16 Fevereiro 2022
Um protesto de ativistas negros contra o assassinato de um refugiado congolês no Brasil acabou na ocupação de uma igreja por parte de vários manifestantes no fim de uma missa.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada em Crux, 10-02-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 5 de fevereiro, organizações negras realizaram manifestações em várias cidades brasileiras protestando contra o assassinato de Moïse Kabagambe, um refugiado congolês que foi espancado até a morte em um quiosque de praia no Rio de Janeiro no dia 24 de janeiro, depois de exigir pagamentos atrasados ao seu empresário.
O homicídio de Kabagambe foi visto por muitos no país sul-americano como consequência do racismo sistêmico.
Poucos dias depois, em 2 de fevereiro, outro assassinato indignou ainda mais muitos brasileiros. Durval Teófilo Filho, um trabalhador negro, foi morto a tiros por um vizinho quando se aproximava da entrada do seu condomínio. Aurélio Alves Bezerra, sargento da Marinha, teria atirado em Teófilo por pensar que era um ladrão. Ao perceber que o homem estava desarmado e era seu vizinho, ele o levou para o hospital, mas depois veio a falecer.
A esposa da vítima, assim como muitos ativistas, disseram que ele foi morto porque era negro.
Durante as manifestações do dia 5 de fevereiro, os manifestantes prestaram homenagem a Kabagambe e Teófilo, e exigiram o fim do racismo no Brasil, especialmente da violência contra os negros.
Em Curitiba, Paraná, um grupo de ativistas negros se reuniu em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Bento. A igreja foi construída nos anos 1940 na mesma área de uma igreja anterior, uma construção do século XVIII construída por escravos.
Liderados pelo vereador e ativista negro Renato Freitas, os ativistas carregavam faixas contra o racismo e pediam justiça no caso de Kabagambe.
Quando a escravidão era legal no Brasil, de 1500 até a sua abolição em 1888, africanos e afro-brasileiros geralmente não podiam frequentar a mesma igreja que a classe branca dominante. Muitas vezes, escravos e libertos negros criavam fraternidades católicas, que organizaram a construção de suas próprias igrejas e cemitérios. Algumas dessas fraternidades desempenharam um papel importante na compra da liberdade para os escravos.
Uma matéria publicada pelo jornal de esquerda Brasil de Fato relatou que um diácono pediu que os manifestantes deixassem a área, porque supostamente estavam perturbando os fiéis que estavam saindo da igreja após a missa. Foi quando os manifestantes decidiram entrar na igreja e realizar um protesto simbólico.
Um vídeo do evento mostra Freitas dizendo que “a maioria das igrejas católicas e evangélicas apoiou o mal, apoiou um policial que está no poder e que disse que todos [os suspeitos de crimes] poderiam ser mortos”, em referência ao presidente Jair Bolsonaro, que, na verdade, é um capitão aposentado do Exército. Bolsonaro sempre defendeu políticas de tolerância zero ao crime.
O protesto enfureceu muitas pessoas na Igreja. A Arquidiocese de Curitiba divulgou um comunicado alguns dias depois condenando-o.
“A posição da Arquidiocese de Curitiba é de repúdio ante a profanação injuriosa. Também a Lei e a livre cidadania foram agredidas”, dizia o comunicado.
A declaração enfatizou que as questões raciais no Brasil exigem “muita reflexão e análises honestas, que promovam políticas públicas com vistas a contemplar a igualdade dos direitos de todos”. No entanto, o texto classificou o protesto como um ato de “destempero”.
A atual polarização política no Brasil rapidamente exacerbou a polêmica. Críticas ao protesto cresceram rapidamente entre os apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais digitais. O próprio presidente publicou um comentário sobre o caso no dia 7 de fevereiro.
“Acreditando que tomarão [sic] o poder novamente, a esquerda volta a mostrar sua verdadeira face de ódio e desprezo às tradições do nosso povo”, disse.
“Se esses marginais não respeitam a casa de Deus, um local sagrado, e ofendem a fé de milhões de cristãos, a quem irão respeitar?”, perguntou Bolsonaro.
Movimentos católicos conservadores, como o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira (IPCO) – formado por ex-membros da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade –, denunciaram a manifestação do movimento negro.
“A Igreja Católica simboliza tudo o que a esquerda rejeita e chama de ‘patriarcal e fascista’”, disse Frederico Viotti, membro do IPCO.
Ele lembrou casos recentes de ataques a igrejas durante manifestações no Chile, México e Argentina.
“A Igreja prega tudo o que eles combatem. A esquerda se aproveita da fraqueza dos católicos neste momento. Os católicos têm medo de se defender e de declarar toda a verdade”, disse.
O IPCO organizou um ato de reparação à igreja após o protesto.
Na opinião do teólogo Mario Betiato, que mora em Curitiba, “o racismo sistêmico no Brasil é real e deve ser combatido – e a CNBB aprova essa luta –, mas o método utilizado por aquele grupo não é respaldado pela teologia cristã”.
“Cidadãos razoáveis em todo o Brasil têm protestado contra o discurso de ódio, o que é louvável. No entanto, essa manifestação na igreja sinaliza e reproduz o discurso de ódio”, raciocinou.
Cristina Silveira de Oliveira, que chefia a Pastoral Afro-Brasileira em Curitiba e no Estado do Paraná, disse que foi um protesto legítimo.
“A manifestação defendeu a vida, e é isso que importa. A Igreja precisa ser solidária com as necessidades das pessoas”, disse ela ao Crux.
Oliveira destacou que todas as marchas dos movimentos negros na cidade se reúnem primeiro em frente à Igreja do Rosário.
“É uma grande referência para as pessoas negras de Curitiba. A Igreja precisa estar aberta ao diálogo e defender sempre o direito à vida e à paz”, disse ela.
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Protesto de ativistas negros em igreja divide católicos no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU