RS: 45% da população perdeu metade da renda com a pandemia. Entrevista especial com Fernando Ferrari Filho

“As perspectivas para a economia brasileira para 2022 são de um crescimento ao redor de 1,5%, voltando, assim, à situação de estagnação que se encontrava antes da pandemia”, projeta o economista

Foto: Leonardo Contursi | Câmara Municpal de Porto Alegre

Por: João Vitor Santos | Edição: Patricia Fachin | 24 Setembro 2021



Os dados revelados pela pesquisa encomendada pela Assembleia Legislativa, de que 45% dos gaúchos perderam metade da renda na pandemia, já eram esperados, segundo o economista Fernando Ferrari Filho. De acordo com ele, a situação da população gaúcha não é muito diferente da do restante do país. "Com a pandemia, que afetou não somente a demanda, mas, principalmente, a oferta devido ao lockdown, era esperada uma queda substancial da renda da sociedade gaúcha, seja porque a taxa de desemprego aumentou (atualmente ela se encontra acima dos 14,0%, em nível nacional, e próxima a 9,0% no Rio Grande do Sul), seja porque o endividamento das famílias e das firmas cresceu expressivamente". Nesse sentido, reitera, "o crescimento da desigualdade tanto da renda, quanto da riqueza dos gaúchos, ao longo da pandemia, era outro aspecto esperado".

 

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para o Instituto Humanitas Unisinos - IHU, o economista explica que a economia gaúcha também "é muito dependente do setor do agronegócio que, por sua vez, depende dos preços das commodities internacionais e da demanda externa". Além disso, acrescenta, "tanto alguns períodos de estiagem, quanto a combalida situação fiscal do governo estadual, acabaram contribuindo para a queda da renda da sociedade gaúcha".

 

Neste cenário de crescimento das desigualdades, do desemprego e da perda de renda, sublinha, “não se pode prescindir de gastos governamentais para mitigar o impacto da pandemia na economia”. “Tanto em nível federal, quanto no Rio Grande do Sul, a necessidade de se implementar uma agenda econômica que não seja pautada pela lógica da 'austeridade fiscal expansionista' é fundamental para a reversão da crise econômica. (...) Renda mínima universal, sem dúvida alguma, é o meio para não somente proteger a população excluída socialmente, mas para gerar um efeito multiplicador de renda na maioria dos municípios brasileiros.”

 

O economista também comenta a situação fiscal do Estado do Rio Grande do Sul e as perspectivas para o próximo ano. “As contas públicas do Rio Grande do Sul melhoraram no último ano devido aos seguintes fatores: reestruturação das alíquotas de ICMS, programas de privatizações e concessões e redução dos gastos públicos. Há, todavia, limites para o equilíbrio intertemporal das contas públicas, pois em 2022 as alíquotas de ICMS voltarão para os níveis anteriores, a reforma patrimonial necessita do aval da Assembleia Legislativa e os gastos públicos não podem ser reduzidos recorrentemente. Ajuste fiscal é importante, mas ele não pode ser feito através única e exclusivamente da austeridade fiscal. Obviamente, o ajuste fiscal ideal é o que decorre do aumento da arrecadação face ao crescimento dinâmico e sustentável da atividade econômica”, argumenta.

 

Fernando Ferrari Filho (Foto: UFRGS)

Fernando Ferrari Filho é graduado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, doutor em Economia pela Universidade de São Paulo - USP, e pós-doutor pela University of Tennessee System. Atualmente, é professor titular da UFRGS.

Ele publicou, nos Cadernos IHU ideias n.º 37, o artigo “As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes”. O texto está disponível aqui

 

Confira a entrevista.

 

IHU - Pesquisa encomendada pela Assembleia Legislativa aponta que 45% dos gaúchos perderam metade da renda com a pandemia. Como o senhor analisa esse cenário e de que forma vê o estado no contexto nacional?

Fernando Ferrari Filho - Com a pandemia, que afetou não somente a demanda, mas, principalmente, a oferta devido ao lockdown, era esperada uma queda substancial da renda da sociedade gaúcha, seja porque a taxa de desemprego aumentou (atualmente ela se encontra acima dos 14,0%, em nível nacional, e próxima a 9,0% no Rio Grande do Sul), seja porque o endividamento das famílias e das firmas cresceu expressivamente. A situação do Rio Grande do Sul não é muito diferente do cenário nacional, principalmente porque no ano passado o PIB gaúcho teve uma queda de 7,0%, acima da queda do PIB brasileiro, que foi de 4,1%.

 

 

IHU - Essa degradação da renda, especialmente no Rio Grande do Sul, é associada à pandemia, mas há fatores que já vinham corroendo os rendimentos antes da Covid-19? Se sim, quais? Se não, gostaria que justificasse essa sua posição.

Fernando Ferrari Filho - A economia gaúcha é muito dependente do setor do agronegócio que, por sua vez, depende dos preços das commodities internacionais e da demanda externa. Como a dinâmica econômica internacional desde a crise do subprime de 2007-2008 tem sido à la stop-and-go, cujas consequências são a volatilidade dos referidos preços e as oscilações da demanda externa, a performance do agronegócio gaúcho acaba sendo comprometida. Ademais, tanto alguns períodos de estiagem, quanto a combalida situação fiscal do governo estadual, acabaram contribuindo para a queda da renda da sociedade gaúcha.

 

 

IHU - Que outro aspecto da pesquisa o senhor considera importante destacar?

Fernando Ferrari Filho - O crescimento da desigualdade tanto da renda, quanto da riqueza dos gaúchos, ao longo da pandemia, era outro aspecto esperado. Os programas sociais implementados principalmente pelo governo federal mitigaram o impacto da Covid-19 na economia, mas a letargia da implementação acabou sendo problemática.

 

 

IHU - O Brasil, ainda antes da pandemia, vinha sofrendo uma série de desmontes em políticas e programas de assistência social. Como observa os movimentos do Rio Grande do Sul em específico? E quais os impactos desses desmontes num quadro de perda de trabalho e renda como temos vivido?

Fernando Ferrari Filho - Desde 2015 os governos federais, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro, têm adotado políticas de austeridades fiscal e monetária e reduzido a ação intervencionista do Estado, enquanto regulador e estabilizador, na economia brasileira. Por exemplo, a adoção do novo regime fiscal (mais conhecido como "teto dos gastos"), em 2016, reduziu os recursos para os programas sociais e os investimentos públicos voltados para políticas públicas. Em um contexto de elevado desemprego, perda de renda da sociedade, entre outros problemas, não se pode prescindir de gastos governamentais para mitigar o impacto da pandemia na economia. No Rio Grande do Sul, assim como em outros estados da Federação, como são muito limitadas as ações de políticas econômicas contracíclicas em termos fiscais - diga-se de passagem, as de natureza monetárias e creditícias ocorrem somente no âmbito da União -, as dificuldades econômicas recrudescem.

 

 

IHU - Fala-se que o Brasil é o país das desigualdades, mas como essas desigualdades se revelam no Rio Grande do Sul?

Fernando Ferrari Filho - A distribuição de renda melhorou no início dos anos 2000 devido, principalmente, aos programas sociais e à elevação, em termos reais, do salário mínimo. A crise do subprime e os desdobramentos dela, bem como a mudança da agenda econômica a partir de 2015, fizeram com que a desigualdade da renda voltasse a crescer. Como a situação fiscal do Rio Grande do Sul há muito tempo é preocupante e não permite a realização de investimentos públicos em programas sociais e em infraestrutura, o contexto econômico-social acaba se deteriorando.

 

 

IHU - Quais os desafios para a superação dessa perda de trabalho e renda no Rio Grande do Sul?

Fernando Ferrari Filho - Tanto em nível federal, quanto no Rio Grande do Sul, a necessidade de se implementar uma agenda econômica que não seja pautada pela lógica da "austeridade fiscal expansionista" - situação em que, teoricamente, o ajuste fiscal, a redução do tamanho do Estado na economia e as reformas estruturais liberalizantes, ao "sinalizarem" para os agentes econômicos o equilíbrio intertemporal das contas públicas, acabam induzindo os investimentos privados, nacionais e internacionais - é fundamental para a reversão da crise econômica. As últimas crises internacionais - subprime e Covid-19 - nos mostraram que a ação do Estado na economia é essencial para dinamizar a atividade econômica. Mais especificamente, o Estado deve ser essencialmente regulador e estabilizador da atividade econômica. Em suma, uma agenda econômica em que Estado e Mercado tenham uma ativa e dinâmica sinergia é imprescindível.

 

 

IHU - Em que medida uma renda básica universal pode ser um caminho para proteger a população em momentos de crises como este?

Fernando Ferrari Filho - Renda mínima universal, sem dúvida alguma, é o meio para não somente proteger a população excluída socialmente, mas para gerar um efeito multiplicador de renda na maioria dos municípios brasileiros. Ademais, programas de renda mínima universal, tais como o Bolsa Família, têm baixo custo, proporcionalmente ao PIB, e geram um importante impacto social.

 

 

IHU - O atual governo gaúcho tem destacado feitos como saneamento das contas públicas, especialmente a retomada do pagamento em dia dos salários dos servidores. Quais os avanços e os limites da política econômica empregada no Rio Grande do Sul?

Fernando Ferrari Filho - As contas públicas do Rio Grande do Sul melhoraram no último ano devido aos seguintes fatores: reestruturação das alíquotas de ICMS, programas de privatizações e concessões e redução dos gastos públicos. Há, todavia, limites para o equilíbrio intertemporal das contas públicas, pois em 2022 as alíquotas de ICMS voltarão para os níveis anteriores, a reforma patrimonial necessita do aval da Assembleia Legislativa e os gastos públicos não podem ser reduzidos recorrentemente. Ajuste fiscal é importante, mas ele não pode ser feito através única e exclusivamente da austeridade fiscal. Obviamente, o ajuste fiscal ideal é o que decorre do aumento da arrecadação face ao crescimento dinâmico e sustentável da atividade econômica.

 

 

IHU - Que Brasil e que Rio Grande do Sul o senhor vê em 2022?

Fernando Ferrari Filho - As perspectivas para a economia brasileira em 2022 são de um crescimento ao redor de 1,5%, voltando, assim, à situação de estagnação que se encontrava antes da pandemia. Por que tal perspectiva? Porque não há uma sinalização, por parte do governo federal, de mudança da agenda econômica de "austeridade fiscal expansionista". Em nível estadual, as perspectivas de crescimento da economia gaúcha continuarão dependendo da performance do setor de agronegócios que, por sua vez, depende de um cenário internacional favorável.

 

 

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