30 Abril 2009
Neste 1º de maio, dia do trabalhador, a IHU On-Line entrevista o presidente da Federação dos Metalúrgicos do RS, Milton Viaro, que analisa a situação do trabalho no estado gaúcho a partir da crise financeira mundial. Na conversa, realizada por telefone, Viaro reflete sobre as negociações em torno do emprego e salários feitos no Rio Grande do Sul, como foi a participação dos sindicatos e a influência do governo sobre a crise. Para ele, inclusive, o governo do estado teve atitudes mínimas para resolver as questões provenientes dessa crise.
“Exatamente neste momento de crise, com a falência de uma estratégia que vai invertendo nosso modelo econômico para ser novamente agroexportador, o governo estadual está investindo nesse modelo em crise, ou seja, em algo que fracassou. Investir na produção de celulose, na produção de grãos para exportação, nessa reestruturação que está sendo feita neoliberal de privatização acelerada dos serviços públicos, é um grande equívoco”, disse Viaro.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Diversos tipos de negociações foram feitas para amenizar as consequências da crise financeira para as empresas. Alguma negociação levou em conta a situação dos trabalhadores?
Milton Viaro – Todas as negociações das quais o sindicato dos metalúrgicos do Rio Grande do Sul participou foram no sentido da preservação do emprego. No entanto, em muitas outras as empresas praticaram chantagem com os trabalhadores, ameaçando demiti-los. Você sabe que a perda do emprego é uma das grandes preocupações de qualquer pessoa que vive da sua força de trabalho. Nós não conseguimos saber adequadamente ainda quais eram as empresas que, de fato, estavam com problemas, pois muito se aproveitou da onda da crise internacional com milhares de demissões acontecendo no mundo todo.
Outra questão: alguns dos acordos levaram em consideração a devolução do dos valores descontados em função da redução da jornada e salário. Evidentemente, nem todas essas negociações acontecem com equilíbrio de força entre os trabalhadores e empresários. Este momento foi de grande desvantagem para os trabalhadores tendo em vista a ameaça da demissão.
IHU On-Line – Quais os riscos decorrentes desta crise para o trabalhador?
Milton Viaro – Ela é uma crise do sistema capitalista. A erupção da crise aconteceu justamente no momento do ajuste que o próprio sistema capitalista vai fazer e já vem fazendo para superar a sua crise. Evidentemente, o capitalismo não existe se não houver o trabalho e a apropriação por parte dos capitalistas da força da classe trabalhadora. Então, as consequências devem trazer, no período de ajuste, para cima dos trabalhadores, muita exploração. Os níveis de desemprego estão aumentando no mundo todo. Além disso, a classe patronal está tentando tirar os direitos dos trabalhadores. Eles querem retirar ganho da classe trabalhadora e transferir isso para a margem de lucros. Então, evidentemente, esta é uma saída para a crise.
A outra, se levarmos em consideração que, para o processo de desenvolvimento continuar, é colocar no centro dessa crise os interesses da sociedade e do povo brasileiro. Se levarmos em conta os interesses dos trabalhadores, podemos sair dessa crise numa situação muito melhor. Está sendo apontado que a saída para essa crise depende muito das atitudes internas do Brasil, portanto economia e mercado interno, e também que o salto de qualidade que já foi dado na produção já nos permite reduzir jornada de trabalho no mínimo para 36 horas semanais. Isso significa um ganho para a sociedade em termos de qualidade de vida, de tempo de vida, de convivência familiar, de convívio social. Se essas soluções forem dadas para a crise, poderemos dar um salto para frente, no sentido de pensar as necessidades das pessoas. É uma disputa, compreende? A crise coloca em disputa essas possibilidades.
IHU On-Line – É possível corrigir o modelo econômico? De que forma?
Milton Viaro – Sem dúvida alguma. O Brasil experimentou até agora somente dois modelos econômicos. O primeiro foi agroexportador. De 1500 até 1930, o Brasil experimentou o modelo de produção agropecuária e exportação e a partir daí se desenvolvia a economia. Depois desse modelo, veio o modelo industrial, que se incorporou, numa primeira fase, ao modelo de desenvolvimento da atividade econômica e da sociedade como um todo. O país se tornou a oitava economia do mundo na década de 1950 e, depois, ingressou num modelo econômico dependente, atrelado às grandes multinacionais (principalmente do setor automotivo). Assim, começou uma regressão, e hoje o Brasil está numa encruzilhada diante da ameaça de um novo retrocesso. Agora, ele precisa assumir o debate sobre as condições para termos um desenvolvimento econômico que sirva aos interesses econômicos da sociedade.
IHU On-Line – Como está a crise nesse momento? Quais as perspectivas de produção a partir de agora?
Milton Viaro – Até agora, as medidas que estão sendo tomadas são bastante paliativas. Com essas medidas, o setor automotivo retomou vendas e produção. As atividades desse setor foram retomadas, mas basicamente em cima da isenção das taxas de IPI, o que não dá fôlego para pensarmos na saída para a crise. A crise nos coloca o desafio de uma coisa um pouco mais profunda. Não basta só produzir e vender; isso atende às necessidades das taxas de lucro e dos ganhos empresariais. Me parece que devemos, na saída dessa crise, observar a natureza e o meio ambiente, ou seja, observar o que estamos produzindo. Assim, poderemos descobrir qual é efetiva necessidade da sociedade e o que precisamos produzir para consumo, além de quais são as principais necessidades da população. O programa de construção de um milhão de moradias tem como perspectiva atender uma demanda fundamental da sociedade, podendo gerar emprego e distribuição de renda. A sociedade pode sair ganhando desse processo. O nosso grande problema não é mais a produção da riqueza. Temos meios de produção hoje em condições de produzir tudo o que é necessário para os 180 milhões de brasileiros. A grande questão é a distribuição dessa riqueza produzida e avançar no bem-estar da sociedade. Essa é a grande perspectiva.
IHU On-Line – Gerdau, Ferrabraz e Randon procuraram os sindicatos para negociar. Qual é a situação dessas empresas e dos trabalhadores que fazem parte dos seus quadros de funcionários?
Milton Viaro – Foram medidas paliativas. Uma dessas empresas está ligada ao setor da construção civil que tende a se aquecer. Os problemas do grupo Gerdau não estão só aí. A empresa cresceu enormemente com a especulação financeira. Por isso, a Gerdau passa por uma crise lenta. É uma crise de taxas de lucro que foram acumuladas na especulação financeira, ou seja, não está na produção. Então, a possibilidade de crise está muito mais na gerência do que no seu processo de produção. A crise não está na nossa esfera!
IHU On-Line – Qual é a situação do trabalho no Rio Grande do Sul diante das medidas tomadas pelo governo do estado?
Milton Viaro – O governo gaúcho praticamente tem sido nulo e não tem tomado iniciativas no sentido de trabalhar, mesmo que de forma emergencial, em alguns setores. E acho que o governo do estado está na contramão. Exatamente neste momento de crise, com a falência de uma estratégia que vai invertendo nosso modelo econômico para ser novamente agroexportador, o governo estadual está investindo nesse modelo em crise, em algo que fracassou. Investir na produção de celulose, na produção de grãos para exportação, nessa reestruturação que está sendo feita neoliberal de privatização acelerada dos serviços públicos, é um grande equívoco. O governo não faz nada e, ao mesmo tempo, está andando na contramão.
O governo só tem um plano: a continuidade do governo neoliberal, de exclusão, de levar em consideração o interesse de grupos econômicos internacionais. Ele só tem esse plano. A base de sustentação desse governo já se movimenta (e para mais de uma direção) e, desta forma, já busca alternativas, pensando nas próximas eleições.
IHU On-Line – E como o senhor vê o ajuste fiscal feito pelo governo gaúcho?
Milton Viaro – Essa foi uma ficção criada, pois o desajuste fiscal existe em todas as unidades de todas as esferas da República brasileira. O problema do estado está no endividamento e nas renegociações. Assim, a governadora acaba de tomar mais um empréstimo de um milhão, o que coloca o estado numa perspectiva não só de simples devedor, mas de devedor internacional, com cláusulas de imposições do Banco Mundial. As medidas tomadas foram somente para implantação e aprofundamento do modelo neoliberal com a desculpa de fazer o ajuste. Penso que o papel do governo é induzir a economia, fazer a centralização de recursos para fazer a distribuição com justiça social, além de realizar investimentos e cuidar dos serviços que a sociedade precisa. Tudo isso antes do ajuste fiscal, porque o estado não é uma empresa.
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"O governo gáucho está andando na contramão’. Entrevista especial com Milton Viaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU