16 Fevereiro 2022
O padre togolês Lionel Dofonnou está no Brasil há cinco anos. É responsável pela paróquia Santa Amélia, no bairro Fazendinha, em Curitiba. Como negro, já sofreu na pele preconceito. Para ele, a repercussão do ato pedindo justiça por Moïse, em Curitiba, está se perdendo do fato principal: o motivo do protesto, que era o assassinato de negros e o racismo estrutural que existe no país.
A reportagem é de Frédi Vasconcelos, publicada por Brasil de Fato, 12/02/2022.
"A igreja do Rosário é um dos lugares simbólicos para essa manifestação, para denunciar o racismo no Brasil", diz padre - Foto: Arquivo pessoal
Padre Lionel celebra, todo ano, a missa afro no Dia da Consciência Negra, na Igreja do Rosário, que para ele é simbólica, mas também um ato político.
A entrevista é de Frédi Vasconcelos, publicada por Brasil de Fato, 12-02-2022.
O senhor ficou sabendo do ato contra o racismo em frente à Igreja do Rosário e da polêmica de manifestantes entrarem na igreja. O que acha disso?
Voltei a Curitiba no domingo (6) e, desde segunda-feira (7), comecei a ouvir sobre isso. Existem muitas versões, a de que haveria uma celebração na hora, e a do vereador, de que não, que já havia acabado antes de entrarem. Há vários vídeos circulando, e um que assisti prova que não havia celebração naquele momento.
O vigário da paróquia estava ao lado deles, no altar, quando falavam. Não sou testemunha, porque não estava lá, mas tenho missa hoje à tarde lá (dia 10, na Igreja do Rosário, N.R) e vou perguntar o que aconteceu.
Mas o importante, para mim, era o motivo da manifestação, que acabou sendo esquecido. Estão ficando apenas com o ato de entrar na igreja, que é um direito, a igreja é de todos. Ainda mais com o histórico do que representa essa igreja para o povo negro de Curitiba. A igreja do Rosário é um dos lugares simbólicos para essa manifestação, para denunciar o racismo no Brasil, em particular contra a população negra. O objetivo da manifestação foi esquecido.
Boa parte das críticas é que a igreja é um solo sagrado e não cabem manifestações políticas lá. O senhor compartilha dessa ideia?
Claro que não, a igreja é um lugar sagrado, mas é um lugar também político, porque é um lugar frequentado por seres humanos. É um lugar que deve estar ao lado dos oprimidos, como Jesus ensinou. A igreja é um lugar para o simbólico, mas também de atos, nesse sentido de defender a vida e a luta contra o racismo.
Na Igreja do Rosário costuma-se celebrar a missa afro no Dia da Consciência Negra, um ato religioso, mas também político, para dizer que temos de ver o que está acontecendo no Brasil em relação ao racismo. Não tinha lugar melhor para essa manifestação. Se atrapalhassem a celebração, seria outra coisa, por ser um local sagrado e de fé...
Há quanto tempo o senhor está no Brasil e como vê a situação dos negros?
Estou há quase cinco anos e o que vejo é um racismo velado, estrutural, em várias estruturas: social, econômica e política. O problema é que não se reconhece essa “praga”. O próprio jornal sempre coloca a imagem do negro como bandido, traficante. É um racismo presente nas estruturas da sociedade brasileira.
Esse racismo passa pela representação política?
Sem dúvida, porque muitas pessoas não querem ver o negro lá. Os ignorantes e racistas fazem de tudo para ver o negro só na favela ou no cárcere. Não tenho dúvida de que isso possa estar acontecendo.
Renato Freitas e Carol Dartora são pessoas de luta e resistência nesse campo político da Câmara. Imagino que não deve ser fácil estarem dentro do sistema, como resistência, como luta, como representantes de uma multidão que quer ter voz também.