22 Dezembro 2024
"Mas a redescoberta do Evangelho e da Bíblia nas igrejas despertou novamente a identidade cristã. Paolo Ricca, o pastor e grande teólogo valdense que nos deixou há poucos meses, gostava de afirmar no final de sua vida que não negava suas origens na igreja valdense, mas que pertencia à igreja invisível que não reconhece muros e cercas confessionais, a igreja dos cristãos, simplesmente. E a gente costumava repetir em nossos encontros presenciais: primeiro nos sentimos cristãos, depois vem o pertencimento confessional", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado em La Repubblica, 02-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em minhas últimas estadias nos países do norte da Europa, mas também na França, ouvindo cristãos diferentes por pertença a igrejas diferentes, fiquei surpreso com a frequência com que eles se declaravam cristãos e, com certa veemência, declaravam que reconheciam a origem e o crescimento de sua fé em uma confissão cristã, mas que não se sentiam mais representados por ela e não podiam mais se identificar com ela. Essas mudanças não são registradas, muito menos analisadas, mas são cada vez mais perceptíveis. Esse é um fenômeno novo: até recentemente, geralmente se professava sobre si mesmos e os outros, em primeiro lugar, a confissão de pertença e se deixava de fora a qualificação “cristão”, que podia parecer em contradição com o fato de ser católico, protestante ou ortodoxo. Não nos esqueçamos de que Benito Mussolini chegou a gritar: “Sou católico, não cristão!”, sem ser contradito ou censurado pela Igreja, mas, ao contrário, recebendo de muitos um apoio que fazia os católicos se sentirem “um exército no altar”.
Mas a redescoberta do Evangelho e da Bíblia nas igrejas despertou novamente a identidade cristã. Paolo Ricca, o pastor e grande teólogo valdense que nos deixou há poucos meses, gostava de afirmar no final de sua vida que não negava suas origens na igreja valdense, mas que pertencia à igreja invisível que não reconhece muros e cercas confessionais, a igreja dos cristãos, simplesmente. E a gente costumava repetir em nossos encontros presenciais: primeiro nos sentimos cristãos, depois vem o pertencimento confessional. Mas a posição de Paolo Ricca é hoje compartilhada. Sim, as barreiras confessionais não apenas caíram para o ecumenismo, mas deixaram de ser significativas. E não se pode esquecer que muitos cristãos hoje redescobrem a noção bíblica do “pequeno resto”, que, sem ostentar privilégios, sem tentações sectárias, simplesmente quer ser fiel ao Evangelho. Somente o Evangelho! Nada além do Evangelho!
O fenômeno é tão difundido que, mesmo na Rússia, por motivos que dependem da política da Igreja, alguns cristãos não querem mais se chamar de ortodoxos sem por isso “passar” para outra igreja. Aleksej Navalnyj, o crente russo contemporâneo, parece ser um exemplo para muitos com sua escolha de ser cristão sem pertencer à Igreja do Patriarcado de Moscou. Mas eu me pergunto: será que as igrejas estão ponderando e questionando essa novidade de cristãos sem igreja, órfãos por não sentirem ou viverem o acolhimento, a fraternidade e, às vezes, o radicalismo evangélico nas igrejas a que pertencem?
A figura do Papa Francisco, seu carisma e suas ações proféticas não são suficientes para fazer com que os católicos digam que a igreja em que foram formados é sua casa, um lugar de fraternidade e de fé. Seriam necessários outros bispos e pastores se empenhando para tirar da solidão aqueles que a vivem na família, ou na marginalização, na pobreza, na doença, mas também na igreja. Em vez disso, o cuidado do rebanho sempre tem visão curta!
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O cuidado do rebanho. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU