18 Dezembro 2024
"A razão pela qual Israel age dessa forma é evidente. Para além das garantias fornecidas pelos novos senhores de Damasco, que são óbvias e circunstanciais em momentos como esse, Tel Aviv teme que um novo regime hostil, dessa vez de matriz sunita, se estabeleça em suas fronteiras", escreve Renzo Guolo, sociólogo italiano e professor da Universidade de Pádua, em artigo publicado em Domani, 17-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A campanha israelense na Síria, sem o Hezbollah e os Pasdaran (quanto aos russos, ainda se verá), continua sob o olhar impotente e, em alguns casos, interessado da agora “ex” comunidade internacional, completamente fora do jogo na era incandescente do retorno da guerra como instrumento “normal” de resolução de conflitos.
A campanha mais estritamente militar se concretiza em centenas de ataques aéreos - mais recentemente os mais pesados sobre as áreas de Tartus e Lakatia, onde há bases russas, mas também os arsenais de Assad - no território sírio, com o objetivo de destruir armas que, de acordo com Tel Aviv, poderiam ser usadas, talvez mais tarde, pelas forças que tomaram o poder em Damasco.
Assim, Israel ataca “preventivamente” um Estado soberano em nome de sua própria segurança nacional. Não por causa de como ele age, mas por causa de como ele poderia agir. Um precedente preocupante, ainda mais em um terreno de suspeitas como o da política internacional: se fosse feito justamente por grupos de imitadores, o mundo se tornaria uma espécie de bangue-bangue interminável, no qual o xerife legitimado para colocar ordem está paralisado e os desafios infernais não têm fim.
A razão pela qual Israel age dessa forma é evidente. Para além das garantias fornecidas pelos novos senhores de Damasco, que são óbvias e circunstanciais em momentos como esse, Tel Aviv teme que um novo regime hostil, dessa vez de matriz sunita, se estabeleça em suas fronteiras.
Além disso, a Turquia de Erdogan, o novo mandachuva dessa parte do Crescente Fértil, apoia politicamente o Hamas; o núcleo mais ideologicamente estruturado do novo poder, o islamista de matriz ex-qaedista que se reporta a Ahmad-al-Sharaa, agora ex-Al Jolani, e à radicada Irmandade Muçulmana Síria, certamente não pode ter uma posição diferente; assim como os menos numerosos, mas mais incontroláveis, estilhaços, mais ou menos desgovernados, constituídos por militantes transnacionais do Isis.
É difícil que essa fervilhante colcha de retalhos de forças sunitas, inspirada pela realpolitik e pelos conselhos não tão suaves de antigos e novos protetores, decida atacar Israel: Gaza e Líbano, Hamas e Hezbollah, duramente atingidos pelas IDF, são a prova irrefutável da força do Estado judeu, de golpes muitos duros que, para serem reabsorvidos, precisam de longos tempos e tréguas, não importa se convictos ou não.
O novo homem forte do país admitiu isso sem meias palavras. Um cenário com o qual Israel também está familiarizado, tanto que, para conviver com o risco associado a tal vizinho, exige que pelo menos ele não possa infligir sérios danos.
Nesse interim, Israel avança suas fronteiras, em nome daquela doutrina de segurança cara ao Likud nacionalista de direita, o partido do renascido Bibi, mas não só. Aproveitando-se da derrubada de Assad, Netanyahu envia tropas para a zona desmilitarizada na fronteira sírio-israelense para impedir que os insurgentes que tomaram o Estado entrem nela, ocupa o lado sírio do Monte Hermon e declara nulos os acordos de 1974 com Damasco.
E para deixar claro aos novos governantes de Damasco que não haverá disputa futura sobre o assunto, aprova e financia um plano de reassentamento no Golã ocupado - somente os EUA de Trump reconheceram sua anexação em 2019 - que prevê a duplicação da população israelense nas colinas. Uma situação que “obrigará” a uma proteção mais extensa da área, portanto, ao envio de novas tropas, até tornar impossível qualquer retorno às fronteiras de 1967. Aqui como em qualquer outro lugar.
Todos os episódios da saga da política do fato consumado que se tornou a constituição material da política externa e militar de Israel há décadas. Uma saga que deslegitima qualquer aparência residual de direito internacional, mostrando como a força nua e crua é soberana.
Uma recepção que não agradará aos novos governantes em Damasco. E que, apesar de Trump, tornará muito mais complicada a assinatura dos invocados Acordos de Abraão. Nem mesmo o inescrupuloso Bin Salman poderia assiná-los agora: ainda mais quando os odiados iranianos não representam mais uma iminente ameaça.
No entanto, como costuma acontecer com Israel, as “esbórnias” militares causadas pela relativa “facilidade” com que as guerras são vencidas fazem com que se esqueça dos problemas que essas mesmas vitórias geram a longo prazo.
Colocados os xiitas islâmicos fora de jogo, Israel agora enfrenta na Síria os islâmicos sunitas em sua função nacional e estatal. Além disso, protegidos por um país da OTAN como a Turquia neo-otomana do “sultão” Erdogan, que visa reforçar um eixo sunita que vai de Ancara a Damasco via Aleppo, agora encruzilhada estratégica da influência turca no país.
Por mais que o ex-qaedista Sharaa não pense mais na jihad global, é difícil que, depois de se fortalecer e pagar seus “penhores” às potências que o apoiaram (Turquia versus curdos, em primeiro lugar), aceite que Israel possa fazer o que quiser do outro lado da fronteira. É a contradição sobre a qual aposta o Irã, determinado a recortar um papel para si mesmo no país, agindo dessa vez mais como potência farsi, persa, do que xiita, contando com a hostilidade anti-israelense e o neo-isolacionismo estadunidense.
A rápida reabertura da embaixada em Damasco é um sinal claro nesse sentido. Visa impedir a expulsão definitiva do Irã da Síria, clamada com veemência, juntamente com a da Rússia, por Europa e EUA.
Enquanto isso, volta a soprar o vento sunita do Golfo: Qatar, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita estão pedindo a Israel que desista de assentar as novas colônias em Golã. Transformar uma vitória militar em vitória política não é automático. Nem mesmo para Israel.
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Israel ocupa o Golã. Mas a blitz é um erro estratégico e geopolítico. Artigo de Renzo Guolo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU