13 Dezembro 2024
Uma fotografia de uma floresta em chamas, um documentário sobre povos indígenas ou uma música que fala de destruição ambiental são mais que expressões artísticas; são convites à ação.
A reportagem é de Kamila Camilo, publicada por ((o))eco, 11-12-2024.
Paulo Freire nos ensinou que “esperançar” não é apenas esperar passivamente por dias melhores, mas agir para construí-los. E poucas ferramentas são tão poderosas para essa ação quanto a arte e a cultura. Quando artistas usam suas obras para narrar as dores da Terra, eles nos convidam a refletir e a nos mover. Comunidades que resgatam suas tradições culturais para se reconectar à natureza demonstram que o futuro pode ser encontrado no passado.
A arte tem o poder de transformar os dados frios das mudanças climáticas em narrativas emocionantes. Uma fotografia de uma floresta em chamas, um documentário sobre povos indígenas ou uma música que fala de destruição ambiental são mais que expressões artísticas; são convites à ação. A música, em particular, tem desempenhado um papel de destaque nesse movimento. Desde o “Xote Ecológico” de Luiz Gonzaga, lançada em 1989, no qual o rei do baião cita destruição causada pela poluição do ar e das águas, além da crítica social pelo assassinato de Chico Mendes até “All the Good Girls Go to Hell“, de Billie Eilish, que aborda o “apocalipse” climático, citando incêndios florestais e alagamentos a mensagem permanece atual. Mais recentemente, o samba “Qual futuro então virá?“, de Diogo Nogueira e Ailton Krenak, reforça a urgência de proteger o planeta, mostrando em seu clipe o contraste entre a natureza exuberante e os impactos da destruição humana. Falando em música, Caetano já disse, “quando a gente gosta é claro que a gente cuida” e isso vale também para a natureza, a arte transformar o terrorismo climático em ação climática. Precisamos nos reinventar, precisamos de um ser humano novo, um Homo Dilectio, Dilectio no latim significa “amor cuidadoso”, amor como escolha deliberada. Fomos capazes de superar outros sistemas de opressão no passado, logo, podemos construir um novo futuro e a arte é onde é possível imaginar esse futuro.
Ao longo da história moderna, nenhuma revolução foi feita sem um movimento cultural forte e sem a presença da arte. Elas nos fornecem não apenas uma trilha sonora, mas também uma narrativa capaz de inspirar e mobilizar. No entanto, os últimos 30 anos de cinema moderno parecem ter nos aprisionado em distopias, enquanto o que precisamos é construir a ideia de futuros desejáveis e sustentáveis.
Um exemplo significativo disso é James Cameron, cujas obras refletem a dualidade entre imaginar futuros sombrios e celebrar a conexão com a natureza. Enquanto “O Exterminador do Futuro” traz um alerta sobre os perigos da tecnologia descontrolada, “Avatar: O Caminho das Águas” é uma ode à preservação ambiental, especialmente à proteção das baleias e ecossistemas marinhos.
Em uma entrevista para Bill Gates em sua nova série documental na Netflix, Cameron admitiu que, em meio à constante aceleração das mudanças no mundo, tem perdido a capacidade de imaginar o futuro. Essa reflexão revela a urgência de reconfigurar nosso imaginário coletivo, indo além do medo e da destruição para sonhar com possibilidades mais otimistas e sustentáveis.
Ao mesmo tempo, comunidades indígenas e tradicionais nos ensinam que a cultura é fonte de resiliência e conexão com a Terra. Recentemente foi lançado o relatório Cultura e Clima é uma pesquisa realizada pela organização C de Cultura e pela Outra Onda Conteúdo, em parceria técnica com o Instituto Veredas. A pesquisa integra a cultura à agenda climática global, destacando as principais evidências nacionais e internacionais que existem sobre a conexão das agendas e os principais caminhos e obstáculos encontrados para o desenvolvimento de políticas e programas de Cultura e Clima, lá se pode encontrar entrevistas e artigos de nomes como Ana Toni e Shirley Krenak, além do mapeamento de projetos em todo o país que conectam diretamente cultura e clima. Em sua contribuição Shirley Krenak afirma que “se estamos resilientes, é pela pujança de nossa cultura.” Trazendo o aspecto da cultura como marcador de crenças e modos de produção, que reconstroem “os caminhos percorridos pelos nossos antepassados e sua importante relação com a mãe-terra.” Então a arte não é separada da vida, a cultura como arte é quem nós somos.
Embora tardiamente, o reconhecimento da cultura como aliada na pauta climática começa a ganhar força. Desde a 28ª Conferência do Clima da ONU (COP28), em 2023, o Grupo de Amigos da Ação Climática Baseada na Cultura (GFCBCA) vem reforçando a relevância dessa conexão, com liderança de Brasil e Emirados Árabes Unidos. Essa convergência entre cultura e clima precisa ser ampliada, com políticas públicas e investimentos que valorizem a arte como ferramenta de transformação social.
A cultura, além de sensibilizar, é também um mercado com potencial transformador. O turismo de base comunitária, as biojoias, os bordados e outras expressões culturais podem substituir atividades predatórias, como o garimpo ou a retirada de madeira ilegal, oferecendo às comunidades alternativas sustentáveis e dignas. No entanto, é fundamental garantir que essas atividades sejam bem remuneradas e livres de exploração. Pude ver de perto na Comunidade do Tumbira, que fica dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro, localizada a uma hora e meia, com trajeto feito de barco partindo de Manaus, um modelo de como uma boa gestão e a execução de projetos podem gerar resultados positivos, beneficiando seus moradores em diversas áreas, além de proporcionar geração de renda conservando a floresta em pé.
Esperançar é criar, resistir e imaginar juntos um futuro mais justo e sustentável. A arte e a cultura nos lembram que ainda há espaço para sonhar, mesmo em tempos sombrios. Com cada música, pintura ou dança, podemos transformar o mundo ao nosso redor – e construir o amanhã que desejamos.
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Esperançar com arte e cultura: um chamado à ação climática - Instituto Humanitas Unisinos - IHU