19 Setembro 2024
"Afinal, na carta Fratelli Tutti, ele já indicava e pedia uma fraternidade que não se limitasse aos cristãos (como era a visão tradicional da igreja), mas a todos, a todos! E é exatamente por isso que a primeira qualidade da igreja é ser uma casa, um lugar de acolhida, não para aumentar o número de convertidos, mas para oferecer uma humanidade reconciliada com aquele Senhor Deus em quem alguns acreditam", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado em La Repubblica, 16-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa Francisco sabe que é tarefa da Igreja levar o eu-anghélion, a boa notícia, a todos os lugares, até mesmo “às ilhas mais distantes que estão esperando por uma boa esperança”. Depois de mais de dez anos de pontificado, entendemos qual é a principal tarefa que esse papa assimile: evangelizar Deus, ou seja, fazer de Deus uma boa notícia para os povos que acreditam nele, mas são tentadas a venerá-lo como um “Deus conosco” e “contra os outros”, como um Deus que leva à guerra e inspira o terrorismo. Uma tentação da qual nem mesmo os cristãos estão isentos: basta ler o que está acontecendo na Ucrânia entre os ortodoxos e entre ortodoxos e greco-católicos, sempre prontos a fazer reivindicações. A obra de Francisco tem essa amplitude de horizontes que nossos católicos nem sempre conseguem entender.
Esse homem completou uma longa e estafante viagem às periferias do mundo: ilhas distantes, a Indonésia, onde vive a maior população muçulmana. Ele foi até aquelas terras para fazer uma aliança de paz que assinou com o Grande Imã Nasaruddin Umar, da Mesquita Istiqlal em Jacarta: que haja harmonia religiosa, paz entre as religiões para o bem de toda a humanidade. Sim, na visão do Papa, o horizonte é toda a humanidade, não apenas a Igreja!
Nessa viagem, o papa não falou explicitamente de Cristo às pessoas, mas toda vez que anunciou justiça, paz, reconciliação e perdão, ele simplesmente repetiu, sem nunca a nomear, a mensagem de Cristo, seu Senhor. Afinal, na carta Fratelli Tutti, ele já indicava e pedia uma fraternidade que não se limitasse aos cristãos (como era a visão tradicional da igreja), mas a todos, a todos!
E é exatamente por isso que a primeira qualidade da igreja é ser uma casa, um lugar de acolhida, não para aumentar o número de convertidos, mas para oferecer uma humanidade reconciliada com aquele Senhor Deus em quem alguns acreditam. E o Papa insistiu mais uma vez na sabedoria multicolorida de Deus, que não quer a uniformidade, mas a diferença das culturas, e repetiu que as diferenças são uma riqueza, aliás, o verdadeiro tesouro para a Indonésia, mas não devem se tornar motivo de conflito!
É por isso que ele incluiu em seu discurso uma reflexão sobre o túnel que conecta em Jacarta a mesquita Istiqlal, a maior do Sudeste Asiático, e a catedral católica, uma em frente à outra: “É o ‘Túnel da Amizade’, um lugar de diálogo e encontro! É por isso que não há escuridão, mas luz, porque é iluminado pela amizade daqueles cidadãos que se cruzam com outros cidadãos de diferente confissão e crença e se curvam com amizade”.
Mas essa ação pastoral de Francisco incomoda, é pouco sentida e também é contestada por aqueles que o lembram de que sua função é a pregação do Evangelho feita de maneira aberta, sim, mas sem a obsessão do diálogo. E isso significará uma rejeição porque o Evangelho escandaliza e, por enquanto, ai daqueles que evangelizam Deus! Jesus já foi condenado por ter feito isso. E será assim de novo e sempre...
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A riqueza das diferenças. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU