02 Setembro 2024
Os conflitos armados não devastam apenas vidas e territórios, também têm impacto nas mudanças climáticas. Todos os exércitos do mundo já formam o quarto país mais poluente do planeta.
A reportagem é de Eduardo Martínez de la Fe, publicada por Levante-EMV, 29-08-2024. A tradução é do Cepat.
O setor militar global está posicionado como um dos maiores emissores institucionais de gases do efeito estufa. Segundo um relatório elaborado por Scientists for Global Responsibility e The Conflict and Environment Observatory, as forças armadas do mundo foram responsáveis por aproximadamente 5,5% das emissões globais de gases do efeito estufa em 2022.
Para se ter uma ideia, isso significa que se todas as forças armadas do mundo fossem um só país, ocupariam o quarto lugar, superando inclusive Rússia.
O conflito na Ucrânia oferece um exemplo concreto de como a guerra afeta o clima. Um relatório intitulado Climate Damage Caused By Russia's War in Ukraine estabeleceu que o dano climático total provocado pela Rússia em dois anos de invasão em grande escala da Ucrânia chega a 32 bilhões de dólares. Estes dados provêm da avaliação atualizada da Iniciativa de Contabilidade de Gases do Efeito Estufa da Guerra (IGGAW).
Segundo o estudo, 120 milhões de toneladas de dióxido de carbono foram emitidas durante os primeiros 12 meses da invasão russa em grande escala na Ucrânia. No entanto, nos 24 meses transcorridos desde a invasão, as emissões aumentaram significativamente para 175 milhões de toneladas de dióxido de carbono.
Os números superam as emissões anuais de um país altamente industrializado como os Países Baixos, que coloca em circulação 90 milhões de novos carros a gasolina e constrói 260 unidades de energia a carvão de 200 MW cada.
Nos primeiros meses da guerra, a maior parte das emissões foi provocada pela destruição generalizada de infraestruturas civis, tornando necessária uma extensa reconstrução após os ataques. Após dois anos de guerra, a equipe de pesquisa afirma que a maior parte das emissões provém de uma combinação de guerra, incêndios florestais e danos à infraestrutura energética.
Além disso, a produção e o uso de armamento, de munições a veículos militares, contribuem substancialmente para as emissões. De acordo com o estudo acima mencionado, cerca de 32% das emissões relacionadas à guerra são causadas pela reconstrução e 29% por ações bélicas diretas.
O conflito em Gaza também foi objeto de análise climática. Segundo um estudo publicado em janeiro passado na revista Social Science Research Network, as emissões projetadas para os primeiros 60 dias da guerra entre Israel e Gaza foram superiores às emissões anuais de 20 países e territórios individuais.
No total, os pesquisadores estimaram as emissões nesse período em 281.000 toneladas de CO2 equivalentes (tCO2e), medida que é calculada multiplicando os dados das atividades (quantidade) por fatores de emissão.
A maior parte (mais de 99%) se deve aos ataques aéreos e invasões terrestres de Israel. Os foguetes do Hamas disparados contra Israel durante o mesmo período teriam produzido cerca de 713 toneladas de CO2.
Para nos situarmos, se incluirmos a infraestrutura bélica construída tanto por Israel quanto pelo Hamas, incluindo a rede de túneis do Hamas e a cerca protetora ou “Muro de Ferro” de Israel, as emissões totais de CO2 na guerra de Gaza aumentam para o equivalente às emissões de mais de 33 países e territórios individuais.
Além disso, o estudo estima que a reconstrução de Gaza envolverá um valor total de emissões anuais superior ao de mais de 130 países.
Uma pesquisa publicada em julho passado mostra, por outro lado, que o gasto militar aumenta as emissões de gases do efeito estufa, desvia fundos críticos para a ação climática e consolida um comércio de armas que alimenta a instabilidade durante o colapso climático.
Estima que o gasto militar total da OTAN, em 2023, de 1,34 bilhão de dólares, produziu 233 milhões de tCO2e. Isto é mais do que as emissões anuais de gases do efeito estufa (GEE) da Colômbia e do Qatar.
Também considera que o aumento do gasto militar da OTAN de 126 bilhões de dólares, em 2023, gerou 31 milhões de toneladas métricas adicionais de CO2 equivalente, o que se equipara às emissões anuais de CO2 de cerca de 6,7 milhões de carros estadunidenses.
Esta pesquisa também destaca que o Painel Intergovernamental de Especialistas sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) afirma que é necessário que todos os setores reduzam as suas emissões em 43%, em 2030, em comparação com os níveis de 2019, para ter a possibilidade de manter o aumento da temperatura média mundial abaixo de 1,5 grau.
Isso exigiria uma redução anual das emissões militares em ao menos 5%. No entanto, a OTAN aumentou as suas emissões militares em cerca de 15%, em 2023, e parece que continuará aumentando as emissões ao longo desta década.
O paradoxo é que o aumento do gasto militar da OTAN, em 2023, cobriria o financiamento climático mínimo exigido pelos países em desenvolvimento nas negociações climáticas da ONU deste ano. O gasto militar total da OTAN, em 2023, pagaria 13 vezes este montante e começaria a entregar os bilhões necessários para o financiamento climático, acrescenta este relatório.
E as perspectivas futuras são ainda mais preocupantes: a OTAN afirma que dois terços de seus membros cumprirão o objetivo de um gasto militar mínimo de 2% do PIB (frente a apenas seis países em 2021). Se todos os membros cumprirem o compromisso, até 2028 haveria uma pegada de carbono militar coletiva total estimada em 2 bilhões de tCO2e, maior do que as emissões anuais de GEE da Rússia.
A OTAN também gastaria 2,57 bilhões de dólares adicionais, suficientes para pagar o que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) estima como os custos da adaptação climática para os países de renda baixa e média, ao longo de sete anos.
Para terminar de traçar este panorama desalentador, um estudo publicado em 2019 na revista Nature destaca que a intensificação das mudanças climáticas aumenta o risco de conflitos armados violentos nos países.
O estudo, que sintetiza as opiniões de especialistas, estima que o clima influenciou de 3 a 20% o risco de conflito armado, durante o último século, e que provavelmente esta influência aumentará drasticamente.
Em um cenário com um aquecimento de 4 graus (aproximadamente o caminho que seguiremos, se as sociedades não reduzirem substancialmente as emissões de gases que retêm o calor), a influência do clima nos conflitos aumentaria mais de cinco vezes, chegando a 26% a probabilidade de um aumento substancial do risco de conflito, segundo o estudo.
Mesmo em um cenário de 2 graus de aquecimento acima dos níveis pré-industriais (o objetivo declarado do Acordo Climático de Paris), a influência do clima nos conflitos aumentaria mais do que o dobro, chegando a uma probabilidade de 13%.
Estas tendências aparecem porque os eventos climáticos extremos provocados pelas mudanças climáticas e os desastres relacionados podem prejudicar as economias, reduzir a produção agrícola e pecuária e intensificar a desigualdade entre os grupos sociais. Estes fatores, combinados com outros elementos desencadeadores de conflitos, podem aumentar os riscos de violência e conduzir a guerras.
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As guerras alimentam as crises climáticas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU