02 Fevereiro 2022
O economista congolês Dieudonne Kabaka Hompa, que viveu 12 anos como missionário no Brasil, não esconde a indignação diante da notícia do assassinato do jovem Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, espancado até a morte após cobrar pagamento atrasado pelo trabalho prestado em um quiosque na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, na semana passada. Para ele, o Brasil é um país “supostamente de paz” em que seus compatriotas buscam refúgio ante a violência dos conflitos armados e da fome no Congo, mas acabam se encontrando com uma situação também letal que é a guerra do racismo no Brasil.
A reportagem é publicada por RBA, 02-02-2022.
O mesmo preconceito que impede que muitos dos congoleses, mesmo com estudo e documentação, tenham acesso a melhores oportunidades de emprego e sejam obrigados a sobreviver na informalidade ou em condições precárias de trabalho. Ou até que sejam alvos de agressões, como Moïse, detalha o economista à repórter Júlia Pereira, da Rádio Brasil Atual.
“Ele passou anos lá vivo, mas tiraram a vida dele aqui, um país que se diz de paz, sem guerra. Será que não tem guerra mesmo no Brasil? Será que a guerra no Brasil não é uma guerra do racismo, endêmica, que ninguém vê, mas que no pano de fundo existe isso dentro da cultura brasileira? A gente tem que questionar tudo isso”, provoca Dieudonne. “É uma indignação ver um cara trabalhador que foi morto por reclamar o direito dele. Que país estamos hoje? Onde estamos indo? Nisso existe um medo do estrangeiro, do diferente, do negro. Tudo isso são discriminações. Na verdade, é o racismo que está em jogo. A morte desse rapaz deve interpelar a população brasileira.”
A família de Moïse, a comunidade congolesa no Brasil e entidades organizadas do Movimento Negro irão realizar no Rio de Janeiro e em São Paulo atos neste sábado (5) por justiça para o jovem. Na capital fluminense, a manifestação está prevista para as 10h, em frente ao quiosque, na praia da Barra. Já na capital paulista, o protesto ocorrerá no mesmo horário no Masp, na Avenida Paulista.
Moïse trabalhava servindo mesas no quiosque Tropicália, no Posto 8 da praia da Barra. Mas, de acordo com familiares e amigos, ele acabou sendo assassinado, no dia 24 de janeiro, depois de cobrar remuneração atrasada referente a dois dias de trabalho, no valor total de R$ 200. Imagens da câmera de segurança do local, enviadas à imprensa pela Polícia Civil nesta terça (1º), mostram que três homens espancaram até a morte o trabalhador por pelo menos 20 minutos com pauladas e um taco de beisebol. O crime ocorreu enquanto o quiosque operava normalmente, com um atendente no balcão.
Ele foi encontrado pela polícia amarrado e sem vida em uma escada no local. A perícia indicou que Moïse tinha várias “áreas hemorrágicas de contusão” e vestígios de broncoaspiração de sangue. No atestado de óbito foi registrada como causa da morte traumatismo do tórax com contusão pulmonar provocada por ação contundente. Oito dias após o crime, a Justiça do Rio decretou a prisão temporária de três homens apontados como agressores: Aleson Cristiano Fonseca, Fábio Silva e Brendon Alexander Luz da Silva, conhecido como ‘Tota’.
O assassinato de Moïse também foi destaque na imprensa internacional. O jornal estadunidense Washington Post afirma que o caso de Moïse também atrelou o crime ao racismo e ao sentimento anti-imigrante. Integrante da Coalizão Negra por Direitos, Wesley Teixeira observa que o jovem congolês foi mais uma vítima da herança da escravidão. A entidade também assina uma denúncia enviada à ONU sobre o crime.
“Essa notícia soou extremamente triste e desumana. Ela escancara a ferida da escravidão em nosso país que dura até hoje através do racismo e que nos nega condições de trabalho, nos tortura e nos mata. Os refugiados e todos os descendentes de africanos nesse país não são e não foram acolhidos. Era o jovem Moïse que queria só melhores condições de sobrevivência. E, infelizmente, ele foi mais uma vítima do racismo no Brasil. Isso sem dúvida marca e machuca toda a comunidade de refugiados e toda a população negra desse país”, lamenta Teixeira.
Outro destaque negativo é a investigação, que vem poupando o nome do proprietário do quiosque. A família também só soube do assassinato 12 horas após o crime. Para o pesquisador da Rede de Observatórios da Segurança, Pedro Paulo, o caso escancara a forma desumanizada com que é tratado o corpo negro. “Estamos falando que os direitos humanos não valem para essa pessoa. Então isso cria uma potencialidade para que a morte dessa pessoa passe completamente em silêncio de tal forma que demora para a gente e para a própria família saber do caso, que os órgãos são retirados sem a anuência da família. Isso significa desumanização. Temos coisas que acontecem que seriam violações de direitos humanos para todas as outras pessoas, mas que para essa pessoa, por ser preta, não será entendido dessa forma”, critica.
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Economista congolês denuncia guerra do racismo no Brasil. SP e Rio realizam atos por justiça para Moïse - Instituto Humanitas Unisinos - IHU