31 Agosto 2024
A reportagem é de José Lorenzo, publicado por Religón Digital em 30-08-2024.
O novo populismo tem um dos seus profetas em Donald Trump e, em sua deriva personalista, tem conseguido cobrir-se com o manto do nacionalismo cristão e das reminiscências dos primeiros colonos, algo que até agora as igrejas evangélicas e, nos últimos tempos, também o catolicismo, a ponto de, segundo dados do Pew Research Center de abril passado, entre os católicos brancos, 60% se identificarem agora com o Partido Republicano.
Para essa ‘conversão’ de uma parte do catolicismo, o ex-presidente contou com um ‘São Paulo’, Kevin Rogers, que fez dele uma ‘bíblia’ de mais de 900 páginas – o polêmico Projeto 2025 – que é como um mapa dessa virada nacionalista cristã que também tem entre os seus defensores JD Vance, o católico convertido designado por Trump como seu vice-presidente, se vencer as eleições presidenciais para a Casa Branca em novembro próximo.
Além de ser um apologista do que chama de ‘Segunda Revolução Americana’, Kevin Roberts é presidente da Heritage Foundation, um think tank de extrema-direita cujo objetivo é “formular e promover políticas públicas baseadas nos princípios da livre iniciativa, governo limitado, liberdade individual, valores tradicionais americanos e uma forte defesa nacional”.
Além disso, segundo o jornal The Guardian, Roberts "tem laços estreitos e recebe orientação espiritual regular de um centro dirigido pelo Opus Dei em Washington, DC. O Opus Deis é uma organização que o referido jornal britânico, um dos mais influentes do Reino Unido, descreve como um ‘grupo católico radical e secreto’”.
“Roberts reconheceu em um discurso em setembro passado que, durante anos, visitou semanalmente o Centro de Informação Católica (CIC), instituição dirigida por um sacerdote do Opus Dei e registrada pela Arquidiocese de Washington, para assistir à missa e receber ‘formação’ ou assistência religiosa. O Opus Dei também organiza retiros mensais no CIC”, segundo informações do The Guardian.
Roberts, que segundo o New York Times afirmou que poderia ser “sem derramamento de sangue se a esquerda permitir”, começou a ganhar notoriedade como resultado do Projeto 2025 – duramente criticado por Kamala Harris na recente convenção do Partido Democrata – “um plano de base apoiado por mais de 100 grupos conservadores que procuram mudar radicalmente uma ampla gama de políticas se Trump for eleito novamente, desde limitar o acesso ao aborto e aos direitos LGBTQ+ até acabar com programas de diversidade e aumentar o apoio governamental à 'consciência sobre a fertilidade', como rastrear a ovulação e praticar abstinência periódica, em vez de contracepção mais confiável”.
Considerado o ‘cérebro católico’ de Trump e possível chefe de gabinete na Casa Branca caso o magnata derrote Harris em novembro próximo, Roberts apresentou naquela reunião de setembro passado, no CIC, os ‘mandamentos’ para a restauração cristã dos Estados Unidos, em plena comunhão com 'Make America Great Again' (MAGA), o mantra do Trumpismo.
O CIC, como observa o portal Katholisch, "é o lobby do Opus Dei, que tenta influenciar a política americana a partir daqui" e "é a casa de figuras católicas de direita como Roberts, o presidente da Sociedade Federalista, Leonard Leo e JD Vance, o candidato à vice-presidência.
“[Leonard] Leo é um ativista conservador que liderou a missão republicana para instalar uma maioria de direita na Suprema Corte e financia muitos dos grupos signatários do Projeto 2025. Assim como Roberts, Leo também tem ligações com a CIC, ligada ao Opus Dei”, afirma o The Guardian em suas informações.
“Em um discurso de 2022 aceitando a mais alta honraria da CIC, o Prêmio João Paulo II de Nova Evangelização, Leo elogiou o centro e referiu-se aos seus oponentes políticos como 'bárbaros vis e amorais, secularistas e intolerantes dos dias modernos', que estavam sob a influência do diabo”, afirma o jornal.
“A linguagem militante de Robert, Leo e Vance pode ter sido inspirada em Escrivá, fundador do Opus Dei espanhol”, diz Katholisch, “cujo movimento se via, entre outras coisas, como uma ponta de lança contra a teologia da libertação na América Latina. Daí surge também a rejeição da ideia de separação entre Igreja e Estado, pois na realidade faz parte da autoimagem que os Estados Unidos têm”.
“Tal como o Projeto 2025, o Opus Dei é na sua essência uma postura reacionária contra a tendência progressista da sociedade”, segundo Gareth Gore, autor de um livro sobre a Obra, e não propriamente muito elogioso. “Durante décadas, a organização dedicou seus recursos à penetração na elite política e jurídica de Washington e, finalmente, parece ter tido sucesso graças à sua estreita associação com homens como Kevin Roberts e Leonard Leo”, afirma em declarações ao The Guardian.
Também o teólogo Massimo Faggioli, da Universidade Villanova – citado por Katholisch – “constrói uma ponte direta” para o Projeto 2025: “O Opus Dei é uma das forças conservadoras e tradicionalistas do catolicismo que vê os Estados Unidos como o último bastião do cristianismo”.
No entanto, Roberts, que depois de estudar na Universidade do Texas fundou a Academia João Paulo, o Grande, em Lafayette, uma “escola que escolheu o fundador do Opus Dei como seu patrono”, ficou em segundo plano nas últimas semanas, aparentemente devido ao excesso de ardor nos seus postulados restauracionistas e Trump distanciou-se um pouco.
“O fato de o seu nome aparecer várias centenas de vezes no documento [o Projeto 2025] e de [o seu candidato a vice-presidente] JD Vance estar em contato próximo com o arquiteto intelectual do projeto forçou Roberts a retirar-se taticamente”, diz Katholisch.
Mas não foi apenas Roberts que se retirou taticamente. A apresentação do seu livro sobre o Projeto 2025, intitulado The First Light of Dawn [A primeira luz do amanhecer], com publicação prevista para 24 de setembro, também foi adiada para depois das eleições presidenciais.
Vance e “os mosquetões” da batalha cultural
O prólogo dessa obra traz a assinatura de JD Vance e nele ele reivindica o direito de “'montar as carruagens e carregar os mosquetes” para entrar em batalha com as ideias de Robert como 'armas essenciais'”, segundo Katholisch.
Munições, em suma, para a batalha cultural que também querem fazer eco na Espanha, copiando, literalmente – apelo às raízes cristãs, rejeição da 'grande substituição' por migrantes muçulmanos, procura de apoio nos líderes católicos, agradecimento pela argumentação e formação de líderes –, os passos dados anteriormente para fazer de Trump o profeta de um nacionalismo cristão onde é difícil encontrar ecos do Evangelho.
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Estará o Opus Dei por trás da “conversão” católica a Trump nos Estados Unidos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU