12 Outubro 2024
"O que é ser do 'cristianismo de libertação'? Estar no caminho da solidariedade para com os que sofrem ou ter 'consciência político-teológica' correta? No mundo tão insensível aos sofrimentos dos pobres, marcado pelos interesses pessoais e desejo de prestígio e símbolos de riqueza, ações que rompem com essa cultura de insensibilidade e mostram o direito dos pobres de viver dignamente são libertadoras e 'revolucionárias'", escreve Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
A luta pela libertação, que deve ser sempre permanente (perdoe-me o pleonasmo) – pois nós humanos não somos capazes de atingir à libertação plena de nenhum aspecto da vida pessoal e social –, começa com uma negação de uma mentira ou de um equívoco. Como nos lembra Juan Luis Segundo, a teologia da libertação deve começar e recomeçar com a libertação da teologia, pois todas teologias passam por processos de “petrificação”. E, como tenho tratado nesta série de artigos, esse processo tem um aspecto pedagógico da libertação de uma cultura de insensibilidade para uma de sensibilidade social que precisamos aprofundar mais. De uma certa forma podemos dizer que nós, os que se assumimos como parte da tradição do cristianismo de libertação, somos marcados por uma visão “iluminista” que privilegia o conteúdo da verdade e deixa em segundo lugar o processo pedagógico na relação entre a verdade da afirmação e o ensino-aprendizagem do enunciado no processo de comunicação.
Eu quero desenvolver melhor essa ideia a partir de um esquema do famoso livro Como fazer teologia da libertação, dos irmãos Boff, de 1985. Para evitar qualquer mal-entendido, quero deixar claro que não estou criticando esse livro, que é ainda significativo em muitas partes do mundo, mas um pretexto para aprofundarmos a questão. Feita essa explicação, seguimos.
"Como fazer teologia da libertação", livro de Clodovis Boff e Leonardo Boff (Editora Vozes, 2011)
Os autores descrevem três tipos de estratégia de ação:
a) “No assistencialismo a pessoa se comove diante do quadro da miséria coletiva: procura ajudar os carentes. (...) ajuda os indivíduos, mas faz do pobre objeto de caridade, nunca sujeito de sua própria libertação. (...) Não se percebe que o pobre é um oprimido e feito pobre por outros”;
(b) “Já no reformismo tenta-se melhorar a situação dos pobres, mas mantendo sempre o tipo de relações sociais e a estrutura básica da sociedade”;
c) “Na libertação, os oprimidos se unem, entram num processo de conscientização, descobrem as causas de sua opressão, organizam seus movimentos e agem de forma articulada”.
Eu me lembro de uma conversa com uma freira de uma escola católica sobre esses três tipos de ação nas pastorais, há muito tempo atrás. Ela dizia com orgulho: somos da linha da libertação, por isso não fazemos ações assistencialistas, mas de libertação na escola. Eu lhe perguntei: e o que uma criança de dez ou doze anos pode fazer de libertação a partir das aulas sobre esse tema? A não ser sentir-se sensibilizado pelos sofrimentos dos pobres e, ao voltar a sua casa, pedir a sua mãe algo para ajudar aos pobres; talvez participar de alguma campanha de ajuda/assistência aos pobres. Como interpretar essa decisão e ação da criança? É uma ação assistencial, reformista ou libertadora?
É claro que não se pode exigir de uma criança uma consciência das causas da opressão ou das diferenças entre o reformismo e a “revolução” (temas que quase desapareceram na TL). Sendo assim, essa freira poderia responder dizendo: por conta da idade da criança, aceitamos a ação assistencialista dela esperando que ela caminhe para a linha da libertação. Aqui aparece o tema do processo pedagógico na classificação das ações das práticas libertadoras ou não.
Para uma classificação das teorias sociais essa tipologia é útil. Mas, na vida real das pessoas e dos movimentos sociais, sem contextualizar o momento pedagógico das pessoas e dos grupos eclesiais ou sociais, essa classificação tende a nos levar a erros práticos.
Agora, substituamos essa criança sensibilizada por uma pessoa adulta que está nos primeiros passos da pedagogia da sensibilidade humana. Como aparece no texto dos irmãos Boff, “pessoa se comove diante do quadro da miséria coletiva: procura ajudar os carentes”. Ótimo, isso é bom. Mas, muitos de nós tão marcados por esse tipo de classificação das ações sociais ou políticas corremos o risco de criticarmos as ações desse neófito da sensibilidade como algo insignificante ou assistencialistas, isto é, errado. Pressupomos ou exigimos que essas pessoas já saibam as análises sociais das causas dos sofrimentos sociais e tenha opções políticas da nossa linha, que seja da “esquerda”. O que pedagogicamente não é realista; e politicamente incorreto.
O que é ser do “cristianismo de libertação”? Estar no caminho da solidariedade para com os que sofrem ou ter “consciência político-teológica” correta? No mundo tão insensível aos sofrimentos dos pobres, marcado pelos interesses pessoais e desejo de prestígio e símbolos de riqueza, ações que rompem com essa cultura de insensibilidade e mostram o direito dos pobres de viver dignamente são libertadoras e “revolucionárias”. Elas são frágeis, passageiras e pequenas, mas são libertadoras porque revelam o amor de Deus entre nós e espalham sementes de um novo futuro.
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Classificação de ações pastorais-sociais e a pedagogia do cristianismo de libertação. Artigo de Jung Mo Sung - Instituto Humanitas Unisinos - IHU