24 Outubro 2024
Os gritos “El pueblo unido jamas serà vencido” e “Marcelo vive, la lucha sigue” encheram primeiro a igreja de Guadalupe e depois as ruas de San Cristobal de Las Casas. No domingo, 20 de outubro, foi morto a tiros o padre Marcelo Pérez Pérez, “um sacerdote rebelde, um homem justo, um daqueles que sempre quiseram construir o ‘paraíso’ na terra. Seu sonho é a nossa Revolução, a construção de um mundo melhor”, como lembrou o Nodo Solidale no Facebook.
O reportagem é de Andrea Cegna, publicada por “il manifesto”, 22-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em luto e acompanhando o caixão até San Andrés Larrainzar, a comunidade onde ele nasceu em 1974, famosa pelos “Acordos de San Andrés” entre o governo e o Exército Zapatista de Libertação Nacional (Ezln), não estava apenas a comunidade católica. Na frente e dentro da igreja havia ativistas sociais, representantes de comunidades indígenas organizadas, jornalistas chorando, paroquianos, raiva, emoção, lembrança e o desejo de não parar de lutar. Havia a união do catolicismo e da luta social, havia canções religiosas e coros históricos de movimentos revolucionários. Havia o lado progressista e engajado da cidade e havia as comunidades onde Marcelo havia deixado uma marca. A mistura política/cultural/social que fazia parte do húmus que permitiu que o Ezln crescesse e se levantasse em armas em 1994.
A vocação de Marcelo nasceu em 1997, após o massacre de Acteal. Naquela época, ele entrou para o seminário e se tornou padre em 2002. Primeiro pároco de Chenalhò, depois de Simojovel e, em seguida, da Igreja de Guadalupe em San Cristobal. As várias áreas da Igreja mexicana, principalmente a Companhia de Jesus, denunciaram o incidente e a Conferência do Episcopado Mexicano solicitou oficialmente uma reunião com a presidente Claudia Sheinbaum. De fato, o assassinato do Padre Marcelo reuniu as hierarquias católicas historicamente fragmentadas do país e quebrou a narrativa do governo baseada na negação da violência em Chiapas, como já denunciado por dezenas de ONGs e centros de defesa dos direitos humanos.
A unidade da Igreja em torno de um personagem assim não era algo garantido, pois a Diocese de San Cristóbal, assim como a Igreja mexicana, são lugares tradicionalmente conservadores, e Marcelo realmente não estava em sintonia com “sua” liderança. Em vez disso, ele participava ativamente de muitas das lutas das comunidades Tsotsitles e Tseltales que exigiam melhores condições de vida às autoridades e se organizavam para combater o crescente empobrecimento do estado de Chiapas. Ele era um defensor ferrenho dos direitos humanos e, por meio de marchas e peregrinações desde 2021, denunciou o aumento da violência pela criminalidade organizada.
Era um pacifista, uma pessoa prestativa, presente e militante. Justamente por isso sofreu retaliações, foi vítima de ameaças, intimidações, agressões físicas e criminalização. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos havia solicitado a sua proteção. A rede Tdt (Todos los derechos para todas y todos), que reúne 87 organizações em 23 estados do México, condenou imediatamente o assassinato, que “prejudica os processos de construção da paz, de defesa dos bens comuns e de vida digna”.
“Tanto o crime organizado quanto o governo de Chiapas, em vez de agradecer ao Padre Marcelo por seu trabalho para pacificar as nossas comunidades, o recompensaram com a prisão e a morte”, acusam Las Abejas de Acteal, uma organização pacifista e anticapitalista que tem entre seus membros sobreviventes do Massacre de 1997. A rede Tdt lembra que “várias organizações civis de direitos humanos fizeram apelos anteriores para denunciar a situação de risco enfrentada pelo padre Marcelo, ameaçado por grupos criminosos, à Procuradoria Geral do Estado de Chiapas, que em 21 de junho de 2022 solicitou um mandado de prisão ao Tribunal” para o pároco.
Em vez de defender Marcelo, as autoridades locais o acusaram de ser o promotor da criação do grupo de autodefesa “El Machete”, acusado pelo desaparecimento de 21 indígenas no município de Pantelhó em 26 de julho de 2021. Um dos muitos aparentes “curtos-circuitos” institucionais onde a violência encontra espaço e se torna um sistema. Aparências denunciadas tanto pelos centros de direitos humanos quanto pelo Ezln, que destacaram como em Chiapas o crime organizado e as instituições convergem, com métodos e meios diferentes, tentando controlar o território, expulsando aqueles que defendem bens comuns e direitos.
O clima agora em Chiapas é de guerra civil. O novo governo terá de decidir se seguirá a linha de continuidade ou se mudará de rumo e evitará, como Marcelo pedia, a guerra.
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Chiapas em luto pelo padre rebelde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU