06 Novembro 2024
Nesta terça-feira (5), completam-se 9 anos do desastre causado pela Vale e BHP.
A reportagem é de Lucas Weber, publicada por Brasil de Fato, 05-11-2024.
Após uma década, a comunidade Gerú Tukunã, do povo Pataxó, voltou a fazer a tradicional festa de batismo das crianças no rio Corrente, que banha a aldeia. Ainda assim, foi bem diferente de como os mais antigos se lembravam.
“Ela ainda tá barrenta, antes era toda clarinha, tu via os peixes tudo nadando nela”, relata o cacique Bayara sobre a água do rio, que revela a olho nu o estrago pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), há nove anos.
A decisão de voltar a realizar os rituais no rio, mesmo com as recorrentes contaminações de quem tenta comer algum peixe dali ou usar a água para outro fim, veio por uma trágica constatação do cacique.
“Nosso rio vai rolar 200 anos sem voltar a ser o que era”, afirma em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (5).
A aldeia Gerú Tukunã fica próximo a divisa com o estado do Espírito Santo, já no meio do caminho por onde a lama tóxica percorreu até chegar ao mar, na cidade de Linhares (ES), onde o rio Doce desagua.
No final de outubro, o cacique esteve em Londres, junto como a comitiva do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) para acompanhar os primeiros dias do julgamento contra a BHP Billington, empresa que, junto com a Vale, é dona Samarco – que administrava a barragem rompida em 2015.
"Nós queremos ver essa empresa no banco dos réus, e a gente quer ver ela pagar o desastre que ela fez. Não é só aqui no Brasil. Ela continuou nos outros países fazendo o mesmo desastre, nada acontece com ela."
Para o cacique, o julgamento de lá é a grande esperança de receber algum tipo de reparação, porque as medidas apresentadas ao longo dos últimos nove anos, incluindo o novo acordo firmado pelo governo federal, são de “abandono” para a comunidade.
“Essa pactuação que governo federal assinou é um 'cala a boca', que ninguém nem vai ver isso. Isso não considera a vida dessas pessoas, a memória dessas pessoas, a saúde dessas pessoas", diz. “Até hoje nós não recebemos um centavo. Continuou a mesma coisa, nós não recebemos nem uma reparação de bens, nunca recebemos nada".
O território indígena, que até hoje não foi regularizado, começou a ser ocupado na década de 1970, quando parte dos Pataxó do Sul da Bahia se dispersaram depois de sucessivos episódios de violência contra o povo.
Ate hoje a comunidade vive sob pressão de fazendeiros de regiões próximas que tentam reduzir o território.
No entanto, até aquele 5 de novembro de 2015, as famílias tinham condições de autossustento, lembra o cacique: “aqui era o berçário dos peixes, eles vinham desovar aqui dentro, porque aqui tem mata, tem barranco pro peixe desovar”.
“Para a gente é uma memória perdida, porque você fazia as festas, as brincadeiras nesses rios, você pescava e hoje você tem que comprar um peixe que produzem em outro lugar, longe daqui, porque se pegar um da região pode ser que fique doente”.
Quais foram os impactos na comunidade? A lama chegou até a casa de vocês?
A lama não chegou dentro da nossa comunidade. A nossa comunidade é mais fora um pouquinho, mas atingiu todo o leito do rio Corrente, o leito do rio São Felix.
Aqui era o berçário dos peixes, eles vinham desovar aqui dentro, porque aqui tem mata, tem barranco pro peixe desovar.
Então assim, para a gente é uma memória perdida, porque você fazia as festas, as brincadeiras nesses rios. Você pescava e hoje você tem que comprar um peixe que produzem em outro lugar, longe daqui, porque se pegar um da região pode ser que fique doente.
É um dia muito triste, né, dia 5 de novembro. Um dia muito triste, da muita lama, desde Mariana até o Espírito Santo. Foi assim, um desastre total para a gente como comunidade tradicional.
Como vocês avaliam esse novo acordo celebrado pelo governo federal?
Eu vejo que esse acordo que o governo fez com os atingido só vai beneficiar o próprio governo.
O nosso rio vai rolar 200 anos sem voltar a ser o que era. Foram muitos peixes mortos, vidas perdidas, acabou com a sustentabilidade de várias famílias.
Vai ficar na história dos povos indígenas, porque eu vejo o seguinte, hoje os peixes que a gente tinha aqui no nosso rio, o rio São Felix, o rio Corrente, acabou tudo, hoje você não tem mais o que tirar deles.
E não só isso, o que nós fazíamos culturalmente, a nossa festa, as brincadeiras no rio, nossos batizados aqui no São Felix, na beira do Rio Corrente, entrou lama.
Nós ficamos quase 10 anos sem fazer a nossa brincadeira. Agora que a gente começou a voltar a fazer as brincadeiras da gente.
As plantas medicinais que nós tirávamos para fazer os remédios, hoje, você não tem mais. Então, assim, é uma preocupação muito grande do nosso povo.
É um desastre que não vai sair da memória do nosso povo nunca.
A grande empresa mineradora hoje ela vê é o lucro de explorar nosso território brasileiro, levar riqueza para fora e casando danos à população, igual tem a represa de Barões de Cocais e as outras represas em Ouro Preto, que é um fracasso total, se não tiver uma reparação, vai sofrer outro desastre novamente.
Essa pactuação que o governo federal assinou, isso é um 'cala a boca', que ninguém nem vai ver isso, isso não considera a vida dessas pessoas, a memória dessas pessoas, a saúde dessas pessoas.
Quem vai pagar a vida? Essa destruição daqui, de Minas Gerais, Espírito Santo, lá no Espírito Santo, nós temos o povo Tupiniquim que acabou tudo, perderam todo o manguezal, acabou tudo.
Nesses nove anos, vocês receberam algum tipo de auxílio ou reparação?
Até hoje nós não recebemos um centavo, continuou a mesma coisa, nós não recebemos nem uma reparação de bens, nunca recebemos nada.
O governo federal fazia esse acordo, mas não chegou nenhum advogado, não chegou ninguém na nossa comunidade para discutir qual é a nossa necessidade, nós não recebemos um galão de água.
Nós estamos com o processo em Londres, e a gente vai continuar com o processo lá. Eu acho que lá que vai ter uma definição que a empresa vai ter que arcar com a consequência dela.
Eu estive lá em Londres com o pessoal do MAB e o pessoal da comunidade quilombolas de Bento Rodrigues, lá de Mariana.
Nós queremos ver essa empresa no banco dos réus. A gente quer ver ela pagar o desastre que ela fez. Não é só aqui no Brasil. Ela continuou nos outros países fazendo o mesmo desastre, nada acontece com ela.
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‘Nosso rio vai rolar 200 anos sem voltar a ser o que era’, diz cacique Pataxó sobre crime de Mariana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU