12 Março 2025
"O aramaico era, juntamente com o grego helenístico, a língua franca de toda a grande região oriental — da Mesopotâmia a litoral do Mediterrâneo — e, com o tempo, se transformou no siríaco".
O artigo é de Giovanni Maria Vian, historiador e ex-diretor do Osservatore Romano, publicado por Domani, 09-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
No filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson, os protagonistas falam as línguas usadas na Judeia na época: além do grego, o aramaico e o latim. Editados a pedido do diretor por um estudioso de semítica, o jesuíta William Fulco, os diálogos também refletem as expressões idiomáticas e os erros da língua falada na época: o latim dos soldados romanos resulta obviamente muito mais elementar do que a fluente prosa de Cícero, e o aramaico — a língua materna de Jesus derivada do hebraico das Escrituras Sagradas — hipoteticamente reconstruída por Fulco, baseia-se na língua evoluída mais tarde, da qual há documentação abundante e que ainda está em uso em algumas comunidades cristãs da Síria.
O aramaico era, juntamente com o grego helenístico, a língua franca de toda a grande região oriental — da Mesopotâmia ao litoral do Mediterrâneo — e, com o tempo, se transformou no siríaco. A partir do século II, esse se tornou o idioma mais importante entre aqueles do cristianismo oriental, o primeiro para o qual a Bíblia inteira foi traduzida dos originais hebraicos e gregos. Quanto aos evangelhos, a versão mais antiga, chamada Vetus Syra, foi provavelmente concluída por volta de 170 e agora pode ser acessada em uma língua moderna (Les quatre évangiles. Tradução da Vetus Syra, Éditions des Béatitudes).
De fácil leitura, graças também a notas e quadros de resumo, a nova edição francesa dos Evangelhos siríacos — todos os quatro originalmente escritos em grego — os apresenta no texto mais próximo da língua falada na época de Cristo. A editora a descreve como uma “escola de leitura da Palavra à maneira hebraica”: os textos originais expressam um modo de pensar semita e devem ser abordados com “referências constantes às Escrituras e à tradição judaica”.
Graças a essa leitura, os Evangelhos “encontram seu lugar no vasto corpus da antiga literatura judaica, em uma conaturalidade linguística, religiosa e cultural insubstituível para a compreensão do texto”, escreve o biblista Olivier-Thomas Venard. O tradutor Étienne Méténier vai além, retomando a hipótese da existência de textos em aramaico anteriores aos evangelhos e evocando o exemplo do historiador judeu Flávio Josefo, que escreveu os sete livros da Guerra Judaica em aramaico, traduzindo-os para o grego juntamente com colaboradores entre 75 e 79, com o consentimento do imperador Vespasiano.
A Vetus Syra foi concluída por volta de 170 e o genial Taciano a utilizou em seu Diatessáron (“através dos quatro”), que combina os quatro evangelhos. Dois séculos mais tarde, no entanto, começa a ser suplantada por uma nova tradução, a chamada “simples” (peshitta), e depois por outras versões. O resultado é que se perdem os vestígios até 1858, quando o padre anglicano William Cureton, orientalista e bibliotecário em Oxford e Londres, publica o texto de acordo com um manuscrito do século V encontrado em 1842 em um monastério perto do Cairo.
Ainda mais clamorosa e aventureira é a descoberta de um segundo manuscrito.
Protagonistas são duas gêmeas escocesas, Agnes e Margareth Smith. As duas, também orientalistas de formação e ambas viúvas ainda jovens, partiram em 1892 para o mosteiro de Santa Catarina, aos pés do Monte Sinai. “Grande foi a consternação de nossos amigos”, lembra-se a primeira, ”com a ideia de duas mulheres se aventurarem sozinhas em uma peregrinação tão longa. ‘Vocês acreditam que elas voltarão? Elas estão se metendo entre maometanos e bárbaros’, disse alguém que sabia de nossos planos. Mas por quê?”, finge se admirar.
O clima era elétrico: em 1881, a publicação do Novo Testamento Revisado de Brooke Westcott e Fenton Hort, impresso pelas universidades de Oxford e Cambridge, havia sido precedida por uma expectativa espasmódica, com reservas e vendas de mais de um milhão de exemplares. Tudo se originou da descoberta do Códice Sinaítico – o mais antigo manuscrito completo da Bíblia grega, juntamente com o Códice do Vaticano, ambos datados do século IV – justamente no mosteiro de Santa Catarina por Constantin von Tischendorf.
