20 Março 2025
Não podem sair da localidade onde vivem sem autorização prévia do Governo, as suas homilias têm de ser exclusivamente teológicas e são obrigados a apresentar relatórios de atividade à polícia, a quem também devem mostrar os seus celulares, para que os agentes verifiquem que não comunicaram com bispos ou jornalistas fora do país: os padres católicos sofrem uma perseguição cada vez mais intensa da parte do regime de Daniel Ortega e da esposa, Rosario Murillo, na Nicarágua.
A reportagem é de Clara Raimundo, publicada por 7Margens, 18-03-2025.
As denúncias são feitas no mais recente relatório da organização de defesa dos direitos humanos Christian Solidarity Worldwide (CSW), segundo o qual foram registados pelo menos 222 ataques à liberdade de religião e crença na Nicarágua ao longo do ano 2024.
Os ataques mais frequentes são o “cancelamento arbitrário de eventos, atividades ou serviços religiosos”, sendo que a Polícia Nacional continuou a proibir à força procissões religiosas públicas fora dos edifícios físicos das igrejas, como já vinha acontecendo desde 2023, e a “revogação do estatuto legal” de instituições religiosas. Mas neste relatório – intitulado “Controlo total: A erradicação das vozes independentes na Nicarágua” – conclui-se que um dos desenvolvimentos mais preocupantes de 2024 foi a imposição daquilo que o Governo nicaraguense designa de “medidas de precaução” aos líderes religiosos.
De acordo com o relatório, são cada vez mais frequentes os cercos policiais a igrejas durante as missas, as quais são muitas vezes registadas em vídeo pelos agentes, particularmente o momento da homilia. “Pregar sobre unidade ou justiça, ou rezar por líderes religiosos presos ou mesmo pela situação geral do país, por exemplo, pode ser considerado crítica ao governo e classificado como crime”, detalha o documento.
Inúmeros padres católicos (e também vários pastores evangélicos) passaram a ter de se apresentar semanalmente na esquadra de polícia local, onde devem apresentar um relatório das suas atividades semanais e entregar os seus celulares para verificação das comunicações mantidas. São ainda sujeitos a um interrogatório e obrigados a tirar uma fotografia.
De acordo com o relatório da CSW, estes líderes religiosos enfrentam também restrições à sua liberdade de movimento, não podendo deixar a comunidade onde residem. “Alguns foram avisados de que, se não cumprissem as medidas cautelares, seriam presos ou exilados”, afirma o documento.
Um dos primeiros a ser sujeito a estas medidas foi o padre Luis Eduardo Benavides, pároco de Nossa Senhora de Fátima em Wiwilí, na diocese de Estelí, cujo administrador apostólico é o bispo de Matagalpa, Rolando Álvarez, que se encontra exilado no Vaticano.
Recordando o exílio do bispo Álvarez, mas também do bispo de Siuna, Isidoro Mora, e de outros 15 padres e dois seminaristas, em janeiro de 2024, a CSW refere que este funciona como uma ferramenta de punição. Em agosto, outros nove padres foram obrigados a abandonar o país, e em dezembro pelo menos mais um.
A CSW denuncia que há também 46 registos de detenção arbitrária de curto e longo prazo de líderes religiosos ao longo de 2024. Entre estes, destaca o desaparecimento de duas líderes leigas que trabalhavam para a Diocese de Matagalpa. Lesbia del Socorro Gutiérrez Poveda, de 58 anos, e Carmen María Sáenz Martíne, 49 anos, foram levadas à força de suas casas na sequência de operações simultâneas realizadas pela polícia a 10 de agosto, e desde então “foram mantidas incomunicáveis, sem nenhuma prova de que estão vivas fornecida às suas famílias”.
A organização, sedeada no Reino Unido e presente em mais de 20 países, deixa diversos apelos às Nações Unidas, União Europeia e Estados Unidos da América, para que monitorizem de perto a situação da liberdade religiosa na Nicarágua e façam pressão sobre o Governo para que promova e proteja os direitos humanos, nomeadamente incluindo Daniel Ortega e “o seu círculo íntimo” na lista de sanções a violadores de direitos humanos, e convocando reuniões “urgentes” com as autoridades nicaraguenses para debater as violações já registadas.