18 Setembro 2024
O nome "Era uma vez em Curitiba" é inspirado nas obras do cineasta Sergio Leone, criador de Era uma Vez no Oeste e Era uma vez na América, que contam sobre grupos apagados da sociedade, mas que fizeram parte da história e devem ter seus lugares reconhecidos nela.
O artigo é de André Gessi Rogal Wuicik.
André Gessi Rogal Wuicik é graduado em Jornalismo e Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e mestrando em Sociologia pela Universidad Católica Argentina, onde também estuda a construção da identidade cultural curitibana. É autor dos livros "Túneis de Curitiba - Verdades e Mitos sobre os subterrâneos da capital paranaense" e "Cruz Machado - Os mistérios da vida noturna de Curitiba". Pesquisador focado nos estudos locais, acredita que a autenticidade e a verdade sempre são maiores do que a propaganda institucional.
André Rogal lança neste mês de outubro o livro "Era uma vez em Curitiba - Um estudo sobre a exclusão da cultura sulista na capital paranaense pela perspectiva do Direito Penal do Inimigo", obra que tem como missão promover um estudo crítico sobre o passado de Curitiba, tentando encontrar evidências, dentro da história das leis locais, sobre os motivos de a cidade não ter um passado histórico conhecido, apesar de ter mais de três séculos de existência. A obra será lançada na PUCPR, na semana jurídica conhecida como Universitas 2024, entre os dias 07 e 11 de outubro, e é impressa pela Editora Tirant Lo Blanch e conta com prefácio do pesquisador e ex-procurador de Justiça Nilo Bairros de Brum.
O livro conta sobre como Curitiba apagou da história a figura cultural que era típica da cidade, ao ponto de atualmente enxergá-la como um agente externo, como se este tipo cultural fosse gaúcho do Rio Grande do Sul ou tropeiro dos Campos Gerais, mas que nunca teve um vínculo cultural com a Capital do Paraná. Esta figura cultural, construída com base nos hábitos de vida dos primeiros povoadores da cidade e seus descendentes, teria sido excluída de Curitiba com o interesse do estado e suas Leis por motivos geopolíticos, ou seja, passou a ser tratada como um inimigo.
"Neste livro, conto como o estado se organizou em Curitiba, em um contexto em que a cidade era considerada uma terra de fronteira entre a América Portuguesa e Espanhola. Por muito tempo, o campeiro curitibano ocupou um espaço muito relevante dentro da cultura não só de Curitiba, mas na formação de todo o Sul do Brasil. No entanto, a partir do momento em que eventos importantes como a Revolução Farroupilha, Guerra do Paraguai e Revolução Federalista ocorrem, a cultura campeira em Curitiba passa a ser perseguida por meio das leis e posteriormente apagada, ao ponto de hoje não reconhecermos mais ela dentro do imaginário local. Esta cultura ocupava espaço tanto das elites quanto das pessoas simples em toda Curitiba e região, mas hoje é visualizada exclusivamente como cultura gaúcha ou mesmo cultura dos Campos Gerais, sendo que na verdade nasceu aqui e depois foi para lá", explica.
Hoje, muitos conhecem Curitiba por meio do marketing institucional, ou seja, como a capital do urbanismo, da modernidade, e dos imigrantes europeus. No entanto, a construção destes mitos não responde o porquê de uma cidade de mais de três séculos de existência, sendo mais antiga que a maioria das outras do Sul, não possuir um passado histórico conhecido nacionalmente ou mesmo localmente como o de cidades mais novas do Rio Grande do Sul, por exemplo. Nos festivais folclóricos de Curitiba, temos representação de todas as culturas, e nenhuma menção à cultura de nossos pioneiros, por exemplo.
"Curitiba tem mais de três séculos, mas só festejamos eventos que tardam do final do século XIX em diante e a cultura do imigrante. O senso comum tende a acreditar que não havia nada de importante aqui, até que os imigrantes chegaram, o urbanismo se desenvolveu e magicamente Curitiba aconteceu. Fala-se timidamente da erva-mate, mas somente a visão das elites e de um breve período de grande prosperidade pós Guerra do Paraguai, e não da população simples que orbitava em torno desta cultura. Em meu livro, eu mostro sim que Curitiba teve um passado histórico e uma figura cultural relevante, mas que foi perseguida, com o aparato legislativo, e posteriormente apagada, e infelizmente não a reconhecemos mais como nossa".
Neste sentido, o livro analisa as leis de Curitiba e cidades próximas sob a ótica do Direito Penal do Inimigo, do jurista alemão Gunther Jakobs, que defende a ideia de que existem duas formas de aplicar a lei: uma direcionada aos cidadãos comuns, e outra, mais rígida, direcionada ao inimigo, que é punido não pelo que faz, mas pelo que é:
"Com base no Direito Penal do Inimigo, conseguimos interpretar a legislação da época com o intuito que esta tinha em frear os hábitos e punir o campeiro curitibano, com intuito geopolítico. Não se tratava de mera modernização dos costumes como muitos historiadores afirmam, mas uma clara forma de reprimir os vínculos históricos entre os curitibanos e os vizinhos ao Sul. Nas escolas, por exemplo, evita-se falar da repercussão que as guerras do século XIX tiveram na cidade, e menos ainda do assassinato do Barão do Serro Azul. Restringem a Revolução Federalista ao Cerco da Lapa, por exemplo. Em Curitiba, evitam-se polêmicas, e eu trouxe este livro justamente para levantar polêmicas. A história da cidade é contada com tons de propaganda e consenso entre as instituições, evitando falar de feridas históricas. Eu acredito na busca pela discussão e confronto entre ideias para entendimento amplo dos temas. O Rio Grande do Sul construiu sua identidade com base nas lutas históricas, enquanto no Paraná se optou pelo silêncio sobre essas mesmas lutas", comenta o autor.
O livro conta como as leis locais proibiram bailes, música, vestimenta, lazer, bem como endureceram a tributação e levaram à prisão e perseguição política várias pessoas que se identificavam com a cultura sulista que hoje o senso comum atribui exclusivamente aos gaúchos do Rio Grande do Sul e países vizinhos, como Argentina e Uruguai.
O nome "Era uma vez em Curitiba" é inspirado nas obras do cineasta Sergio Leone, criador de Era uma vez no Oeste e Era uma vez na América, que contam sobre grupos apagados da sociedade, mas que fizeram parte da história e devem ter seus lugares reconhecidos nela.
"A concepção artística do livro é inspirada no Velho Oeste, mas não é à toa, ou algo meramente estético. Assim como no velho oeste americano apagaram da história homens considerados inimigos da modernização dos Estados Unidos, em Curitiba apagamos da história nosso passado histórico em prol do processo civilizatório. É um legítimo espírito de Western, adaptado à realidade do Paraná".
Para o autor, o livro, apesar de ser uma análise sobre a legislação, é de interesse de todo o público curitibano em geral, em especial em bairros periféricos, onde os resquícios da cultura campeira de Curitiba ainda se fazem presentes:
"Em bairros mais afastados, principalmente da região sul de Curitiba, além da própria Região Metropolitana, encontramos muitos resquícios da cultura tradicional curitibana. Ocorre que ela foi absorvida também pelos CTGs - Centro de Tradições Gaúchas, justamente por ter sido uma cultura marginalizada dentro da capital, que acabou sendo acolhida e generalizada como cultura gaúcha posteriormente. Por isso, muitos descendentes dos curitibanos que não foram protagonistas deste processo civilizatório que ressalto por meio das leis, encontram representatividade dentro dos chamados bailões, festas gaúchas e CTGs, é uma cultura que ficou no subconsciente das pessoas, parecendo que é algo que veio do Rio Grande do Sul para cá, mas que, na verdade, sempre esteve aqui. É uma cultura que reúne muita gente e sempre reuniu, mas que é completamente ignorada pelos veículos de imprensa que cobrem a cultura local e sempre é mencionada como se fosse algo de fora, os "curitibocas" torcem o nariz para ela. Inclusive, muitos descendentes de europeus do Leste Europeu, como é o meu caso (Rogal, Glinski), preferiram aderir à cultura cabocla paranaense do que a cultura típica do imigrante ressaltada nos festivais folclóricos. Por isso, este livro também será um resgate cultural", conversa.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Livro "Era uma vez em Curitiba", a ser lançado em outubro, trará história crítica inédita sobre identidade cultural curitibana. Artigo de André Gessi Rogal Wuicik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU