18 Março 2025
"O regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo não apenas conseguiu controlar o Exército e a Polícia, mas agora também oficializou uma força paramilitar composta por civis, sob o nome de Polícia Voluntária. Embora, segundo os governantes, essa força seja um corpo de defesa da 'revolução', diversos setores da sociedade a denunciam como uma instituição destinada a reprimir os opositores ao governo", escreve Juilio López, jornalista do programa de rádio Onda Local, professor na Universidade de Ciências Comerciais (UCC) da Nicarágua e faz parte da equipe de coordenação do Programa de Formação Social e Política "Agentes de Cambio Nicaragua", em artigo publicado por Nueva Sociedad, 03-2025.
Há pouco menos de um mês, a situação política nicaraguense entrou em um novo estágio. O binômio presidencial integrado por Daniel Ortega e sua esposa Rosario Murillo conta agora com uma nova ferramenta para garantir sua continuidade ad infinitum no poder e para manter seu regime autoritário e repressivo. Essa ferramenta é, nada mais e nada menos, que a própria Constituição Política da Nicarágua, agora reformada em função dos desejos da parceira presidencial.
As mudanças na Carta Magna, que entraram em vigor em 18-02-2025, representam, em rigor, uma verdadeira reescrita da Carta Magna. Dos 198 artigos que tinha anteriormente, apenas 13 permanecem intactos. 148 foram modificados de modo substancial, enquanto outros 37 foram diretamente suprimidos. O processo de mudança constitucional, que constitui a última de uma série de estratégias de Ortega e Murillo para eliminar a independência dos poderes do Estado e fixar-se no poder, formaliza o que até agora era uma prática evidente, mas estranha às normas institucionais do país. Com a "renovada" Constituição, Daniel Ortega e Rosario Murillo emergem como copresidente e copresidenta da República, e gozam de poderes supremos.
O novo texto constitucional concede à Presidência ainda mais poder do que já tinha. Agora, não só controla totalmente a Polícia e o Exército, mas, em virtude do artigo 120, também coordena "os órgãos legislativo, judicial, eleitoral, de controle e fiscalização, regionais e municipais". Isso resulta em uma perda da independência do restante dos poderes do Estado. Com a formalização dessa "soma do poder público", Ortega e Murillo configuram finalmente um poder político de dimensões totalitárias e se erguem como líderes de uma dinastia familiar semelhante à somocista – aquela que o próprio sandinismo derrubou em 17-07-1979.
Entre as prerrogativas das quais agora gozam Ortega e Murillo há uma especialmente sensível. E é aquela que está vinculada ao controle das forças policiais. A nova Constituição não só lhes permitiu ter um domínio total sobre a Polícia Nacional, mas formalizou a criação de um novo corpo, conhecido como Polícia Voluntária. Embora, segundo a Carta Magna, esse corpo funcione como um "apoio" à Polícia Nacional, na verdade, trata-se da formalização de um grupo parapolicial que funciona sob as ordens do casal no poder. Seu propósito é mais do que evidente: reprimir os inimigos do regime. Isso não é estranho para um governo que já fez da própria Polícia Nacional um instrumento claro de seu poder.
O ato de juramentação da Polícia Voluntária e a tomada de posse do primeiro comissionado Francisco Díaz Madriz como diretor geral da Polícia Nacional para um novo período de seis anos (2025-2031) evidenciaram a dinâmica do poder e a instrumentalização das forças policiais. Em seu discurso, Díaz Madriz – que dirige a Polícia desde agosto de 2018, quando foi promovido por seu consuegro, Daniel Ortega – jurou obediência e lealdade a Ortega e Murillo e se comprometeu a fortalecer a coordenação com o Ministério do Interior, o Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), os governos municipais e as instituições do Estado.
A lealdade da Polícia Nacional a Daniel Ortega tem significado que, em diversas oportunidades, sua ação tenha ignorado as normas ditadas pela própria Constituição do país. A isso se somaram, por certo, as constantes violações dos direitos humanos, que se repetiram nos últimos anos. As protestos de 2018, que começaram contra a reforma da segurança social e escalaram exigindo justiça para as vítimas mortais (355, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos) e a liberação das pessoas presas políticas, foram reprimidos pela polícia e grupos parapolíciais.
O Grupo de Especialistas em Direitos Humanos (GHREN), criado pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), identificou em um recente relatório quatro fases da repressão na Nicarágua.
A primeira se refere ao período compreendido entre 2018 e 2020, quando a Polícia Nacional, o Exército e os grupos armados pró-governamentais fizeram uso excessivo e letal da força para reprimir as protestos e desmantelar barricadas, o que provocou centenas de execuções extrajudiciais e outras lesões corporais graves, segundo o relatório.
A segunda fase, desenvolvida em 2021, se caracterizou pela intensificação da repressão seletiva, especialmente as detenções arbitrárias e os julgamentos injustos, para garantir a reeleição do presidente Ortega.
A terceira, limitada ao ano de 2022, se evidenciou na repressão anterior às eleições municipais de novembro daquele ano.
A quarta fase, iniciada em 2023 e vigente até o momento, é definida, segundo o GHREN, por medidas destinadas a eliminar toda crítica e consolidar o controle absoluto do executivo sobre todas as entidades do Estado e a população. Em um contexto assim, não é estranho que o presidente do GHREN, Jan Simon, tenha afirmado que o Estado nicaraguense e o FSLN "se fundiram em uma máquina de repressão dentro e fora do país".
O modelo policial nicaraguense, antes exemplar, que fez com que o país fosse o mais seguro da América Central e gozasse de alta credibilidade, foi completamente desmantelado. O regime de Ortega e Murillo destruiu seu profissionalismo, transformando-o em um instrumento de repressão, como parte de uma estratégia desenhada para conservar o poder.
Em 15-01-2025, um mês antes da entrada em vigor da nova Constituição, iniciaram-se as cerimônias de juramento da Polícia Voluntária Comandante Julio Buitrago – ex-guerrilheiro sandinista – e terminaram em 26 de fevereiro. Mais de 60.000 pessoas, cobertas com passamontanhas e vestidas com camisetas brancas, calças azuis e negras prestaram juramento diante do diretor da Polícia Nacional.
A nova vestimenta lembra a dos grupos paramilitares que, em colaboração com a Polícia Nacional, reprimiram a população nicaraguense que se manifestou nas ruas em 2018. Segundo o GHREN, Ortega ordenou a criação desses grupos em todo o país para defender a "revolução". A partir de junho de 2018, grupos paramilitares encapuzados e fortemente armados, juntamente com a Polícia Nacional, se deslocaram em caminhonetes brancas e executaram a "operação limpeza" para eliminar as barricadas que os manifestantes haviam estabelecido em cidades consideradas bastiões do sandinismo: Manágua, Masaya, Jinotepe, León, Matagalpa, Jinotega e Estelí. Nesse operativo, os paramilitares participaram da comissão de graves violação dos direitos humanos, como execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias e atos de tortura.
O relatório afirma que as execuções extrajudiciais documentadas foram o resultado de ações coordenadas entre a Polícia Nacional, o Exército e grupos armados pró-governamentais. “O uso sistemático e deliberado de armas letais – algumas reservadas exclusivamente para uso militar –, a intervenção de atiradores de elite, as táticas de combate projetadas para matar e não para controlar multidões, e o elevado número de vítimas com ferimentos de bala em partes vitais do corpo (cabeça, pescoço e tórax) confirmam que a intenção não era dispersar os manifestantes, mas matá-los e infundir medo”, afirma o documento.
Os grupos paramilitares foram compostos por ex-membros do Exército Popular Sandinista, membros da Reserva Patriótica e da Juventude Sandinista, jovens em condição de marginalização, membros de gangues e empregados de empresas de segurança. O relato oficialista assegura que o país enfrentou uma "tentativa de golpe de Estado" por parte de "grupos terroristas" que atentaram "contra a paz e a estabilidade", razão pela qual foi feito um "uso legítimo" da força. "Nunca atacamos ninguém! Fizemos uso legítimo da força conforme nossas faculdades constitucionais, para garantir a vida, a integridade física e os bens das pessoas, famílias e comunidades. Este golpe de Estado foi derrotado com a participação de nossa comunidade, o apoio de nossos irmãos e irmãs policiais voluntários no restabelecimento da paz em nosso país," assegurou Díaz Madriz em setembro de 2018, durante a celebração do 39º aniversário da fundação da Polícia.
O GHREN identificou uma ampla estrutura de vigilância e inteligência sob as ordens de Ortega e Murillo. Ela é composta por pessoal do Exército, da Polícia, do Ministério do Interior, do Instituto Nicaraguense de Telecomunicações e Correios (TELCOR), do Ministério da Saúde e de grupos armados pró-governamentais. O regime utiliza essas informações — canalizadas através do Centro de Informação e Inteligência Policial, do Comitê Nacional de Informação, da Unidade de Análise Financeira e da estrutura do FSLN — para identificar pessoas opositoras, vigiar suas atividades, persegui-las, geolocalizá-las; e finalmente determinar quem deve ser preso, expulso, impedido de retornar (ao país) ou arbitrariamente despojado de sua nacionalidade.
Inicialmente, a polícia negou a existência dos grupos paramilitares. Em um comunicado publicado em 27-05-2018, afirmou que "a Polícia Nacional não teve, não tem e não terá forças parapoliciais".
Posteriormente, Ortega e o diretor da Polícia Nacional confirmaram o que já era um segredo de polichinelo. Em uma entrevista com Andrés Oppenheimer, Ortega afirmou que os encapuzados "não eram paramilitares", mas "cidadãos se defendendo". Depois, confirmou à Euronews que eram policiais voluntários. Mas, "nem todos os mascarados eram policiais voluntários, também havia policiais profissionais", revelou o chefe de Polícia, Francisco Díaz, em uma entrevista concedida ao jornalista Halldor Hustadnes. "Muitos deles, que estavam de civil, não eram policiais voluntários, eram nossos policiais profissionais. A maioria era policial profissional em trabalho encoberto", reconheceu Díaz. Após suas declarações, a "copresidenta" Murillo orientou a propaganda oficial a chamar os paramilitares de "heróis da paz".
A Constituição anterior proibia a existência de grupos armados fora da lei e facultava ao Exército erradicá-los. Mas a instituição militar se submeteu à repressão oficial e se negou a desmantelar os grupos paramilitares. O relatório do Grupo de Especialistas concluiu que o exército participou da repressão utilizando armas letais, em coordenação com a polícia e grupos armados pró-governamentais. Em resposta, o regime de Ortega e Murillo optou, há poucos dias, por retirar a Nicarágua do Conselho de Direitos Humanos da ONU, alegando que não reconhece o relatório do GHREN. Além disso, acusam o Grupo de se tornar "a caixa de ressonância de quem atentou contra a paz e a tranquilidade e são os autores dos múltiplos assassinatos, sequestros, violações, aberrações e ultrajes contra o povo nicaraguense, causando ainda destruição e danos incalculáveis à economia nacional".
A nova Constituição da Nicarágua estabeleceu a Polícia Voluntária como um corpo auxiliar da Polícia Nacional, composto por cidadãos que oferecem seus serviços espontaneamente. No entanto, a composição dessa força gerou polêmica. Milhares de seus membros foram identificados como trabalhadores do setor público que foram obrigados a receber treinamento militar obrigatório em 2024 e, depois, foram integrados diretamente à Polícia Voluntária. Segundo declarações de Jaime Vanegas, o inspetor geral da Polícia, o novo corpo é composto por operários, trabalhadores de saúde e educação, construtores, comerciantes e empreendedores, que se identificam com o "projeto revolucionário". O certo é que membros dos grupos paramilitares e paramilitares que já fizeram parte da repressão social do governo de Ortega e Murillo durante 2018 agora fazem parte da Polícia Voluntária. O próprio diretor da Polícia Nacional, Francisco Díaz, o confessou:
"Não permitiremos o horror e a barbárie que nosso povo viveu em 2018 quando tentaram nos tirar esse direito inalienável do povo nicaraguense de viver em paz. Essa tentativa de golpe de Estado foi derrotada pelos bons filhos e filhas de nossa pátria, pela nossa heroica Polícia Voluntária, a Polícia Nacional e o Frente Sandinista de Libertação Nacional".
Especialistas em segurança apontam que a apresentação de mais de 60.000 pessoas encapuzadas como parte da Polícia Voluntária responde a uma estratégia deliberada para infundir temor na população nicaraguense. Essa tática busca projetar uma imagem de onipresença do regime de Ortega e Murillo, sugerindo uma rede de informantes espalhada por todo o país. Embora o uso de passamontanhas seja justificado em operações policiais contra o narcotráfico, sua aplicação à Polícia Voluntária, um corpo auxiliar, carece de sentido e reforça a sensação de estar "sob vigilância" permanente.
Desde o retorno de Daniel Ortega ao poder em 2007, a Polícia Nacional experimentou um retrocesso institucional progressivo. Embora tenha sido fundada durante a revolução sandinista em 1979, a instituição havia iniciado um processo de fortalecimento e profissionalização após 1990, transitando de Polícia Sandinista para Polícia Nacional. No entanto, esse processo foi revertido com a administração de Ortega. Através da cooptacão e compra de lealdades, do clientelismo político, das promoções aceleradas e irregulares, o governo de Ortega conseguiu manter os comandantes policiais leais e destituir e prender aqueles que já não eram mais úteis. Assim, a Polícia deixou de atuar como um corpo profissional para se tornar um "aparelho militar" da dupla presidencial. Essa involução resultou na distorção do papel da instituição, caracterizada pelo declínio na observância e proteção dos direitos humanos.
Ao analisar a cronologia dos eventos, é crucial lembrar que, durante sua posse em 10 de janeiro de 2007, Daniel Ortega reafirmou a origem sandinista da chefia da Polícia e do Exército. Esta declaração inicial evidenciou sua intenção de restaurar a natureza política de ambas as instituições, alinhando-as com o modelo anterior ao seu processo de profissionalização.
No início de seu mandato, Daniel Ortega encontrou a Polícia Nacional sob a direção da primeira comissária Aminta Granera, cuja popularidade superava a sua. Em um movimento que consolidou seu controle sobre a instituição, Daniel Ortega prorrogou o mandato de Granera. "Comandante, estou à sua disposição", disse Granera a Ortega em 05-09-2012, quando ele leu o acordo presidencial que prorrogava seu comando por mais cinco anos, apesar de não ter sido reformada a Lei de Organização, Funções e Regime de Segurança Social da Polícia Nacional (Lei 872). A partir de então, Granera se tornou cúmplice do desmantelamento da institucionalidade policial, colaborando com o projeto de submissão total da Polícia ao projeto político de Ortega. Essa cumplicidade se evidenciou novamente em 2015, quando seu mandato foi estendido pela segunda vez. No entanto, sua gestão terminou abruptamente no contexto dos protestos de abril de 2018, quando ela apresentou sua renúncia. Oficialmente, sua saída foi ordenada por Ortega em 31-07-2018, sendo efetivada em 23 de agosto. Nesse mesmo dia, Díaz Madriz foi nomeado diretor da Polícia, assumindo o cargo em 05-09-2018.
Outro exemplo de como a Polícia Nacional tem sido instrumentalizada para servir aos interesses da presidência é a distribuição equitativa do poder entre Daniel Ortega e Rosario Murillo. Em 19-09-2023, Daniel Ortega promoveu 19 mulheres ao posto de comissárias-gerais. Da mesma forma, 14 homens alcançaram essa promoção. Além disso, foram implementadas chefias conjuntas (homem-mulher) nas 153 delegações policiais municipais e em 19 delegações departamentais e regionais. Esse modelo de cochefias foi estendido a todas as especialidades policiais, o que evidencia a crescente influência de Murillo dentro da instituição policial.
Em conclusão, a Polícia sofreu uma transformação radical, abandonando seu papel de garantia da segurança pública para servir como de guarda-costas privado da família presidencial. Na Nicarágua, já não se chama mais Polícia Nacional, mas sim "polícia orteguista".