquele que assume a responsabilidade pelos outros. Mesmo quando, ao se opor ao mal, isso significa assumir a responsabilidade de um gesto radical que coloca em crise a consciência cristã.
Fulvio Ferrario, que dedicou estudos de grande acuidade e profundidade histórica e teológica ao teólogo alemão, observou em seu recente Gli scritti dal carcere di Bonhoeffer. Una guida alla lettura pode ser lido de diferentes maneiras. Aqueles sem interesses religiosos verão em seus escritos as palavras de um combatente da resistência que se opôs ao nazismo. Os cristãos, por outro lado, verão o testemunho de um cristianismo sólido que, no entanto, está atento às novidades da história do século XX. Por fim, há o teólogo, capaz de elaborar uma proposta radical que problematiza a realidade. Essas três dimensões formam um todo na personalidade e na obra de Bonhoeffer: elas se unem na convicção de que o cristão é o homem da livre responsabilidade.
“Diante dos outros homens”, explica em uma página de sua Ética, ”o homem de livre responsabilidade é justificado pela necessidade. Diante de si mesmo, é sua consciência que o absolve. Mas diante de Deus ele apenas espera a graça”.