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O tecnofeudalismo é um Leviatã frágil. Artigo de Cédric Durand

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19 Fevereiro 2025

“Os bilionários da tecnologia não são apenas pessoas ricas que cobiçam a proximidade do poder para defender seus interesses plutocráticos. Esses capitalistas são senhores tecnofeudais em formação, determinados a aproveitar a oportunidade de sua aliança com Trump para derrubar os últimos obstáculos políticos para o estabelecimento de uma nova ordem social baseada na projeção e manipulação dos algoritmos, a fim de centralizar o valor produzido pelo trabalho e impor seus caprichos milenaristas”. A reflexão é de Cédric Durand, em artigo publicado por Contretemps, 03-02-2025. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Em O homem sem qualidades, o volumoso romance de Robert Musil, ambientado em Viena no ano anterior à Primeira Guerra Mundial, o general Stumm faz a Ulrich, o personagem principal, uma observação que o narrador nos diz ser cheia de sabedoria:

Veja, você sempre quer que sejamos claros (…). Certamente, admiro essa característica, mas e se você pensasse, pelo menos uma vez, historicamente? Como, pois, aqueles que estão imediatamente envolvidos em um grande acontecimento podem saber com antecedência se será um grande acontecimento? No máximo, imaginando que é um! Se me permite entrar em um paradoxo, em diria que a história universal é escrita antes mesmo de acontecer: sempre começa como uma espécie de rumores.

Os rumores sobre o grande acontecimento em andamento atualmente são aqueles em torno da ascensão de Donald Trump ao poder e do vento gelado que a cerimônia de posse de 20 de janeiro de 2025 soprou sobre a situação política global. Se a avalanche de decretos [executive orders] – mais de cem em uma semana – e de ataques verbais eram esperados, a encenação da fusão entre o poder político e as gigantes da tecnologia estadunidense foi uma surpresa.

Contrariando o costume de reservar os assentos na primeira fila para ex-presidentes e outros convidados de honra, Mark Zuckerberg, da Meta, Jeff Bezos, da Amazon, Sundar Pichai, do Google, e Elon Musk, da Tesla, estavam bem próximos do presidente. Mais atrás, Tim Cook, da Apple, Sam Altman, da Open AI, e Shou Zi Chew, do Tik Tok, estavam misturados à pequena multidão de dignitários do novo regime, com Barack Obama, George W. Bush, os Clinton e os ministros escolhidos pelo próprio Trump.

Algumas horas depois, as duas saudações nazistas de Elon Musk à multidão de apoiadores de Trump só reforçaram da pior maneira o alerta feito por Joe Biden ao povo estadunidense ao deixar a Casa Branca: “uma oligarquia dotada de extrema riqueza, poder e influência está tomando forma na América e ameaça diretamente toda a nossa democracia”. Esta observação do presidente cessante, lúcida tarde demais, não faz sentido.

Primeiro, porque a influência dos mais ricos nos Estados Unidos há muito tempo confere um caráter oligárquico ao regime político. Em segundo lugar, porque esses bilionários da tecnologia eram, até anos recentes, majoritariamente apoiadores do Partido Democrata e oponentes declarados de Donald Trump. Ele não deixou de salientar isto: “Eles desertaram”. “Eles estavam todos com ele, cada um deles, e agora estão todos comigo”.

A questão crucial diz respeito à natureza desse realinhamento da Tech: trata-se de uma simples reviravolta oportunista, dentro dos mesmos amplos parâmetros sistêmicos, ou um momento de ruptura digno de ser descrito como um grande acontecimento na história universal? Arrisquemos esta segunda hipótese.

O oposto do absolutismo

Trump adora as homenagens luxuosas. Quando os poderosos cortesãos correm até o soberano, “The great estate of Palm Beach”, como ele chama sua residência em Mar el Lago, não assume o ar de uma pequena Versalhes? Mas Trump não é aprendiz de Luís XIV.

Longe de uma tomada centralizadora do país, seu retorno ao poder ocorre sob o signo da rejeição ao intervencionismo e às restrições impostas pelo governo Biden: se o dinheiro dos combustíveis fósseis foi adquirido por Trump, a mudança da tecnologia e da faixa mais mobilizada das finanças responde à vigorosa política antitruste liderada por Lina Khan, à atitude desafiadora em relação às criptomoedas de Gary Gensler à frente da Comissão de Valores Mobiliários e à orientação moderadamente progressista dos democratas no plano tributário.

Em outras palavras, a mobilização de empreendedores da Tech em torno de Trump ocorre sob a bandeira da reação e visa ampliar seu escopo de ação. Inclusive no cenário internacional, onde eles contam com o ativismo da nova administração, principalmente na Europa, para mudar as linhas regulatórias e fiscais a seu favor.

Dois decretos assinados por Donald Trump no mesmo dia de sua posse não deixam dúvidas sobre esta tendência. O primeiro revoga uma decisão de Joe Biden sobre a segurança dos sistemas de inteligência artificial que exigia que “os desenvolvedores de sistemas de IA que representam riscos à segurança nacional, economia, saúde ou segurança pública dos Estados Unidos compartilhassem os resultados dos testes de segurança com o governo dos Estados Unidos”.

Em suma, as autoridades públicas mantinham o direito de supervisão sobre os desenvolvimentos na fronteira da inteligência artificial. Esse não é mais o caso. Pode-se argumentar que se as promessas da tecnologia estão longe de ser sempre cumpridas, o mesmo deve ser verdade para as ameaças existenciais que a abundância de distopias digitais prevê. Um pequeno consolo. Quando se trata da tecnologia mais disruptiva do nosso tempo, com seu desejo de escapar de qualquer forma de supervisão pública, é a intenção que conta.

O empoderamento das Big Tech devido à desregulamentação da IA está associado a uma forma de subordinação do poder público. No mesmo estouro inaugural, um segundo decreto anuncia a criação do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE service), cuja direção é confiada a Musk, com base na reorganização dos Serviços Digitais dos EUA (USDS).

O USDS foi criado durante o governo Obama para integrar melhor os sistemas de informação entre os poderes do governo. Para Richard Pierce, professor de direito na Universidade George Washington, essa forma de integrar o DOGE ao governo federal funcionará, ou seja, “dará a ele uma plataforma para monitorar e projetar essas recomendações”. A nova entidade tem, portanto, acesso ilimitado aos dados não classificados de todas as agências governamentais.

É difícil superestimar as potenciais consequências desta nova situação. Mas a primeira missão confiada ao DOGE no mesmo dia 20 de janeiro nos permite imaginar o que isso implica. Sob a bandeira de “reformar o processo de contratação federal e restaurar o mérito no serviço público”, a nova administração pretende exercer um controle muito mais rígido sobre os servidores públicos, particularmente no que diz respeito ao seu “compromisso com os ideais, valores e interesses americanos” e sua disposição de “servir lealmente ao poder executivo”.

Para este propósito de vigilância política, o DOGE é convocado de maneira a “integrar tecnologias modernas para apoiar o processo de recrutamento e seleção […e...] garantir que os chefes de departamentos e agências, ou as pessoas designadas por eles, participem ativamente da implementação dos novos processos e de todo o processo de recrutamento”. Em suma, Musk e suas máquinas são encarregados da supervisão política dos servidores públicos federais, o que alimenta, com razão, os medos de caça às bruxas e políticas discriminatórias ampliadas pelo poder algorítmico.

A substância dessas duas decisões é inequívoca: por um lado, os empreendedores da Tech estão se livrando da supervisão pública para suas aplicações mais sensíveis; por outro lado, o cerne do que constitui o Estado – a gestão das carreiras da burocracia – é submetido ao seu sistema de vigilância. O novo trumpismo não é, portanto, um absolutismo porque não visa promover a unificação política das classes dominantes no Estado federal. Sua essência é, ao contrário, emancipar a fração mais ofensiva do capital de qualquer restrição séria por parte do Estado federal, ao mesmo tempo em que coloca o aparelho administrativo sob seu controle.

Seria uma loucura não levar a sério a afirmação, no centro da principal potência mundial, de um projeto tão radical. O grande acontecimento que está surgindo diz respeito à relação entre Capital e Estado e pode afetar tanto as relações de classe quanto as relações internacionais. É uma veleidade de tecnofeudalismo com objetivos hegemônicos globais que pode ser descrito em linhas gerais.

O assalto ao poder público

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que se a transformação das relações econômicas associada à implantação das tecnologias digitais torna possível o tecnofeudalismo, isso não resulta do determinismo técnico. Na China, onde a ascensão das Big Tech é, como nos Estados Unidos, notável, as relações entre elas e o Estado são voláteis, mas marcadas pela persistência de uma capacidade das autoridades públicas de impor um alinhamento do setor com objetivos desenvolvimentistas definidos pela política.

No Ocidente, o exemplo da Libra [projeto de criptomoedas do Facebook] oferece outra ilustração do fato de que o tecnofeudalismo é resistível. Em 2018, o Facebook iniciou este projeto de criptomoeda. Para os mais de 2 bilhões de usuários da plataforma, essa criptomoeda teria a vantagem de oferecer uma maneira conveniente e barata de transferir dinheiro ao redor do mundo. Para a rede social, a oportunidade de lucro era evidente: mais engajamento dos usuários, mais dados de operações comerciais e receita adicional de taxas de transação. Mas em 2021, o veredicto final dos parlamentares, do Departamento do Tesouro dos EUA e do FED foi dado: Niet. A escala do projeto era tal que representava uma ameaça em termos de risco financeiro sistêmico, concentração de poder econômico e até enfraquecimento do dólar.

Do outro lado do Atlântico, no Banco de Compensações Internacionais, Benoît Cœuré não esconde o que está em jogo: “a mãe de todas as questões políticas […] é o equilíbrio de poder entre o governo e as Big Tech na definição do futuro dos pagamentos e do controle dos dados a eles associados”. Em relação às criptomoedas, é essencial que as autoridades públicas desenvolvam moedas digitais de Bancos Centrais.

Quatro anos depois, a primeira decisão de Donald Trump nessa área adota uma visão exatamente oposta à de Cœuré: por um lado, ele deixa o campo aberto para os fanáticos por criptomoedas ao pedir o estabelecimento de uma regulamentação que apoie a “inovação em ativos financeiros digitais e blockchains”. Por outro lado, amarra as mãos dos Bancos Centrais ao exigir “medidas que protejam os estadunidenses dos riscos associados às moedas digitais dos Bancos Centrais (CBDCs) (…), inclusive proibindo o estabelecimento, a emissão, a circulação e o uso de tal moeda dentro da jurisdição dos Estados Unidos”.

Menos Estado, mais Big Tech. Ou melhor, um deslocamento da autonomia política sob a influência do capital digital é a primeira característica do tecnofeudalismo que está se estabelecendo nos Estados Unidos. O movimento geral é o seguinte: 1) a monopolização do conhecimento anda de mãos dadas com a centralização dos meios algorítmicos de coordenação das atividades humanas; 2) na ausência de um contrapeso por parte das autoridades públicas, dá origem a uma transferência do poder de organização das questões sociais para as mãos das Big Tech; 3) o corolário é uma capacidade extraordinária e crescente desses atores privados de influenciar o comportamento individual e coletivo.

A fragmentação da conversa pública pelas redes sociais, o desejo de capturar poder monetário por meio de criptomoedas e, mais fundamentalmente, a tentativa de centralizar o que Marx chamou de general intellect pela IA fazem parte desse mesmo movimento de deslocamento do poder político um pouco mais longe das instituições públicas.

O ódio à igualdade

A tendencial privatização da política, isto é, o enfraquecimento das mediações das relações entre classes e frações de classe, abre um abismo de questões que deixaremos de lado aqui. Mas é acompanhado por um impulso antidemocrático que remete a um segundo traço do tecnofeudalismo: o ódio à igualdade.

No início da década de 1990, o manifesto Ciberespaço e o Sonho Americano foi assombrado pelo radicalismo da ícone libertária Ayn Rand. Sua ideologia, que defende o direito dos pioneiros de quebrar qualquer regra coletiva para realizar suas ações criativas, ainda é um espelho complacente no qual muitos empreendedores de tecnologia gostam de se reconhecer. A declaração de Mark Zuckerberg pedindo “mais energia masculina” é apenas a ponta de uma cultura sexista generalizada no setor de tecnologia que manifesta a brutalidade de uma paixão pela desigualdade.

O culto randiano da performance e o desprezo por aqueles considerados fracos ou desviantes – mulheres, racializados, pobres, trans… – são os dois lados da mesma moeda. Foi essa base que tornou possível a rápida aproximação com a extrema-direita. E é ele novamente que se encontra no desdém pela integridade da personalidade expressa pela recusa da regulamentação em matéria digital, ou seja, a primazia dada ao direito à inovação das grandes empresas sobre a proteção dos indivíduos e dos bens comuns na governamentalidade algorítmica.

Um regime predatório

O terceiro caráter distintivo desse regime emergente resulta da substituição da lógica produtivista/consumista do capitalismo por um princípio de predação e apego. Se o apetite pelo lucro continua tão voraz quanto em períodos anteriores do capitalismo, nas Big Tech as molas da busca pelo lucro mudaram. Se o capital tradicional investe para reduzir os custos ou atender a novas necessidades solventes, o capital tecnofeudal investe para assumir o controle de campos de atividade social, a fim de criar relações de dependência que ele pode, na sequência, monetizar.

Os serviços oferecidos pelos monopólios digitais não são produtos como quaisquer outros. Primeiro, eles constituem infraestruturas críticas: a gigantesca pane da Microsoft no verão de 2024 nos lembrou que um bug poderia impactar significativamente a atividade em um grande número de setores, como aeroportos, hospitais, bancos, administrações, distribuição em massa, etc.

Depois, ao usar seus serviços massivamente, fortalecemos o poder desses gigantes estadunidenses, que estão constantemente aprendendo com base nos dados que geramos. Quanto mais usamos seus serviços, mais o império da Microsoft, Google, Amazon e Musk fortalece sua liderança comercial e tecnológica, o que torna seus serviços ainda mais eficientes e, portanto, a dependência mais aguda. Por fim, no plano econômico, essa subordinação é paga em dinheiro em termos de captura de valor. A fatura que governos e empresas pagam às Big Tech só cresce.

No jogo de soma zero que está se consolidando, a contrapartida da aceleração da acumulação nas Big Tech é a estagnação em outros lugares. Na escala da economia global, trata-se de uma questão de desenvolvimento desigual, do qual a Europa também é vítima, forçada nessa área a juntar-se a todos os outros países, com exceção da China.

Ao interno do capital, está ocorrendo uma estratificação na qual grande parte dos gigantes econômicos de outros setores são progressivamente relegados a segundo plano à medida que aumentam sua dependência da nuvem e da IA. Embora a febre do mercado de ações por IA tenha uma dimensão especulativa, sinônimo de instabilidade, os consideráveis movimentos de capital em torno da tecnologia na última década correspondem a uma reorganização econômica em larga escala, cuja consequência é uma extrema concentração e centralização da acumulação de capital.

Entre a população, a lógica é de polarização agravada, com as desigualdades corolárias da exploração capitalista sendo redobradas pela apropriação rentista do valor pelos monopólios intelectuais. Last but not least, o princípio da predação é também aquele que preside à reificação dos seres vivos e à pilhagem da natureza. As necessidades desenfreadas de recursos exigidas pela tecnologia digital resultam em destruição ecológica que, do ponto de vista humano, é também uma perda de valor de uso, conferindo ao crescimento assim gerado um caráter antieconômico.

Procurar a contradição

Para a esquerda, a influência direta dos líderes da Tech nos processos políticos e a tendência do aparato estatal dos EUA e sua projeção global de se alinhar aos seus interesses levantam questões estratégicas espinhosas. Que lugar deve ser dado à luta contra as Big Tech? Como esta luta pode ser vinculada à luta anticapitalista que a define, estabelece suas raízes populares e forja vínculos com os movimentos sociais? Que significado podemos dar ao internacionalismo diante de um adversário tecnofeudal que imediatamente ultrapassa os marcos nacionais?

Não há respostas simples para essas perguntas. Num momento em que, em muitos países, especialmente na Europa, a deterioração do emprego enfraquece ainda mais a situação de um mundo do trabalho já fustigado pelo choque inflacionário e em que a agenda da extrema-direita avança rapidamente, não é fácil definir o lugar a dar a uma ameaça menos imediata e mais ilusória.

Essa dificuldade lembra aquela que surge da articulação das lutas ecológicas e por justiça social. A diferença, porém, é que com a dupla Trump-Musk, a ofensiva tecnofeudal assume a forma de uma agressão aberta, diante da qual as figuras clássicas de capitulação, colaboração e resistência emergirão rapidamente. Agora, para esse tipo de configuração, a esquerda histórica tem uma riqueza de experiência teórica e prática, particularmente no contexto da luta antifascista e dos movimentos de libertação nacional.

Devemos a Mao Tsé-Tung, em seu texto clássico Sobre a contradição (1937), uma das maneiras mais concisas de compreender o problema. E é o filósofo Slavoj Žižek quem nos dá a quintessência:

A contradição principal (universal) não é sobreponível à contradição que deve ser tratada como dominante em uma situação particular – a dimensão universal reside literalmente nessa contradição particular. Em cada situação concreta reside uma contradição ‘particular’ distinta, no sentido preciso de que, para vencer a batalha da resolução da contradição principal, é preciso tratar uma contradição particular como a contradição predominante à qual todas as outras lutas devem ser subordinadas.

No contexto atual, a contradição principal, universal, continua sendo aquela nascida da exploração capitalista que opõe antagonicamente o capital ao trabalho vivo. Mas a ofensiva tecnofeudal corre o risco de levar rapidamente a uma situação em que a oposição às Big Tech dos EUA viria ao primeiro plano, tornando-se a contradição predominante, cuja resolução é um pré-requisito para vencer a batalha principal. Quando chegarmos lá, se ainda não chegamos, as tarefas da esquerda estarão de ponta-cabeça.

Tomando como exemplo as guerras coloniais que a China sofreu, Mao explica assim:

Quando o imperialismo lança uma guerra de agressão contra tal país, as diversas classes daquele país, com exceção de um pequeno número de traidores da nação, podem se unir temporariamente em uma guerra nacional contra o imperialismo. A contradição entre o imperialismo e o país em questão torna-se então a contradição principal, e todas as contradições entre as várias classes dentro do país (incluindo a contradição, que era a principal, entre o regime feudal e as massas populares) passam temporariamente para segundo plano e para uma posição subordinada.

As condições para uma frente antitecnofeudal

Na configuração que nos interessa, essa plasticidade tática implica estar pronto para a constituição de uma frente antitecnofeudal que incluiria, além das forças de esquerda, as forças democráticas, incluindo, portanto, as frações do capital em ruptura com as Big Tech.

Para escapar do processo de colonização digital, sua agenda deve ser a de uma política digital não alinhada com o objetivo de criar um espaço econômico para que as diferentes camadas constitutivas alternativas às Big Tech possam se desenvolver. Essa estratégia de soberania implica simultaneamente uma forma de protecionismo digital – ou de desmantelamento, se estivermos nos Estados Unidos – e um novo internacionalismo tecnológico baseado na cooperação de geometria variável que permite a operação em escalas suficientemente grandes.

Mas a perspectiva dessa aliança de circunstâncias não deve criar ilusões. Primeiro, seus contornos são extremamente incertos hoje. A confusão ideológica resultante de uma situação que muda em alta velocidade está, obviamente, em questão, mas razões estruturais também desempenham um papel. Porque o capitalismo contemporâneo é caracterizado por formas complexas de interpenetração e de articulação de diferentes capitais entre setores e territórios, é difícil ler onde e como as fissuras se formarão e se ampliarão a ponto de se tornarem oposições e quais serão os pontos institucionais onde será necessário pressionar para trabalhá-las.

Em seguida, porque a implementação do programa que irá consolidá-lo não é evidente. Uma das grandes lições das experiências desenvolvimentistas é que a burguesia nacional muitas vezes falha. Na ausência de disciplina suficiente, os capitais nacionais adotam uma atitude rentista, na qual o poder público se torna uma fonte de renda, mais capaz de reproduzir as desigualdades existentes do que de impulsionar a transformação estrutural que tornaria possível quebrar a dependência.

Finalmente, porque o poder da governamentalidade algorítmica e o imperativo ecológico da parcimônia exigem que antecipemos os riscos de captura burocrática. A resistência ao tecnofeudalismo deve ter uma dimensão popular. O envolvimento direto das massas na batalha envolve a questão dos usos e ferramentas digitais. Mas não para por aí. A oposição ao tecnofeudalismo exige a construção de capacidades administrativas e políticas industriais para orientar os investimentos. Colocá-los sob tensão democrática envolve adicionar contrapoderes e estabelecer formas de controle sobre os recursos mobilizados, a fim de gerar ciclos de feedback necessários para apoiar a legitimidade da ação pública.

Os bilionários da tecnologia não são apenas pessoas ricas que cobiçam a proximidade do poder para defender seus interesses plutocráticos. Esses capitalistas são senhores tecnofeudais em formação, determinados a aproveitar a oportunidade de sua aliança com Trump para derrubar os últimos obstáculos políticos para o estabelecimento de uma nova ordem social baseada na projeção e manipulação dos algoritmos, a fim de centralizar o valor produzido pelo trabalho e impor seus caprichos milenaristas.

Essa ascensão tecnofeudal não é inevitável. A extrema estreiteza da base social sobre a qual se apoia, sua aspiração de eliminar as mediações políticas ou mesmo as valorizações financeiras fictícias a que dá origem fazem dela um andaime vulnerável. A brutalidade com que o projeto está sendo levado adiante garante que o ódio que ele desperta só aumentará. Já dentro da própria galáxia MAGA, Steve Bannon promete lutar com todas as suas forças contra as tentativas de Musk de “implementar o tecnofeudalismo em escala global”.

Sob os aríetes da proeza digital chinesa, o verniz da pretensão supremacista dos gigantes da Costa Oeste está descascando, instilando dúvidas sobre a sua invencibilidade. O tecnofeudalismo dos EUA é um Leviatã frágil. Mas a natureza da coalizão que o derrubará permanece incerta. Se a esquerda estiver à frente, então, realmente, será necessário, como faz o general Stumm, falar de um grande acontecimento.

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