23 Outubro 2024
"Mas obviamente não basta 'apenas' lutar por menos horas de trabalho. É preciso, também, qualificar o tempo de não trabalho. Porque, se esse tempo for dedicado apenas ao consumo, ainda estaremos presos no mundo do trabalho".
O comentário é de Gustavo Gindre, publicado no Facebook, 20-10-2024.
Eu não conheço nada sobre o vereador eleito Rick Azevedo (PSOL-RJ) e seu movimento Vida além do Trabalho (VAT). Mas acho que, no mínimo, ele já tem o mérito de chamar a atenção sobre um tema central que a esquerda sempre teve dificuldade em lidar.
Como demonstrou o Robert Kurz, o marxismo possui uma tensão, tanto teórica quanto em relação aos movimentos sociais que atuam sob sua influência.
De um lado, temos uma concepção que hiper valoriza o trabalho, colocando como problema apenas o controle de classe desse trabalho. O auge de tal concepção foi o fordismo soviético e é atualmente o 996 chinês.
De outro lado, uma visão minoritária que questionou a própria ideia de trabalho. Temos aí o Paul Lafargue, André Gorz e mesmo o anarcosindicalismo (que obviamente não era marxista).
Hoje essa questão ressurge como evidente porque vivemos entre a mais brutal exclusão estrutural (milhões de pessoas que jamais terão um lugar no mercado de trabalho) e a hiper exploração do trabalho precário (que às vezes parece remeter ao século XIX).
Mas obviamente não basta "apenas" lutar por menos horas de trabalho. É preciso, também, qualificar o tempo de não trabalho. Porque, se esse tempo for dedicado apenas ao consumo, ainda estaremos presos no mundo do trabalho.
Tenho a sensação de que pipocam iniciativas que buscam questionar o Deus trabalho e isso obriga uma grande reflexão crítica da esquerda. Ao mesmo tempo, essas iniciativas dialogam diretamente com aflições muito concretas da maioria da população.
Dos Andes temos o Bem Viver. Há a pauta do decrescimento. Movimentos como o Desacelera SP, da minha querida Michelle Prazeres. E agora esse VAT no Rio de Janeiro. E com certeza devem existir inúmeras outras iniciativas que eu não conheço.
Ao contrário do que possa parecer aos mais ortodoxos, esses movimentos atingem o núcleo central do capitalismo, que é a lógica do trabalho abstrato e sua máquina de moer gente. Resta agora dar corpo a tais iniciativas.
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"Não basta lutar por menos horas de trabalho. É preciso qualificar o tempo de não trabalho". Comentário de Gustavo Gindre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU