23 Janeiro 2025
As ambições de Donald Trump para a Groenlândia podem ser surpreendentes, mas as pretensões dos Estados Unidos em relação ao “continente branco” não são novas. E não faltam razões para este interesse.
A reportagem é de Emmanuel Hache, Candice Roche, Louis-Marie Malbec e Vincent d’Herbemont, publicada por The Conversation, 21-01-2025. A tradução é do Cepat.
No dia 22 de dezembro de 2024, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, escreveu na sua rede Truth Social: “Por uma questão de segurança nacional e de liberdade no mundo, os Estados Unidos da América acreditam que a propriedade e o controle da Groenlândia são uma necessidade absoluta”.
Durante o seu primeiro mandato, em 2019, ele já tinha manifestado o seu interesse por esta região. Para além da atratividade da Groenlândia em termos de recursos naturais, como podemos explicar as renovadas pretensões de Donald Trump?
O post original de Donald Trump
Truth Social, dezembro de 2024
A presença militar estadunidense na Groenlândia remonta à Segunda Guerra Mundial. A base de Thule (1943) tornou-se um dos lugares mais emblemáticos da presença estadunidense na Groenlândia, especialmente durante a Guerra Fria. Este local tornou-se estratégico para monitorar e defender o espaço aéreo contra possíveis mísseis balísticos russos, potencialmente nucleares. Além disso, a passagem GIUK (Groenlândia-Islândia-Reino Unido), entre o Ártico e o Atlântico, era (e continua a ser) uma rota de importância estratégica para os submarinos nucleares russos.
A importância militar da Groenlândia está agora associada a uma nova importância econômica e comercial, ligada especialmente às mudanças climáticas e ao derretimento da calota polar. Na verdade, esta dinâmica leva ao aparecimento de novas rotas marítimas mais curtas da Ásia para a Europa e à América do Norte, bem como a novas perspectivas de exploração dos recursos minerais e agrícolas da região.
A exploração mineral na Groenlândia começou no século XIX com a extração da criolita, seguida do carvão, chumbo, zinco, urânio, ouro e olivina. Após um século de operação, a maioria das minas foi fechada e até hoje apenas duas minas permanecem em operação, produzindo rubis, safiras e anortosito. Embora as transições energética e digital sejam intensivas em metais, a Groenlândia poderá muito bem desempenhar um papel importante na nova geopolítica dos metais críticos.
Desde 2010, a autonomia ampliada permitiu à Groenlândia gerir os seus recursos sozinha. As campanhas de exploração foram iniciadas principalmente por empresas dinamarquesas, canadenses, groenlandesas, australianas e britânicas. E medidas de incentivo, como reduções fiscais e a simplificação de licenças, foram introduzidas para atrair investidores estrangeiros.
Figura 1: Distribuição, por país de origem, das empresas responsáveis pelas atividades de perfuração exploratória mineira na Groenlândia desde 1912 (em percentagem de quilômetros perfurados)
Christiansen et al., 2024. Fornecido pelo autor
A ilha é potencialmente rica em recursos (cobre, grafite, ilmenita, molibdênio, ferro, chumbo, níquel, ouro e terras raras), mas o nível de reservas permanece aproximativo. Uma jazida de ilmenita – principal minério do titânio – deverá ser explorada e as reservas de molibdênio chegariam a 260 mil toneladas. São especialmente as terras raras que atraem a atenção. Estes elementos essenciais para muitas indústrias de ponta, tecnologias hipocarbônicas e o setor digital são descritos como as vitaminas da economia moderna.
A Groenlândia tem reservas estimadas pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) em cerca de 1,5 milhão de toneladas, ou seja, 1% das reservas mundiais. E apenas dois projetos atualmente em desenvolvimento (Kvanefjeld e Motzfeldt) poderiam multiplicar por 8 o volume das reservas de terras raras da Groenlândia. As reservas da ilha ficariam, no entanto, atrás das da China (44 milhões de toneladas), do Brasil e do Vietnã (21 milhões), mas suplantariam as da Rússia (10 milhões), da Austrália (5,7 milhões) e dos Estados Unidos (1,8 milhão).
Figura 2: Evolução da perfuração exploratória na Groenlândia por tipo de metal, 1950-2023
Adaptado de Christiansen et al., 2024
Não é, portanto, nenhuma surpresa que os diferentes blocos geopolíticos procurem atrair a Groenlândia para a sua esfera de influência, com vistas a se beneficiar dos seus recursos. A Europa é a primeira a formalizar um acordo com a Groenlândia e a ilha teria um potencial inexplorado para 25 dos 34 minerais identificados na lista oficial de matérias-primas críticas da UE em 2023. No entanto, a Groenlândia só pode ser um parceiro estratégico se a Europa fizer investimentos significativos e rapidamente.
As recentes declarações de Trump sobre a anexação – ou compra – da Groenlândia fazem parte de uma longa tradição de interesses estadunidenses neste território dinamarquês. Até agora, os Estados Unidos se beneficiaram do ativo militar estratégico da Groenlândia sem necessitarem se apossar dela. E também podemos pensar que a exploração dos recursos do seu subsolo pode ser feita sem anexação. A posição estadunidense poderia assim ser vista como um meio de afirmar que a maioria das futuras concessões mineiras no território da Groenlândia deve ser reservada aos Estados Unidos.
As pretensões estadunidenses também visam contrariar a supremacia chinesa no mercado de terras raras e impedir que a Groenlândia caia na zona de controle russa ou chinesa. Desde meados da década de 2010, a Rússia intensificou os seus esforços para estabelecer o domínio militar no Ártico. Ela instalou novas bases militares ou reabilitou antigas.
Além disso, a sua frota de quebra-gelos permite monitorizar a evolução do gelo, informação essencial para a navegação comercial através da rota marítima do Norte. Esta rota está no centro do projeto chinês Rota Polar da Seda, extensão ártica anunciada em 2017 das Novas Rotas da Seda. Ela também tentou investir na indústria mineira na Groenlândia. Embora Pequim represente 68% da produção global de terras raras em 2024, pretende reforçar o seu peso através de novos investimentos no exterior, especialmente para manter a sua posição dominante no mercado.
Figura 3: Groenlândia, um território estratégico no Ártico
Adaptado de Nouveaux enjeux stratégiques de l’arctique, Ministério das Forças Armadas, França, 2019
Desde a autonomia em 1979, o partido social-democrata Siumut, bastante favorável à exploração mineral e a favor de uma independência gradual, tem dominado a vida política. No entanto, o cenário mudou nas eleições de 2021, com a chegada ao poder do partido ambientalista de esquerda Inuit Ataqatigiit, pró-independência e muito empenhado na proteção ambiental. Este último venceu as eleições concentrando a sua campanha no cancelamento de projetos de mineração como o de Kvanefjeld (mina de terras raras e urânio). O governo nomeado também encerrou a exploração de petróleo em julho de 2021.
Se o governo deste território e uma parte dos groenlandeses percebem a indústria mineira como uma alavanca para o crescimento e a criação de empregos, e mesmo como uma alavanca que os pode aproximar da independência total, uma grande parte da população, principalmente inuit, não é desta opinião. Estas questões estão no centro das próximas eleições locais marcadas para abril de 2025 e do possível referendo sobre a independência da Groenlândia, mencionado sem entusiasmo pelo primeiro-ministro, Múte B. Egede, durante o seu discurso de 1º de janeiro.
Assim como durante o seu primeiro mandato, Donald Trump impõe o seu ritmo à agenda internacional. Embora até o Kremlin tenha denunciado a retórica “dramática” do presidente eleito, na Europa, apenas a Dinamarca, a Groenlândia, a Alemanha e a França reagiram denunciando especialmente a ameaça à soberania europeia. Diante da ambição de Trump de dividir a Europa de um ponto de vista político que está agora associado ao desejo de provocar a sua desintegração geográfica, o silêncio da Comissão Europeia é especialmente surpreendente.