26 Junho 2024
A convocação ao Dicastério para a Doutrina da Fé, nos escritórios do Palácio do Santo Ofício, é sucinta, mas cheia de sofrimento. Dá a entender como o epílogo do controverso Dom Carlo Maria Viganò e a esperada excomunhão concentrem uma história de divisões e venenos e seja generoso de especulação e lutas internas. Após seis semanas de investigações confidenciais, Viganò deve agora responder pelo crime de cisma, certamente uma das acusações mais graves que se pode fazer contra alguém na Igreja.
A reportagem é de Gianluigi Nuzzi, publicada por La Stampa, 22-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ao arcebispo é dada a faculdade de “tomar nota das acusações e das provas relativas ao crime de cisma do qual foi acusado" que, na prática, se baseia nas "afirmações públicas das quais resulta uma negação dos elementos necessários para manter a comunhão com a Igreja Católica", ou seja, "a negação da legitimidade do Papa Francisco, a ruptura da comunhão com ele e a rejeição do Concílio Vaticano II”.
E, no Código de Direito Canônico, o horizonte do procedimento é claro: “O apóstata, o herege e o cismático incorrem na excomunhão latae sententiae", bem como possíveis outras privações, entre as quais aquela do salário, da faculdade de ouvir as confissões ou de pregar. Uma linha desejada pelo pontífice como alerta contra as derivas cismáticas que atormentam o núcleo conservador do mundo católico estadunidense e alemão, mas não só. Também um sinal de equilíbrio e de recomposição, considerando que Viganò nos últimos anos e ainda mais desde a morte de Ratzinger perdeu aquela função identitária da dissidência.
Do pedido público de renúncia do Papa reinante às posições No vax, Viganò, já marcado por um caráter brusco e complicado, seguiu pelo caminho da solidão. As poderosas redes financeiras e dogmáticas estudam o pontificado que virá, cultivam outras esperanças em tabuleiros de xadrez onde o radical Viganò não está presente. E o bom jesuíta de Santa Marta sabe bem disso, em parte até o diverte, com aquele sarcasmo profundo que marca a sua cotidianidade e relativiza as escolhas. Por isso a ação do Santo Ofício não ocorreu imediatamente após as primeiras afirmações cismáticas, embora algumas delas tenham desorientado mais de um católico próximo do monarca. Não, Bergoglio esperou que toda a deriva fosse concluída, consciente de como justamente a ação de Viganò deslegitimasse não tanto o pontificado, mas sim os mundos aos quais se reportava e que queria reunir.
Uma forma de agir que pode ser comparada com a tomada em relação a Dom Georg Ganswein, secretário particular de Bento XVI que hoje vive em Freiburg, privado de cargos oficiais. A linha de Ganswein – certamente não cismática – é tolerada, a de Viganò não, porque viola em si o pacto vocacional. E causa um certo efeito, especialmente quando se olha para o passado, para o pontificado de Bento XVI nos anos cruciais que antecederam a sua renúncia, desde que justamente Viganò foi promovido.
Em 2009, como secretário do Governatorato, centro nevrálgico dos gastos do pequeno estado. Aqui o arcebispo se desdobrou para rever os custos, cortar os desperdícios, combater os desvios e, acima de tudo, mudar a mentalidade. Pela primeira vez na história da Igreja, um bispo denunciava na sua correspondência com o Papa, a corrupção nos sagrados palácios.
É isso mesmo, Viganò teve a audácia de escrever e descrever a “corrupção” que subia aos nobres patamares do Palácio Apostólico entre conivências e encobrimentos. Uma manobra contra a pior cúria. Bento XVI queria certamente que Ganswein, o seu secretário de confiança, fosse o seu olho em todos os dicastérios dos protegidos do então poderoso secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone. E é precisamente contra este último que veio o ataque frontal de Viganò com missivas mortais contra o alto prelado piemontês.
Bento XVI, tendo que escolher, enviou o prelado para fora dos muros leoninos em 2011, como núncio apostólico em Washington. Viganò teve a oportunidade de contar aos bispos e cardeais estadunidenses a situação da Cúria Romana, tanto que quando a renúncia chegou em 2013, aqueles eleitores chegaram a Roma pelas congregações, em rompimento com a secretaria de Estado. Bergoglio, o papa que veio da periferia do mundo, foi escolhido nesses húmus. Viganò, por sua vez, não elevado a cardeal, iniciou uma guerra contra todos, que hoje o vê sozinho entrando no palácio da Inquisição.
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Posições 'No Vax', ataques a Bergoglio porque a excomunhão paira sobre Viganò - Instituto Humanitas Unisinos - IHU