17 Setembro 2024
"Voltando a Roma, nosso octogenário determinado e pimpão viajou quase 39.000 quilômetros em um período de treze dias; mais do que a maioria da população mundial percorre em uma vida inteira", escreve Umberto Manni, jornalista, em artigo publicado por Il manifesto, 15-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A viagem do Papa Francisco ao Oriente passou por quatro países, Indonésia, Papua Nova Guiné, Timor Leste e Singapura, se aproximando também das Filipinas e das Malásia. Essa é a segunda viagem à Ásia de seu papado e já havia sido anunciada há algum tempo. A expectativa vinha crescendo nos últimos meses, devido à insistência de Bergoglio em determinados temas, direitos civis e democracia, empenho por um desenvolvimento sustentável, inteligência artificial, migrantes; e devido à perigosa conjuntura internacional, duas guerras em andamento na Europa e no lado oriental do Mediterrâneo, então o tema da paz entre os povos, o risco de conflito mundial, até mesmo nuclear, a condenação da indústria bélica dos “mercadores da morte”. Todos pontos que seriam relevantes para os países a serem visitados.
Primeira etapa, Jacarta, em 3 de setembro, com o encontro com os fiéis de Santo Egídio e o encontro inter-religioso na Grande Mesquita, depois outros compromissos até o dia 6, quando foi para a vizinha Papua Nova Guiné. Grande Missa em Porto Moresby, encontros institucionais e com os fiéis. Na segunda-feira, dia 9, desembarca na ex-colônia portuguesa do Timor Leste, fortemente católica, com ovação de multidão na capital Dili.
Na quinta-feira, dia 12, partida para Singapura, a cidade-estado futurista bonita, limpa, organizada e eficiente, mas mal suportada por boa parte da população pelo estilo oligárquico do partido governante, que entrelaça ação de governo com negócios; pela corrupção; pela falta de liberdade, inclusive a concedida à mídia. Bergoglio se debruça sobre tudo isso. Depois de elogiar os grandes sucessos feitos em Singapura, uma das capitais econômicas do mundo, lança uma advertência sobre os direitos civis. Acima de tudo, profere palavras de apoio aos muitos imigrantes, mão-de-obra de obras luxuosas que não desfrutarão dos benefícios do desenvolvimento. Isso “não é justo”, frisa o Papa.
Em Java, a ilha mais populosa do arquipélago indonésio, fica Borobudur, surpreendentemente o maior templo budista do mundo. Ou seja, se ergue em um país com uma população predominantemente islâmica, não muito longe da cidade de Yogjakarta, sede do sultão. Patrimônio Mundial da Unesco, foi construído antes do assentamento dos comerciantes árabes que introduziram o islamismo no arquipélago a partir do século XIV. Como construção, é comparável às pirâmides egípcias.
Outra observação importante diz respeito ao terrorismo, e Bergoglio insistiu nesse tema. Ele citou o atentado em Bali, em 12 de outubro de 2002, na área turística de Kuta. Uma ou mais bombas foram detonadas em um carro de grande cilindrada na área das famosas casas noturnas da rua Legian. Houve 202 mortes. Ainda sobre a Indonésia. Duzentos e setenta milhões de pessoas vivem ali, é o quarto país mais populoso do mundo, mas está em primeiro lugar no número de praticantes da fé islâmica.
Na capital Jacarta, o trânsito é caótico. Às vezes, há enchentes que só diminuem depois de vários dias.
Em 1989, eu estava na região para fazer uma reportagem do Vietnã para il manifesto e a redação aproveitou a oportunidade, pedindo-me uma reportagem sobre a visita de Karol Wojtila à Indonésia na época. Por fim, é importante lembrar o que é Panchasila. Foi adotado por alguns políticos, como o presidente Sukarno, para a elaboração da constituição indonésia em 1945. Compreende cinco princípios considerados inseparáveis e interdependentes sobre os quais o governo indonésio se fundamenta:
- fé no Deus único
- justiça e civilização humana
- unidade da Indonésia
- democracia guiada pela sabedoria interior da unanimidade derivada das deliberações dos representantes
- justiça social para todo o povo indonésio.
Na realidade, a história da jovem república alterna períodos de paz social com episódios ou até mesmo períodos de violência. O mais grave deles ocorreu em 1966, quando meio milhão, alguns dizem que até um milhão, de indonésios foram massacrados por soldados e policiais pró-Suharto. Este último, o segundo presidente da Indonésia, chegou ao poder em 1967 por meio de um golpe de Estado perpetrado contra Sukarno. Os anos de governo de Suharto foram marcados por forte repressão.
Na sexta-feira, 6 de setembro, o avião pontifício decolou do solo indonésio para entrar em Papua Nova Guiné. O nome verdadeiro desse território é Asmat, mas ninguém mais o usa, o que soa pouco generoso com uma cultura conhecida pelos mais refinados colecionadores de arte étnica antiga do mundo.
Francisco aterrissou na capital Porto Morsbery, onde leu um discurso no qual elogiou o impulso dos ancestrais da atual população de Papua, ou também Asmat, embora alguns deles, talvez muitos, fossem caçadores de cabeças. Convidou ao respeito pelo meio ambiente, pois as florestas estão encolhendo em um ritmo insustentável devido ao corte das cobiçadas espécies locais destinadas aos países consumidores, especialmente os mais ricos. Ele também advertiu esses países, o mercado e as finanças internacionais para que adotem novas regras de mercado, com preços mais justos para os produtores. No caminho de volta para a Itália, a habitual coletiva de imprensa no avião, com as perguntas e respostas de sempre. Ou quase. A manchete é a tomada de “equidistância” dos dois candidatos nas próximas eleições americanas: Kamala Harris é pró-aborto, Donald Trump é antimigrantes. Ambos, Bergoglio vai direto ao ponto, são “contra a vida”.
Voltando a Roma, nosso octogenário determinado e pimpão viajou quase 39.000 quilômetros em um período de treze dias; mais do que a maioria da população mundial percorre em uma vida inteira.
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Papa Francisco do Oriente. Artigo de Umberto Manni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU