20 Abril 2024
"A igreja é importante porque é o espaço de convivência de fé e de mútuo perdão, mas não é, não pode ser visto como o fundamento da vida e da fé da comunidade", escreve Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
Essa pergunta é tão ampla que não pode ser respondida de forma objetiva, mas, ao mesmo tempo, é fundamental porque as pessoas e grupos que participam nos debates e polêmicas sobre ações, opções e prioridades das igrejas pressupõe uma resposta a essa pergunta.
De uma certa forma, podemos dividir as lideranças das igrejas (seja no âmbito das comunidades locais ou no nível regional ou global) em dois grupos: os que pensam que a sua religião e a sua igreja são fundamentais para a vida das pessoas e do mundo, e o grupo que, apesar de gostar e de lutar pela sua igreja, creem que a Igreja e o cristianismo têm um papel secundário.
Alguém poderia perguntar: papel secundário ou central para o quê? A resposta depende do sujeito que vai responder; isto é, não há uma resposta correta “em si” que poderíamos achar em um livro sagrado e dizer aos outros que eles estão errados. Por exemplo, para um padre, uma freira, um pastor ou pastora que tem certeza que foi vocacionado por Deus, a Igreja e a sua religião são muito importantes, fundamentais para a vida das pessoas. A importância da (sua) Igreja/religião é proporcional à importância da sua vida. E ninguém quer se sentir sem importância, sem autoestima.
O que pode acontecer quando uma pessoa que se sente chamada por Deus, ou encontra o sentido da sua vida em uma igreja, e é criticada ou menosprezada por causa da religião ou sua igreja? Provavelmente vai se defender e até mesmo atacar as pessoas que desvalorizam, não a religião no sentido abstrato, mas criticam “a” religião/Igreja que faz ela se sentir importante na vida. Para essas pessoas a experiência religiosa é a base, o fundamento, da sua autoestima.
E de onde vem esse menosprezo que leva essas pessoas religiosas reagirem de forma até irracional e agressiva? Vem da cultura moderna iluminista que se sente superior aos grupos sociais que creem que Deus ou deuses estão atuando na vida das pessoas e no mundo. E essa cultura difusa do iluminismo está presente na esquerda política e também na esquerda cristã. Uma boa parte da esquerda cristã ainda não resolveu o problema da justaposição da cultura marxista iluminista (a razão e a consciência libertam o ser humano da opressão) com a linguagem religiosa do Deus libertador.
Porém, o mundo cristão não está dividido em essas duas tendências. Há uma terceira. O Papa Francisco é expressão mais significativa de uma teologia que, mantendo a linguagem religiosa cristã, afirma que a Igreja e a religião não são os valores mais importantes na vida. Para ele, o mais importante é o Reino de Deus, isto é, anunciar Deus que liberta os seres humanos de todas formas de escravidão. Nesse processo, a Igreja não é o valor supremo, mas é “apenas” um instrumento de anunciar e tornar presente o Reino de Deus entre a humanidade. A igreja é importante porque é o espaço de convivência de fé e de mútuo perdão, mas não é, não pode ser visto como o fundamento da vida e da fé da comunidade.
É na comunidade ou na igreja que as pessoas experimentam a graça, isto é, a de reconhecermos mutuamente que somos seres humanos, amados por Deus, sem importar a sua capacidade de consumo e de trabalho. Em uma sociedade centrada na ideologia da meritocracia medida em valores financeiros, a comunidade cristã tem sido e/ou deve ser o espaço de convivência da graça, da gratuidade e de misericórdia. E porque é movida pelo Espírito de Deus que essa comunidade reconhece que todos seres humanos são portadores de dignidade, independentemente da sua condição social, racial, sexual, capacidade intelectual...
A Igreja é ainda importante? Sim, porque sem igrejas e comunidades teremos menos espaços de convivência em que as pessoas podem experimentar a graça e perdão mútuo. Mais do que isso, a Igreja é o espaço social organizado que permite as pessoas manterem a fé de que o Reino de Deus está entre nós, apesar de tantas injustiças e opressões. Igreja, como espaço social organizado, precisa de presbíteros/as, pastores/as, lideranças etc., mas, para que a Igreja não perca o Espírito, é preciso ter claro que a Igreja não é o fim último, mas sim um instrumento para o Reino de Deus.
O fundamento das muitas das críticas ao Papa Francisco não é a questão da sexualidade ou das questões sociais e ambientais, mas sim da defesa de uma teologia/eclesiologia de uma igreja centrada em si mesma, uma visão de “vocacionados” que se sentem superiores. Esquecem que a vocação é graça, não mérito. Sem a missão de anunciar o Reino de Deus, o reino da justiça e da paz, a Igreja perde o seu espírito, a sua vocação.
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Qual é a importância da Igreja no mundo de hoje? Artigo de Jung Mo Sung - Instituto Humanitas Unisinos - IHU