24 Junho 2021
"Na situação atual, o Brasil pode ficar preso na chamada 'armadilha da renda média’, o que significa o fim do sonho de uma nação próspera e justa para todos os brasileiros", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 23-06-2021.
O ano de 2021 começou com três em cada dez lares brasileiros vivendo sem nenhuma renda obtida através do trabalho, segundo estudo de Sandro Sacchet de Carvalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em 16/06/2021, com base nos resultados da PNAD Contínua do primeiro trimestre de 2021. O texto diz:
“Outro importante efeito da pandemia foi o aumento da proporção de domicílios sem renda do trabalho devido à pandemia, que saltou de 25% no primeiro trimestre de 2020 para 31,5% no segundo. A proporção de domicílios sem renda do trabalho manteve-se ainda em 29,3% no primeiro trimestre de 2021, reforçando como tem sido lenta a recuperação do nível de ocupação entre as famílias de renda mais baixa aos patamares anteriores à pandemia. Houve também um aumento da proporção de domicílios na faixa de renda mais baixa e uma diminuição da proporção nas demais faixas. Detecta-se a queda generalizada dos rendimentos domiciliares efetivos, mas que, assim como a renda habitual, o desempenho foi pior na faixa de renda alta” (pp 1 e 2).
A tabela abaixo, apresentada no referido estudo (p. 17), mostra que 52% dos domicílios brasileiros não tinham renda proveniente do trabalho (23,5%) ou tinham renda muito baixa (28,5%).
(Foto: EcoDebate)
De fato, os dados da PNAD Contínua Trimestral, divulgados pelo IBGE no dia 27 de maio de 2021, mostram um quadro dramático. A taxa de desemprego aberto (pessoas fora do mercado de trabalho e que estavam procurando emprego) atingiu o máximo da série histórica do IBGE, iniciada em 2012, marcando 14,7%, o que representa o recorde de 14,8 milhões de desempregados. A taxa composta de subutilização da força de trabalho (que mede o percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial) que estava em 15,5% no 1º trimestre de 2014 e em 24,4% no 1º trimestre de 2020, saltou para o recorde de 29,7% no 1º trimestre de 2021, representando o desperdício do potencial de trabalho de 33,2 milhões de pessoas.
O desemprego e a subutilização da força de trabalho neste momento histórico é uma verdadeira catástrofe, pois estamos em um instante singular da história brasileira, um momento que só acontece uma única vez na história de qualquer nação. É quando a proporção de pessoas em idade ativa está em seu ponto máximo e a proporção de pessoas em idade não produtiva ou menos produtiva (crianças e idosos) está em seu ponto mínimo. Conhecido como “bônus demográfico” este acontecimento especial é aquele evento indispensável para a decolagem do desenvolvimento socioeconômico de qualquer país. Não existe nenhuma nação com altíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que não tenha aproveitado as oportunidades de uma baixa razão de dependência demográfica.
Esta nova configuração demográfica exigiria que as políticas econômicas e sociais se adaptem à nova realidade populacional, fortalecendo as políticas de educação e emprego. Infelizmente a crise econômica que começou em 2014 já estava fazendo o Brasil desperdiçar este momento histórico e que é fundamental para qualquer nação que queira dar um salto de qualidade de vida para a sua população.
Para entender as origens do conceito de bônus demográfico e tentar reconstruir a conjuntura que permitiu a aceitação do conceito no Brasil, os mecanismos que viabilizaram a sua difusão na sociedade brasileira e o debate sobre o seu término, ver o texto “Bônus demográfico no Brasil: do nascimento tardio à morte precoce pela Covid-19” (Alves, ago/2020). Também realizamos um debate nas Terças Demográficas junto com Alberto Carlos Almeida e Samuel Pessoa (01/06/2021) que pode ser acessado no link abaixo nas referências.
Mas com toda a crise econômica e no mercado de trabalho que acontece depois da crise de 2014-2016 e agora com todo o impacto do coronavírus, o desafio de aproveitar os momentos favoráveis da estrutura etária parece um sonho que virou pesadelo. Assim, se nada for feito para reverter a crise econômica e social brasileira – que já persiste desde a penúltima eleição presidencial – a pandemia da covid-19 poderá ser a pá de cal no sonho de se aproveitar o “bônus demográfico”, implementar a bandeira do “Pleno emprego e trabalho decente” e efetivar a meta do fim da pobreza e o objetivo da plena equidade social.
Na situação atual, o Brasil pode ficar preso na chamada “armadilha da renda média", o que significa o fim do sonho de uma nação próspera e justa para todos os brasileiros.
O 1º bônus demográfico – que depende dos momentos favoráveis da estrutura etária – é temporário e tende a perder todos os efeitos nos próximos 15 anos. Mas existe o 2º bônus e o 3º bônus demográfico, também conhecido como “bônus grisalho” (Alves, 17/06/2021). Todos os bônus demográficos dependem de uma maior inserção produtiva da população brasileira e também de maiores níveis educacionais e de saúde.
O Brasil, para se tornar um “país do futuro” (com bem-estar e justiça social) precisa aproveitar o potencial produtivo da nação e não pode continuar jogando fora as suas janelas de oportunidade.
ALVES, JED. Bônus demográfico no Brasil: do nascimento tardio à morte precoce pela Covid-19, R. bras. Est. Pop., v.37, 1-18, e0120, 2020. Disponível aqui.
ALVES, JED. O terceiro bônus demográfico e o mercado de trabalho para idosos, Portal do Envelhecimento, 17/06/2021. Disponível aqui.
Sandro Sacchet de Carvalho. Retrato dos rendimentos e horas trabalhadas durante a pandemia – resultados da PNAD Contínua do primeiro trimestre de 2021, Carta de Conjunturas, n. 51, IPEA, 16/06/2021. Disponível aqui.
Côrte, Beltrina, Alves, JED, Bokany, Vilma. O Envelhecimento Populacional no Contexto da Pandemia, Portal do Envelhecimento, 08/05/2021. Disponível aqui.
ALVES, JED, PESSOA, S, ALMEIDA, AC. Terças Demográficas: Pandemia e Bônus Demográfico, 01/06/21. Disponível aqui.
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Desperdício do bônus demográfico: 30% das famílias brasileiras sem renda do trabalho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU