12 Agosto 2023
Presença Negra em Curitiba (Fundação Cultural de Curitiba, 2020), organizado por Maria Luiza Gonçalves Baracho e Marcelo Saldanha Sutil, foi o tema do terceiro debate da iniciativa Abrindo o Livro – Negritude e novos olhares, que tem como objetivo estimular a leitura e o exercício do debate, lançando questionamentos e luzes sobre o universo das relações étnico-raciais e seus desafios transversais.
Além da abordagem da obra, também houve a apresentação musical do grupo Samba do Proletário, complementando as temáticas trabalhadas com a força da composição musical de paranaenses envolvidos na luta e resistência negra em Curitiba.
Abaixo, reproduzimos a resenha elaborada por Sandro Luis Fernandes, professor de história e sociologia, que apresentou em detalhes momentos importantes da história da presença negra na capital paranaense.
É por isso que em Curitiba anunciam-se escravos e escravas, negros ou mulatos, como se anuncia chapéu ou botina: compram-se, vendem-se, trocam-se, alugam-se, cavalos, mulas ou escravos. No decorrer do século XIX, os curitibanos donos de cativos ou interessados em possuí-los, ainda que temporariamente, continuaram realizando aquelas operações. (...) em 1854, começam a aparecer os anúncios destinados a facilitar os negócios, caracterizando os “produtos” postos à venda. Assim circulam os negros e mulatos cativos em: arrumadeiras, cozinheiras, lavadeiras, costureiras, artesãos, moleques de recado, domadores, horticultores etc. (IANNI, 1962, p. 138).
A primeira parte do livro traz as impressões das pessoas promotoras da obra sobre a negritude em Curitiba, com exceção da primeira foto da contracapa, de Enedina Alves Marques, primeira engenheira negra do Brasil. A primeira pessoa negra a se posicionar sobre o tema foi a assessora de políticas de promoção de igualdade étnico-racial de Curitiba, Marli Teixeira Leite. Nesse sentido, aponta-se para o protagonismo das pessoas brancas na apresentação e o espaço no fim do livro para depoimentos de negros sobre a presença afro-curitibana hodierna.
Participantes do debate da obra "Presença negra em Curitiba", pela iniciativa "Abrindo o Livro – Negritude e novos olhares"
Destacam-se as fotografias do livro. A curadoria nos acervos foi precisa. Os retratos dos negros em diversas ações de sociabilidade demonstram a efetiva presença dos negros na cidade.
Nas poucas pinturas apresentadas, há a mais antiga representação dos negros na cidade. Produzida por João Pedro, o Mulato, retrata a sinhazinha em Curitiba conduzida por negros na liteira.
A obra, primeiramente, é ufanista em relação à cidade de Curitiba. Depois apresenta os locais de memória que tiveram a presença dos negros. Seja o mercado municipal, o Largo da Ordem, a fonte do chafariz da Praça Zacarias, bem como a construção e a operação da estrada de ferro que liga Curitiba a Paranaguá. Também é apresentado como local de memória a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito, que foi produzida por pessoas negras para poder frequentar a Igreja Católica.
Posteriormente, há grande número de fotografias registrando o trabalho dos negros em Curitiba: exército, fábricas, transporte com carroças, cozinha, costura etc.
Tratados como prenúncios da liberdade dos escravizados, são apresentadas, destacando fotos e documentos, a Sociedade Protetora dos Operários de Curitiba, criada em 1883, e a Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio, de 1888.
O Cotidiano Memorável, a partir da página 52, é singular quanto à seleção de fotos. Trata-se da singularidade dos negros curitibanos. Por meio de diversos acervos, são retratados futebol, samba, eventos e destacados alguns personagens das artes e do futebol. Uma parte é dedicada às tradições religiosas, por meio de registros fotográficos da presença negra curitibana atual. E em relação à atualidade são retratados negros e negras na música, na moda, em protestos, na educação, nos esportes e no trabalho.
Finalmente, os artigos são apresentados, a partir da página 100, a maioria sem ilustrações ou fotografias.
Negros em Curitiba: experiências na escravidão, de Joseli M. N, Mendonça
Apresenta escravizados e ex-escravizados como sujeitos ativos. Usa como exemplo o caso do sapateiro Barnabé Ferreira Bello. Ele pertencia ao Padre João Batista Ferreira Bello. Esse sapateiro teve três senhores, mas a pesquisa trata da contenda judicial entre ele e o padre, seu último proprietário. O autor da rixa na justiça não queria ser vendido para outra comarca. Dessa forma, a ação mostra os argumentos de Barnabé, o sapateiro, para conseguir se manter em Curitiba, mostrando os vínculos que tinha com a comunidade, bem como a autonomia adquirida pela prestação de serviço e pela relação que tinha com o seu proprietário.
Considerações sobre a família escrava, de Sara V. S. Monteiro
A presença de famílias escravizadas era uma estratégia de alguns senhores do café no Vale do Paraíba. Isso gerava estabilidade para as relações de trabalho e era vantajoso para os negros porque fortalecia a comunidade de negros. De certa forma, isso ocorreu também para Curitiba, apesar de não ter grande concentração de escravizados e ter a vida urbana, com circulação de escravos de ganho. E isso gerou diversos arranjos familiares e foram esses que levaram a alguns processos baseados na condição de família escravizada. Negros usavam como argumento a manutenção da unidade familiar. Foram encontrados diversos processos judiciais, em Curitiba, que tinham como argumento comum a proximidade e a memória familiar, bem como a busca da liberdade justificada no arranjo familiar.
Sandro Luis Fernandes, professor de história e sociologia, apresentando a obra "Presença negra em Curitiba"
A autora cita o caso dos irmãos João e Benedito que queriam a liberdade da mãe. Além do caso de Ritta, Vicência e Benedicto. Ritta, visto que o seu proprietário não havia respeitado o fim do período de escravidão, buscou a liberdade e fez vendas irregulares de sua família, solicitou a liberdade com base na ligação familiar.
Com base nisso, considera-se que a alforria partia de escravizados. Bem como famílias eram formas de resistência contra a exploração. E os diversos arranjos familiares ajudaram na conquista da liberdade. E os escravizados formavam famílias, mesmo em pequenos grupos, e usaram isso para conquistar espaço social.
Instrução popular e a escolarização dos negros em Curitiba no período da escravidão, de Noemi Santos da Silva
Apresenta diversos casos de alfabetização em Curitiba. Inicia com o caso de Pedro Antonio Silva que se alfabetizou sozinho e depois passou a ensinar presos em Curitiba. Cita outros casos de instrução, como a iniciativa do presidente da província, bem como do capitão da Guarda Nacional. Além disso, destaca alguns imigrantes com escola noturna, bem como abolicionistas. Nesse período, há intenção antiescravista na alfabetização. Relaciona o processo de escolarização com a abolição. Depois a educação passou para as instituições filantrópicas, religiosas e operárias, como a 13 de Maio e a Protetora dos Operários.
Pela “União dos descendentes da raça africana”: A Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio e os caminhos da presença negra em Curitiba, de Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino, Nei Luiz Moreira de Freitas e Carolina Simões Pacheco
O início da 13 de Maio só é entendido se voltarmos ao início da organização dos negros em Curitiba. E isso se dá pela Irmandade do Rosário dos Pretos de São Benedito que, entre outras coisas, organizava a boa morte para os negros, com enterro e missa. Além disso, tratava das festas sagradas e recursos para assistência médica e espiritual, bem como apoio a escravizados e alforria.
Os autores apontam que entre 1876 e 1893, período da construção da atual Catedral Basílica, o uso da Igreja do Rosário pela elite branca levou à fundação da 13 de Maio.
O abolicionismo também deve ser levado em conta em Curitiba, principalmente a Sociedade Ultimatum. Ela ajudou na fuga de escravos, alforria, alfabetização e teve ligação com a fundação da 13 de Maio.
A Sociedade Protetora dos Operários, fundada em 1893, também levou a trânsito intenso de associados para a 13 de Maio. Pode-se afirmar que esse é o primórdio do sindicalismo e do movimento negro de Curitiba.
A formalização da Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio ocorreu em 06 de junho de 1888. A primeira diretoria, empossada em 24 de junho do mesmo ano, era formada por negros letrados. O presidente era Francisco Vidal, ex-escravizado. Até 1893, havia problemas para manter a sede. Em 1894, houve paralisação das atividades por conta da Revolução Federalista. Em 1895, a procura da sede levou, no ano seguinte, à doação de “terreno devoluto” na Rua Colombo, atual Clotário Portugal. A sede foi inaugurada em 1913.
Experiência política e associativismo negro em Curitiba (1880-1910), de Pamela Beltramin Fabris
Irmandade Rosário dos Homens Pretos de São Benedito (1737) e Bom Jesus dos Perdões (1864), Sociedade Protetora dos Operários (28/01/1883), Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio (03/05/1888 e 06/06/1888).
As irmandades se caracterizavam pela aproximação com a Igreja Católica e uma forma de proteção e ajuda. Já as associações Protetora e 13 de Maio caracterizavam-se pela ajuda mútua. E muitos frequentadores da Sociedade Protetora também faziam parte da 13 de Maio. Ambas levavam a ajuda aos sócios seriamente, porém a 13 de Maio também se apresentava como uma entidade de lazer.
A pesquisadora apresenta alguns sócios de ambas, como o caso de Benedito Marques, fundador da Protetora e idealizador da 13 de Maio. E a participação de Vicente Moreira de Freitas em ambas e da Irmandade de São Benedito. Ele foi presidente da 13 de Maio e participou de diretorias, porém teve mais atuação na Protetora. Durante a greve geral de 1917, era vice-presidente da mesma.
Salienta-se que a 13 de Maio era mais seleta quanto aos sócios visto que o viés africanista fazia parte da sua identidade.
Morrer em Curitiba: um olhar sobre a hierarquização dos sepultamentos (XVIII e XIX), de Clarissa Grassi
Sem dúvida, havia diferenciação entre os diversos tipos de sepultamento em relação à classe social, além, é óbvio, da escravidão. Mesmo nos enterros ad sanctos, próximos ou dentro de igrejas, que ocorreram entre 1731 e 1854.
O primeiro sepultamento de um escravizado na Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, oficialmente registrado em Curitiba, aconteceu em 1783. Porém, na Igreja Matriz, por influência do proprietário, foram enterradas ossadas de um casal de escravizados em 1731.
Em 1818, foi inaugurado o Cemitério Sítio do Mato, no atual bairro Cristo Rei. Era para os bexiguentos e também escravizados. Esse cemitério funcionou até 1866, para pessoas mortas por doenças, e para escravizados até 1887.
Em 1854, quando foi inaugurado o Cemitério São Francisco de Paula e, no ano seguinte, foram proibidos sepultamentos em igrejas e terrenos adjacentes, ampliou-se a hierarquização de escravizados. É claro que isso estava relacionado à influência do proprietário. Exemplar é o ano de 1856, em que houve registro de escravizados enterrados no Sítio do Mato e no Cemitério São Francisco de Paula, evidenciando a interferência do poder dos donos.
Jogando por cidadania: apontamentos sobre a experiência de atletas negros nas primeiras décadas do futebol curitibano (1909-1933), de Jhonatan Uewerton Souza
Em Curitiba, há registros de futebol improvisado a partir de 1906. Nesse período, também houve formação dos primeiros times de futebol com uma certa organização formal. Em 1913, ocorreu a proibição de futebol na rua bem como da prática de capoeiragem. Por conta disso, surgiram agremiações populares para legitimar a prática. Em 1915, uma epidemia de futebol tomou conta da cidade de 50 mil habitantes, com cerca de 20 espaços improvisados. Em 1916, o Britânia Sport Club, com empregados da fábrica de vidros, entrou na Liga Sportiva Paranaense (LSP), com diversos atletas negros, com destaque para Floriano Moura e Zito. E até 1923, esse time foi sete vezes campeão da liga.
Em 1926, há o registro de destaque da presença de negros em times oficiais da Lyga Curitybana de Desportos: Athayde Santos e Moacyr Gonçalves.
IANNI, Octavio. As metamorfoses do escravo. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1962.
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes; SOUZA, Jhonatan Uewerton. (Org.) Paraná insurgente: história e lutas sociais – séculos XVIII ao XXI. São Leopoldo, RS: Casa Leiria, 2018.
NEVES, Marcos Eduardo. Alex, a biografia. São Paulo: Planeta, 2015.
ROCHA, Claudecir de O. Laura Santos e a arte do incontrolável desejo. Cândido, Curitiba: Biblioteca Pública do Paraná, n. 52, nov. 2015. Disponível aqui. Acesso em: 29 maio 2023.
SANTANA, Jorge Luiz. Rompendo barreiras: Enedina, uma mulher singular. 2013. 73f. Monografia (Bacharelado em História) – Departamento de Memória e Imagem do Setor de Ciências Humanas Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013. Disponível aqui. Acesso em: 29 maio 2023.
SANTOS, Brenda Maria L. O. dos et al. Dos traços aos trajetos: a Curitiba negra entre os séculos XIX e XX. Boletim da Casa Romário Martins, Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, v. 37, n. 149, nov. 2019.
STOLL, Sandra Jacqueline et al. Maria Bueno: Santa de Casa. Curitiba: Edição do Autor, 2011.
VANALI, Ana Crhistina; KOMINEK, Andrea Maila Voss; OLIVEIRA, Celso Fernando Claro de (Org.). Para além da placa: outras histórias da negritude em Curitiba. Porto Alegre: Editora Fi, 2020.
VANALI, Ana Crhistina; KOMINEK, Andrea Maila Voss; OLIVEIRA, Celso Fernando Claro de (Org.). Os nomes da placa: a história e as histórias do monumento à colônia afro-brasileira de Curitiba. Curitiba: SESC PR, 2021.
Além de Tudo, Ela – Documentário. Disponível aqui.
Alex Câmera 10: da Turquia ao Brasil. Disponível aqui.
Caldo de Cultura – Sambista Lápis. Disponível aqui.
Lápis de cor e salteado. Disponível aqui.
Descobrindo Waltel. Disponível aqui.
Maé da Cuíca, Vila Tassi e a Bateria Boca Negra. Disponível aqui.
Odelair Rodrigues: conheça a história e a importância da atriz. Disponível aqui.
Perfil: Saul Trumpet. Disponível aqui.
Pra Ver a Umbanda Passar. Disponível aqui.
Sob a Estrela de Salomão – Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio. Disponível aqui.
Um Prólogo Para Odelair Rodrigues. Disponível aqui.
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Presença negra em Curitiba - Instituto Humanitas Unisinos - IHU