Seguindo os passos do filólogo e teólogo de Leipzig se movem as fervorosas presbiterianas Agnes e Margareth, cuja epopeia é contada por Leo Deuel em Cacciatori di libri sepolti e depois por Janet Soskice em um livro inteiro dedicado a elas (Sisters of Sinai, Chatto & Windus). As duas mulheres demonstram muito mais tato e polidez do que o jovem e apaixonado alemão, como Agnes escreve novamente:
“Os homens de cultura que visitam os mosteiros orientais provavelmente têm o hábito de cuidar apenas de seu próprio interesse, ou de demonstrá-lo de forma demasiado clara, não dando aos monges nenhuma informação sobre seu próprio trabalho nem sobre o valor dos manuscritos em posse do mosteiro; eles os tratam, de fato, como se fossem realmente tão estúpidos quanto alguns viajantes os imaginam”.
Alertadas por Rendel Harris, um orientalista de Cambridge que estava envolvido na descoberta de um antigo texto cristão em Santa Catarina, as gêmeas pedem aos monges para ver os manuscritos siríacos mais antigos. E eis que aparece, em uma pequena sala escura, um códice, “pouco auspicioso, muito sujo, com as páginas todas grudadas”. É um palimpsesto, em que a escrita mais recente é sobreposta a um texto mais antigo: “Era escrito”, conta Agnes, “em duas colunas, uma das quais ultrapassava a margem da escrita posterior, de modo que muitas palavras podiam ser lidas facilmente; todas pertenciam à narrativa sagrada”.
As 368 folhas do códice, mais tarde conhecido como Codex Sinaiticus, são fotografadas no local. Indispensável é a ajuda do vapor de uma chaleira para separar as páginas unidas umas às outras. A descoberta causa sensação na Europa e, em poucos anos, o manuscrito é estudado profundamente: ele é do século IV, cerca de cem anos anterior daquele publicado pela Cureton, mas ambos os códices preservam um texto ainda mais antigo, provavelmente do fim do século II.
Mais tarde, passagens dos Evangelhos siríacos serão descobertas em outros palimpsestos (em Santa Catarina em 1975 e na Biblioteca do Vaticano em 2023), mas sem voltar a transmitir a emoção que permeia as páginas de Agnes Smith. Ela retornou várias vezes a Santa Catarina para completar seu estudo do Codex Sinaiticus, em 1895, percebe um detalhe, que lhe havia escapado anteriormente, no relato do encontro de Jesus com a mulher samaritana narrado no evangelho de João (4,27).
São duas palavras que “por si só teriam justificado todas as nossas viagens ao Sinai, porque ilustram uma ação de nosso Senhor que, até onde sabemos, não é mencionada em nenhum outro texto e que, a julgar pelo que sabemos de seu caráter, apresenta um certo grau de probabilidade”, escreve ela.
De acordo com o texto siríaco, Jesus, tendo se sentado cansado junto ao poço de Jacó, fala “de pé” com a mulher. Por quê? “O oriental empenhado em ensinar normalmente fica sentado. E o oriental comum nunca se levantaria, por sua própria vontade, por cortesia a uma mulher”, observa Agnes com base em sua própria experiência.
“Pode ser que nosso Senhor tenha se levantado em um momento de entusiasmo pelas grandes verdades que estava falando; mas me agrada pensar”, continua ela, “que seu grande coração, cheio de amor até mesmo pelo mais humilde dos seres humanos, o tornasse superior às restrições próprias de sua raça e tempo, levando-o a demonstrar em relação ao nosso sexo, mesmo para uma pessoa de tão má reputação [como a mulher samaritana que estava ligada a cinco homens], aquela cortesia que, entre todos os povos realmente avançados, é considerada uma manifestação de verdadeira e nobre virilidade”.
E ela conclui: “Ter lançado uma luz, mesmo que tênue, sobre esse belíssimo episódio de sua peregrinação entre nós é um privilégio inestimável, que mais do que compensa todos os percalços enfrentados”. O detalhe observado por Agnes Smith é pontualmente encontrado na nova tradução francesa dos Evangelhos Siríacos, juntamente com mais de 1.500 variantes do texto original.
Méténier observa que essas “diferenças menores” mostram “Jesus radicado em sua cultura de origem”. Mas, ao mesmo tempo, o pregador de Nazaré também é diferente, de acordo com a atenta interpretação da descobridora do Codex Sinaiticus. Que no Cairo observa divertida ter contribuído, ela, uma mulher emancipada, para trazer à luz o original hebraico – que se acreditava perdido e encontra no depósito (genizah) de uma antiga sinagoga – do Eclesiástico, autor bíblico conhecido por sua misoginia.