05 Outubro 2024
"O nosso desafio aqui é entender melhor a passagem de uma fé em Deus da ordem (insensibilidade para com pobres e vítimas) para uma fé em Deus tem igual amor para com todas pessoas e, por isso, interpela as pessoas para viverem a compaixão", escreve Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
No último artigo desta série sobre o cristianismo de libertação, escrevi que “a pedagogia da sensibilidade social ou humana inicia, não com “consciência”, mas sim com o calor humano que leva ao novo agir, um agir que é ao mesmo tempo belo (ação bonita) e do bem (ação de justiça)”.
Isso significa que cursos ou palestras não mudam a sensibilidade ou a insensibilidade social de uma pessoa, se antes não foi tocada por exemplos ou “testemunhos” de pessoas que expressam o calor humano. Esses testemunhos podem ser vistos em biografias (livros, filmes...) ou em ações contemporâneas; o mais importante é que as pessoas que ainda estão dominadas por uma cultura de insensibilidade social encontrem nesses testemunhos um motivo para questionar os seus modelos de ser humano que está seguindo. Por exemplo, um padre “ídolo” que lhe “adora” porque reforça o senso de ser católico e de sentir-se defendido e cuidado por Deus em um mundo de muitas inseguranças.
Frente a essas pessoas, não funciona um discurso “crítico” ou profético contra a injustiça social e a insensibilidade social desse padre ou dos fiéis. Pelo contrário, o resultado é reforçar a insensibilidade deles porque o que eles buscam é a sensação de ordem oferecida pelas doutrinas e ritos religiosos. Abrir-se à sensibilidade frente aos sofrimentos de outros é gerar mais medo e insegurança. Para esse tipo de cristianismo, a fé se identifica com a segurança oferecida por sua visão de Deus e sua religião.
Se levarmos em consideração como o mundo está se transformando (grandes transformações tecnológicas que mudam o modo como se trabalha nas empresas e a diminuição de empregos, o que aumenta a desigualdade social; mudanças dos papéis de homem e mulher na sociedade e na família; emergência de comunidades LGTBQ+ exigindo direitos iguais por toda parte do mundo; a imigração a nível mundial que altera a geografia humana em todas partes e aumentam as tensões sociais e culturais; etc.), não é de se esperar que religiões da “ordem”, isto é, religiões conservadoras que defendem a ordem social prévia como expressão da vontade de Deus, tenham mais seguidores.
Grupos sociais e culturas dominantes defendem a ordem, como é de esperar. Assim também as religiões hegemônicas ou dominantes. A ordem é, por definição, insensível aos sofrimentos dos que são excluídos ou marginalizados por esse mesmo sistema. Por isso, devemos ter claro que a fé cristã, isto é, a fé de Jesus e em Jesus, não é na busca da certeza, segurança e ordem. A fé religiosa que busca a ordem e segurança evita, foge, de situações que leva ao medo. E o interessante é que Jesus, ao criticar a pouca fé dos discípulos, não associa a sua fé em certeza, mas sim ao medo: “Homens de pouca fé, porque estavam com medo?” (Mt 8, 26-29 e paralelos). A fé em Jesus se identifica em coragem de assumir a missão do Reino de Deus, a de anunciar às pessoas que sofrem que Deus ouvi os seus clamores (Ex 3; Mt 25). Que há muitas pessoas que tem sensibilidade para com suas dores.
O nosso desafio aqui é entender melhor a passagem de uma fé em Deus da ordem (insensibilidade para com pobres e vítimas) para uma fé em Deus tem igual amor para com todas pessoas e, por isso, interpela as pessoas para viverem a compaixão. A passagem de um mundo fechado em si, egoístico, para a abertura ao mundo/história de outras pessoas é a experiência do Espírito, ser movido por Deus para um “mundo” desconhecido. Para isso é preciso ter fé/coragem.
Ao conhecer pessoas, que movidos pelo Espírito, mantém a sua fé/coragem e vivem a sua sensibilidade social dos que sofrem – mesmo que não conseguem realizar mais do que gostaria –, mais pessoas vão descobrir que viviam uma “vida falsa” ou uma vida sem sentido humano. A libertação dessa mentira socioexistencial –a mentira de que a busca da riqueza, prestígio ou poder pode nos realizar como ser humano– é um dos aspectos da libertação buscada pelo cristianismo de libertação.
Mas, devemos ter também claro que esse processo pedagógico de libertação da insensibilidade para sensibilidade não é algo automático ou fácil. As experiências pessoas desse processo pode nos ajudar a entender a dificuldade dos que estão entrando nessa luta.
A educação da sensibilidade exige paciência dos/as educadores/as.
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A libertação da mentira socioexistencial e a pedagogia do cristianismo de libertação. Artigo de Jung Mo Sung - Instituto Humanitas Unisinos - IHU